Ah, a vida é: (x) uma merda (x) uma festa

Camila Freire
Coxia de Desconchavos
3 min readNov 18, 2016

Eu acho que a vida é uma merda. Não só a minha, mas o próprio conceito mais amplo de vida. Acho que a gente tá aqui pra sofrer e sofrer, e duvidar, e ter crises, e angústia, e tomar várias decisões erradas que podem só parecer bem erradas muito tempo depois. Acho que esse negócio de humanidade foi uma péssima ideia.

Mas, por outro lado, a gente já está aqui mesmo. É uma festa meia boca, para a qual você se arrumou, gastou dinheiro, pegou dois ônibus e agora quer fazer valer a pena. Afinal, já foi tanto esforço, e você acabou chegando mesmo. Que é que custa dar uma volta e tentar achar alguma coisa interessante pra fazer?

Viver é bosta, mas deixar de viver dá trabalho. Faz sujeira, faz bagunça e deixa a maior confusão pros outros. Não que eu ache que as pessoas não tenham direito a desistir das suas vidas, se elas assim quiserem e puderem escolher. Sou super a favor de suicídio assistido em caso de doenças incuráveis e que causam sofrimento extremo. Não vou nessa de corpo como prisão.

Mas pra maioria de nós, acho que dá pra ir seguindo. Se o ônibus da volta vai chegar no fim da madrugada- ou até antes-, pra que pagar essa fortuna no Uber? Olha lá, a cerveja tá quente, o vinho é Sangue de Boi, mas tem Fanta Uva geladinha. E colocaram Whisky a Go Go de novo. Incrível, mas tem gente que tá ouvindo pela primeira vez.

Eu sei que a metáfora da vida como uma festa é batida, mas é batida porque funciona. Ainda mais porque eu não sou muito de festa, então pra mim tem tudo a ver. Nesse exato momento, por exemplo, eu estou presa numa baladinha top com sertanejo universitário no último volume (a festa é minha, meu pesadelo é esse).

Acabaram de jogar cerveja em mim, a vontade é só de deitar no chão e chorar, mas eu preciso ir no banheiro. A fila tá enorme, e parece que acabou o papel higiênico.

Aí eu tento conversar com a galera da fila, e eu vejo que tem gente sofrendo lá também. Tem menina com o salto quebrado. Tem a que acabou de ver o namorado beijando outra. Tem aquela com infecção urinária, e que vai precisar pegar essa fila imensa a noite toda. Sentimos muito por ela, e sentimos por todas nós. Mas é por estarmos juntas que de repente essa festa horrível fez sentido.

A cada dez músicas do Gustavo Lima o som dá problema e fica um silêncio lindo. Dá até pra limpar um lugarzinho no chão entre as milhares de bitucas de cigarro e ficar sentada um pouco. E são poucos os bêbados que esbarram em nós, por sorte eles estão vomitando em outro lugar.

Será que eu e minhas novas amigas vamos ter a noite inteira pra conversar? Quando será que virão os nossos ônibus? Existe vida fora dessa festa? Será que tem algo pra gente aqui, no meio desse horror?

É óbvio que essa festa nunca vai ser aquilo que a gente esperou, mas será que não vai melhorar nem um pouquinho? Um tiquinho que seja? Será que a gente deveria mesmo ficar se fazendo tantas perguntas?

Ou só deveríamos aproveitar nossas companhias mesmo? E degustar essa deliciosa safra de Fanta Uva enquanto ainda tem?

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