TRANSPORTE PÚBLICO

A luta diária para se deslocar

Lucas Goulart
Cotidiano Incomum
Published in
5 min readSep 6, 2023

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As dificuldades enfrentadas por pessoas cadeirantes usuárias do transporte público de Porto Alegre é um dos problemas recorrentes de acessibilidade da capital gaúcha

Foto: freepik.com — As dificuldades sofridas pela população PCD na capital gaúcha

O transporte público de Porto Alegre possui praticamente 100% da frota com acessibilidade para pessoas com deficiência (PCDs). Contudo ainda ocorrem problemas, como a precariedade das plataformas — que possibilitam a entrada dos cadeirantes nos ônibus — e a falta de empatia dos motoristas nos momentos de auxílio ao cadeirante para acessar os ônibus.

A estudante de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Vanessa Gomes, de 33 anos, explica que a falta de sensibilidade dos motoristas na hora de ajudá-la no embarque é comum. Quando tem um cadeirante na parada de ônibus, o motorista precisa parar o veículo, descer e ajudá-lo a entrar, o que nem sempre é feito com respeito.

“Sempre tem motoristas que estão descontentes em ter que operar a plataforma. Manuseiam a minha cadeira de qualquer jeito, de forma bruta, até parece que não realizaram curso para manusear a plataforma”, Vanessa Gomes, estudante de Publicidade e Propaganda da UFRGS

Além disso, para Vanessa, outro problema perceptível são as plataformas estragadas, que visivelmente não foram inspecionadas. “Sempre tem motoristas que estão descontentes em ter que operar a plataforma. Manuseiam a minha cadeira de qualquer jeito, de forma bruta, até parece que não realizaram curso para manusear a plataforma”, relata a estudante.

Em nota, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) cita que realiza dois tipos de vistorias nos veículos: a periódica, no qual é colocado um selo de comprovação das boas condições do veículo, e a inspeção veicular. Essa é realizada pelos agentes de fiscalização do transporte, que vão até as garagens e vistoriam as condições dos veículos antes de circularem nas ruas pela primeira vez.

Ambas as operações ocorrem de acordo com a idade dos ônibus. Os carros novos recebem vistorias a cada seis meses. Já os veículos mais velhos, que tem mais de 14 anos na frota, precisam receber uma inspeção a cada 45 dias.

A retirada dos cobradores

Outro fator que preocupa à população PCD é a retirada dos cobradores dos ônibus. A Prefeitura de Porto Alegre autorizou, em fevereiro do ano passado, a retirada gradual desses profissionais do transporte público. Foi o início do projeto que visa extinguir o cargo até 2025.

Nas linhas em que ainda há cobradores, são eles os responsáveis por auxiliar o cadeirante no embarque. De acordo com os dados da Associação dos Transportes de Passageiros (ATP), Porto Alegre ainda tem 895 cobradores exercendo sua função. No entanto, houve uma redução de 28,4%, em relação ao ano passado, já que existiam 1.250 profissionais no cargo em 2022.

Com a falta do cobrador, o motorista fica sobrecarregado para realizar suas funções habituais. “Alguns motoristas até não ficam muito felizes quando tem cadeirantes na parada. Porque precisam realizar mais uma função. Isso é nítido para mim”, comenta Vanessa, que se desloca diariamente para frequentar as aulas da faculdade. “Sem contar que, anteriormente, quando tinha cobrador, eu já percebia o pessoal um pouco incomodado, porque todo processo de colocar o cadeirante no ônibus gera um atraso, né? Agora, as pessoas ficam bem mais incomodadas.”

No entanto, o gerente de Planejamento de Transportes da EPTC, Flávio Tumelero, tem uma visão diferente sobre o fato. “Não, não haverá prejuízo no auxílio, porque os motoristas estão treinados para cumprir esta função. Pois todos os motoristas do transporte público de Porto Alegre, que possuem mais de seis meses de empresa, já realizaram o curso de acessibilidade. Os motoristas que estão há mais tempo na empresa, precisam fazer uma reciclagem a cada cinco anos”, afirma.

Flávio Tumelero cita também que os motoristas contratados pela empresa privada Mobilidade em Transportes (MOB) recebem cerca de 10% do salário da função de cobrador.

Segundo a Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), a capital gaúcha tem uma frota de 1.063 veículos, sendo que 850 fazem parte das empresas privadas. Ao todo, são 11 empresas privadas que realizam o transporte público de Porto Alegre e apenas uma empresa pública, que é a Carris. Atualmente 50% das linhas estão sem cobradores, o que corresponde também a 50% da frota.

Reclamações recorrentes

A coordenadora de acessibilidade da Fundação de Atendimento ao Deficiente e ao Superdotado no Rio Grande do Sul (FADERS), Jaqueline Rosa, afirma que diariamente recebe reclamações das pessoas com deficiência atendidas por esse órgão gestor de política pública do Estado. “As principais questões ocorrem sobre as condições dos elevadores, horários, e a falta de empatia dos profissionais”, relata.

A estudante Vanessa explica que sua maior dificuldade é subir de costas na plataforma, movimento indicado ao cadeirante que necessita da ajuda do motorista. Ela conta que já passou por situações delicadas nessa condução. “Eu não consigo acessar às vezes e peço ajuda ao motorista. Mas já peguei motoristas que puxavam muito forte e, uma vez, quase sofri uma queda para frente”, comenta.

A EPTC garante que realiza uma pesquisa permanente de satisfação no seu sistema que inclui diversas questões, dentre elas a acessibilidade. A empresa diz que, a partir dos dados coletados, são executadas ações que visam a melhoria dos pontos reclamados pelos usuários. No entanto, não soube responder quais são as principais mudanças reivindicadas sobre o transporte acessível.

A coordenadora de acessibilidade da Faders ressalta a importância de as empresas acolherem as reclamações da população PCD e de cumprirem as leis estabelecidas sobre a mobilidade urbana em Porto Alegre e no estado. “Que realmente o transporte funcione como está na lei. O elevador estragou? Recolhe na hora, pois a pessoa deficiente é um cidadão como uma pessoa qualquer”, salienta.

A necessidade de avanços no serviço

É perceptível que ter 100% da frota acessível para população cadeirante, em perfeitas condições de uso e com funcionários capacitados para o exercício das suas atividades, é um pré-requisito para atender a mobilidade da população PCD. “Acredito que seria bacana ocorrer alguma campanha que conscientize as pessoas sobre não descer na porta que possui plataforma, pois tem pessoas que descem e aparentam estar pulando no elevador”, opina Vanessa.

Conforme os dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), Porto Alegre possui 336 mil pessoas com algum tipo de deficiência permanente, alcançando 23,87% da totalidade da população. Entre as deficiências estão a visual, motora, mental ou auditiva. A EPTC garante que, de acordo com os boletins de embarque dos passageiros, a população de pessoas com deficiência está presente em cerca de 1% das viagens realizadas no transporte coletivo da capital.

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da FABICO/UFRGS

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