Tornar-se…

Nicole Macedo
Cotidiano Sensível
2 min readApr 25, 2018

Em um fim de tarde de outubro, enquanto organizava o apartamento que se transformaria em seu lar, escutou, do homem que amava, um riso, um comentário… que não pôde esquecer: o lugar era como ela, tinha potencial!

Algumas vezes sentiu-se deslocada no tempo-espaço, sem saber como se fixar… Era como se aquele que dizia lhe estimar, como se a mulher que havia lhe abraçado, e todos que sorriam não percebessem que se afogava no vazio de, ali, não ser parte. Fora colocada, entre muitas risadas e brincadeiras, inúmeras pinceladas de sutiliza, no não lugar de quem não tem memórias em comum… daquilo que é secundário.

Um dia, leu orgulhosa as páginas escritas por quem amava. Não sabia se o leite estava azedo, ou encontrar réplicas de frases suas inundou, de tal modo, suas entranhas que suas percepções tinham se modificado.

Existiu, também, o momento onde quem lhe jurou amor buscou, por todos os meios, transformar-lhe em algo que não reconhecia. Tantos os silêncios violentos, as lágrimas sem explicação, a vontade furiosa de controlar atos, palavras… Que duvidou de quem era, do que sentia, se vivia ou imaginava.

Habitualmente questionava, também, tudo que lhe amarrava o estômago. Vivia, pois, num constante estado de acreditar jamais crendo, doar-se, sem nunca se entregar, ser vista e não estar, descortinar o presente e refugiar-se num futuro-passado. “Sinto por que devo?”

No existir de mulheres a seu redor habitava a compreensão silenciosa do não antes notado… Na presença de quem lhe olhava quase de dentro para fora, suas forças eram reestabelecidas.

Ao compreender que, talvez, pudesse jamais se desvencilhar das dúvidas em relação a si mesma, de deixar de sentir a estima, num instante, e o não interesse no outro… Escolheu — não por concordância com o que lhe fora imputado, mas por acreditar que, acompanhada por fantasmas ou não, este era seu melhor caminho — tornar-se aquilo que desejava ser… tornar-se, cada vez mais, mulher.

Arquivo Pessoal

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