MARKETING ESPORTIVO

Vivos e animados

Erivaldo Júnior
Cotidiano Incomum
Published in
6 min readSep 6, 2023

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Futebol une tradição e inovação com a presença dos mascotes nos estádios, eventos e nas mídias sociais

Saci do Colorado é ator profissional | Foto: Sport Club Internacional

Mascotes são figuras notórias em eventos esportivos no exterior há bastante tempo. Em cada Copa do Mundo, por exemplo, a apresentação do boneco que será símbolo da competição é aguardada com expectativa. O primeiro Mundial a contar com um personagem foi o de 1966: Willie, um leão cuja estampa da camiseta era a bandeira da Inglaterra, país-sede e vencedor do torneio. De Misha, o inesquecível urso-pardo das Olimpíadas de Moscou, em 1980 ao controverso tatu-bola Fuleco, da Copa realizada no Brasil, em 2014, foram muitos os mascotes que ganharam fama mundial. Hoje, os principais clubes do futebol brasileiro investem em seus mascotes, que passaram a ganhar vida com profissionais fixos.

Devido à sistemática profissionalização do esporte no país, é natural que se constituam caminhos alternativos para conquistar cada vez mais a paixão dos torcedores. Investir na figura dos mascotes é um deles. Mascote é uma palavra feminina, proveniente do francês mascotte, e significa pessoa, animal ou objeto que dá sorte. Mas, como no Brasil é mais comum as pessoas usarem a forma masculina, as duas maneiras são aceitas.

Profissão: Saci

Serelepe e saltitante, ele circula pelo estádio Beira-Rio performático. À paisana, conta que trabalha desde 2022 no Internacional, com esta função: dar vida ao Saci. “Fui indicado por um conhecido meu, também funcionário do clube. Combinamos um jogo para eu me adaptar. Foi em Inter x São Paulo, Brasileirão Feminino.”

O mascote colorado está entre aqueles cujo nome não é revelado para os torcedores. “Em primeiro lugar, para manter o lúdico do personagem. É o Saci quem está ali. O curioso é que algumas pessoas chamam, a mim, pelo nome do colaborador anterior. Tem a ver, também, com precaução nos momentos ruins do time”, explica o ator, que veste a fantasia do mascote. Para ele, representar o Saci significa conduzir a história do clube na figura desse personagem, que é uma criança folclórica e se conecta com meninos e meninas, mesmo de classes mais excluídas. “E meu coloradismo influi nisso.”

“As jogadoras têm mais disposição em ir até o mascote na hora do gol. No futebol masculino, fico próximo somente durante o aquecimento, imitando os gestos deles”, ator que dá vida ao mascote do Internacional

Carla Furtado, gerente de relacionamento social do Internacional, acrescenta aspectos relacionados à apresentação da indumentária do mascote. “Contamos com uma empresa de criação terceirizada, que faz roupas de festa à fantasia. Envolve matéria-prima: espuma, tela, tecido. Por exemplo, solicitamos alterações para reduzir a dimensão da cabeça do Saci. A própria camiseta que ele usa nos jogos. Inserimos o número 31 às costas, fazendo menção ao dia 31 de Outubro, Dia das Bruxas e Dia do Saci”, explica a gerente. Ela lembra que nos eventos no Interior do estado, a presença do mascote gera impacto imediato nas crianças. Para o Internacional, é como se fosse um personagem da Disney.”

O comportamento do Saci durante os jogos muda de acordo com o comportamento dos atletas em campo. Ele percebe, por exemplo, que o time feminino valoriza mais o carisma do personagem. “As jogadoras têm mais disposição em ir até o mascote na hora do gol. No futebol masculino, fico próximo somente durante o aquecimento, imitando os gestos deles”, revela o ator. “Temos, ainda, diretrizes das federações estaduais para o nosso comportamento: o que podemos [fazer] no Sul, por exemplo, seria vetado em outras regiões do Brasil”, explica, enfatizando que a Conmebol não permite mascotes nos jogos da Copa Libertadores e na Copa Sulamericana.

Sobre ser o Saci do Internacional e se apresentar no estádio, ele faz comparações às circunstâncias de sua carreira de ator. “São 50 mil pessoas [no Beira-Rio]. Trabalho desde os 14 anos como artista e nunca me apresentei para tanta gente”, ironiza. “Antes da pandemia, excursionei durante um ano e meio pelo interior do estado por conta de um musical infantil”, lembra, contando que essa experiência tinha sido, até então, seu primeiro trabalho com remuneração estável na carreira. Mesmo que tenha um contrato intermitente, o trabalho no Inter lhe garante uma certa estabilidade mais uma vez.

Mosqueteiro onde o Grêmio estiver

Cartunista Ziraldo desenhou o Mosqueteiro do Grêmio para a Copa União, nos anos 1980 | Ilustração: Divulgação Museu do Grêmio Hermínio Bittencourt

Conforme informativo do Museu Hermínio Bittencourt, localizado dentro da Arena do Grêmio, o Mosqueteiro, mascote do clube foi crido em 1946. O torcedor Salim Barros Nigri, com o intuito de evocar sentimento de bravura e inspirado pelo romance Os Três Mosqueteiros, colocou o personagem nas arquibancadas da época junto a frase “Com o Grêmio onde estiver o Grêmio”, que também seria uma marca futura do time. A frase foi invertida no hino oficial composto por Lupicínio Rodrigues para o verso “Com o Grêmio onde o Grêmio estiver.”

O Mosqueteiro que anima a torcida está ligado ao Departamento de Marketing do clube. A museóloga Sibelle Barbosa, que trabalha no Hermínio Bittencourt, explica que , como o museu não está finalizado, ainda não foi possível criar um espaço em homenagem ao Mosqueteiro, mas faz uma revelação: “O clube conta com dois colaboradores desempenhando a função de mascote, entre os jogos da Arena e os eventos externos.”

A mascote guerreira

A mascote Canarinha Guerreira em Brisbane, na Austrália | Foto: Gabriel Morais/Arquivo Pessoal

“Não podemos divulgar nada sobre a alma dela”, responde, com irreverência, o publicitário Gabriel Morais se a Canarinha Guerreira, mascote da Seleção Brasileira de Futebol Feminino torce por algum clube.

A primeira mascote da torcida brasileira para Copa do Mundo Feminina, realizada na Austrália e na Nova Zelândia este ano, foi criada de forma independente por um grupo de torcedores liderados por Morais.. “O projeto todo é obra minha. Participei de todo o processo para garantir a integridade da ideia. Alguns amigos colaboraram, mas sempre sob minha liderança, pois eu sabia exatamente onde queria chegar com a ideia”, relembra.

Com rabo de cavalo e faixa no cabelo, comumente usados pelas jogadoras durante as partidas, a Canarinha Guerreira foi idealizada por Morais ainda no Brasil, junto com o ilustrador Renato Posch e uma equipe que trabalha numa fábrica de fantasias. A personagem foi inspirada no Canarinho Pistola, mascote da seleção masculina, e o grupo que participou da criação conseguiu ir para a Austrália durante a Copa por conta de um financiamento coletivo.

Mas quem estava dentro da fantasia? “Chegamos na cidade de Adelaide. Postei num grupo, chamado ‘Brasileiros em Adelaide”, se alguma mulher teria interesse em ser a alma da mascote”, conta Morais, sem revelar quem assumiu a função. Publicitário formado antes das redes sociais terem a importância que tem hoje, Morais sente-se realizado com os mais de três mil seguidores conquistados no Instagram @canarinhaguerreira para a versão feminina do tradicional Canarinho.

Produto agregado e ambiente favorável para o evento

Para Fernando Trein, especialista em gestão e marketing esportivo, os clubes precisam agregar valor ao produto que estão oferecendo aos torcedores. “Quando falamos de marketing esportivo, estamos falando de mensagens publicitárias, patrocinadas ou não. Para encantar esse produto esportivo, tem que oferecer opções, não só ganhar o jogo. Os mascotes são produtos agregados a essa infraestrutura”, opina Trein, lembrando-se de outros esportes nos quais esses personagens são muito importantes. “Na NBA eles interagem muito com as pessoas. Fazem encenações com a cesta ou tiram o público para dançar, por exemplo”, explica ele, referindo-se à principal liga de basquete profissional da América do Norte. “Os americanos são receptivos a essas mensagens. Poderíamos avançar mais nesse sentido no Brasil: renova-se o público e cria-se uma atmosfera favorável nos estádios.”

Futebol, hoje, é negócio e entretenimento, e os clubes precisam ter lucro, mas com responsabilidade social. O celebrado professor e consultor de marketing estadunidense Philip Kotler dizia que não se compra participação no mercado, se conquista. Trein entende que há diversas demandas de grupo de torcedores. “O futebol apresenta diferentes perfis de torcedores e, por consequência, diferentes perfis de consumo. O Saci, por exemplo, pode atender a crianças de diferentes condições sociais e, ao mesmo tempo, com expectativas semelhantes. É um desafio interessante para os clubes e seu marketing esportivo”, opina.

Reportagem produzida para a disciplina de Fundamentos da Reportagem do curso de Jornalismo da FABICO/UFRGS.

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