A sociedade do feedback imediato

Como o reforço positivo de “curtidas” e “clicadas” leva o diálogo do texto à falência; há novos horizontes para o ensaio?

Tuliosil

--

Já faz muito tempo que pensar o mundo de forma maniqueísta é algo engraçadamente complicado. Sim e não, certo e errado, bem e mal, curto e não curto são oposições simples demais para nos tornar capazes de criar relações com o nosso espaço.

Muito mais do que simplistas, essas oposições também fazem parte de uma comédia cotidiana. Entendemos que nossas relações sociais não conseguem ser tão assertivas; recursos, como depende, talvez, de certo modo, tornaram-se importantes e indissociáveis ao discurso.

Ou não… (para brincarmos um pouco com a máxima de Caetano)

Cômico, mas as duplas de oposições, sabidamente frouxas, não nos guiam, muito embora nossos atos sejam condicionados a darem respostas baseadas em binômios.

O Facebook pode ser exemplo quando lembramos de usuários “mendigando” uma opção “não curti”. Essa é uma imagem tão límpida quanto a de águas cristalinas. Entretanto, é preciso de realismo de nossa parte para utilizar o dado pelo mundo, não o que gostaríamos que ele nos desse — no caso, só termos o botão “curti”.

Com as inovações da timeline, como a recente inclusão de “curtidas relacionadas”, o feedback positivo aumentou para empresas e páginas de entretenimento

Ele, em si mesmo, já é uma engrenagem tremenda dentro da máquina maniqueísta do fim do diálogo. Os polegares para cima em uma publicação, por si mesmos, querem dizer muito mais do que se houvesse seu binômio contrário,o polegar para baixo, como na Roma Antiga.

Assinalar que se curte algo surgido na “timeline” supõe coisas tão inúmeras, que só esse ponto já seria digno de um ensaio. Algumas “acepções não imediatas” do ato, entretanto, podem ser inferidas. Curtir uma publicação está intimamente relacionado a questões de criação de identidade — pessoas e ambientes que se relacionam pela existência de pelo menos um mínimo múltiplo comum —, e aqui também as possibilidades de debate crescem exponencialmente.

Criar identidade com um “thumbs up”, o joinha brasileiro — estrangeirismo mais uma vez utilizado para não perder o costume — não quer dizer apenas concordar ou não com a pessoa, também pode querer significar que o ato do feedback positivo ao outro é a espera de um retorno positivo a si.

Creio que isso seja um pouco complicado, mas como o eixo temático deste discurso é a questão do feedback positivo, necessita uma iluminação melhor.

Quem curte, quer curtida!

O vício do retorno positivo não é algo começado agora com as novas mídias sociais, é algo já vindo. Para os “da internet”, que já estão em rede há um bom tempo, vem de ancestrais como o blog, o fotolog e mais outras inúmeras ferramentas sociais.

Essas mídias foram importantíssimas em um fenômeno conhecido como “celebridade da internet”. Tirando a supremacia dos “meios de produção” de fama das grandes empresas, blogueiros, “fotologueiros”, entre outros — cidadãos comuns até então fora da mídia tradicional de exposição pública —, tornaram-se aptos a sair do anonimato por conta própria.

Uma foto legal, um texto engajado ou bacana ou engraçado, a criação de uma personagem geradora de identidade coletiva, entre outros, era capaz — é ainda é — de alçar um reles vizinho ao posto de VJ da MTV.

MariMoon criou seu perfil no Fotolog em 2003. Em 2008 se tornou apresentadora da MTV

A partir daí, uma revolução sem tamanho começou a — feito bola de neve — arrastar consigo uma geração. Muitos eram os que queriam, no fundo de seus âmagos, serem iguais a Mary Moon. Com o Youtube, muitos começaram a se expor buscando conquistar a fama de um PC Siqueira.

Se levarmos em conta que do Flogão para cá o número de brasileiros conectados aumentou loucamente — segundo dados recentes do IBGE, o crescimento do número de internautas nos últimos 6 anos foi de 143,8%, o dobro mais a metade — e que além da quantidade de internautas, o tempo gasto e a frequência na rede se intensificaram, dá para perceber o efeito colateral “celebridades da internet”.

Hoje em dia, não basta mais apenas fazer alguma coisinha e espalhar para os amigos, é preciso genialidade. As atuais celebridades da internet alcançaram esse título por meio de certa meritocracia virtual: uma sacada incrível ou, às vezes, uma burrada homérica. É meio absurda a lógica de genialidade alinhada com estupidez, mas ela pauta a internet e não se tem muito o que fazer. São as regras do jogo, afinal, quem ratifica a fama é o público.

Dentro de todo esse contexto, uma vez que o trabalho para conseguir tal pagamento do público ficou muito mais árduo, tornar-se uma celebridade da internet começou a ser ambicionado por menos pessoas.

Hoje, para os mais de 80 milhões de internautas brasileiros conectados, o interessante é ser celebridade dentro do próprio circulo social. É receber várias curtidas, sentir-se querido. Ou seja, nada diferente do que no mundo real, em que, como diz a máxima:

Não existe ação desinteressada!

O amor, a amizade, a consideração, entre muitas outras, são motivações que nos fazem tomar atitudes, sem motivação, não há ação.

Até as ações de Jesus Cristo, como relata a Bíblia, ambicionavam alguma coisa. No caso, a salvação da humanidade

Neste ponto vale ressaltar que, da mesma forma como fazemos no mundo real, muitas vezes não temos consciência da motivação de nossas ações na virtualidade, muitas vezes tomamos decisões por impulso.

A diferença é que na rede os impulsos são muito mais automáticos e sugestionados, que é o grande problema em questão.

Na internet é muito mais fácil o não prestar atenção ao que o outro diz, não pescar nas profundezas das palavras digitadas toda a complexidade de uma sentença — talvez por isso as ironias passam em branco, cada vez mais despercebidas.

No “scroll down” — mais estrangeirismos por favor, não sei viver sem — da página, no meio da infinidade de informações desconectadas, damos mais atenção ao superficial, aquilo que nos cria significados instantâneos, aos significantes que, apenas ao passarmos os olhos, já nos tocam de alguma forma. Conexões, sinapses e análises se tornam ferramentas cada vez mais esquecidas em prol de uma rala emotividade: fofura, comicidade, atração sexual, posicionamentos ideológicos diversos, entre outros.

Não se pode generalizar este ponto dizendo que tudo na internet é assim. Existe pensamento dialógico na internet, não há dúvida. Mas o efeito feedback positivo é algo que domina todo mundo, ainda que inconscientemente, por motivações não totalmente claras, impulsos.

Por meio da ironia, o “Site dos Menes” criou a imagem “Novo mene: o Sakamoto (jornalista) que separa realidade de ficção”. Dialogia aberta mas não alcançada por conta da emotividade rala do puro cômico

Quando nos dão apenas ferramentas de retorno maniqueísta — gosto ou não gosto —, quando a impulsividade é incentivada feito um biscoito dado ao cachorro quando ele senta, o diálogo perde a importância. A construção de algo perde a importância, pois, pelo que parece, parte-se do pressuposto de que a coisa já está pronta. A ideia está dada e só existe concordância ou discordância.

Então, conclamar a presença da imagem do ensaio parece, talvez, uma escapatória necessária. Ele uma “forma” de texto que não trabalha com a coisa fechada, não propondo verdade ou certeza — inclusive por esse maniqueísmo igualar-se à tentativa de enxugar gelo, sem sentido e nada funcional.

Utilizar esta plataforma aqui (Medium) é outra tentativa de fugir da mesquinharia do feedback positivo. Nesta mídia, as formas de interação com publicações se dão por “recomendação”, quando alguém acredita que o texto merece ser lido por outras pessoas e por meio de comentários em parágrafos — discute-se o que foi dito ou o que em determinado momento está em consonância ou não com pensamentos particulares.

Em relação a esses comentários, as discussões são limitadas à fala de uma pessoa, onde o autor tem direito a réplica e então uma tréplica do “comentarista”, mas o limite de caracteres desses espaços vai diminuindo até chegar ao tamanho de um tweet, possibilitando certa limada; evitando confusões desencadeadas por emotividades ralas.

O Medium não é a salvação das “lavouras sociais” — ainda mais quando se conhece a capacidade criativa do ser humano em encontrar meios para burlar regras e reificar ordens a que já está acostumado —, mas ele pode ser utilizado como possibilidade de aumentar as questões dialógicas do ensaio. Esse sim, talvez, a única “mídia” atual que possa debater a questão de estarmos sendo treinados a ficar apenas pela superfície, evitando o diálogo e nos desassociando do restante de nós, afinal, o pressuposto básico de sua existência é a conversa, o debate.

Ode ao diálogo feito pela TV Cultura em meados da década de 90: um garotinho questionador que tudo queria saber e a “sociedade” lhe impunha um “porque sim” para acabar com suas perguntas

Questionar ensaisticamente é o ponto, uma vez que quando o fazemos, estamos criando ensaios novos. Dado o fato de que quando questionamos não estamos dando um feedback imediato, pelo contrário, estamos cientes de que ainda estamos frente a um processo no qual não há o que dizer maniqueisticamente como certo ou errado — concordo ou não — conseguimos fugir, ainda que ligeiramente, do reforço positivo e do impulso.

Quando questionamos, somos obrigados a deixar o pensamento respirar antes que tomemos uma decisão. Nesse momento, saímos do ralo, do emotivo e tentamos criar novas relações com o interlocutor, é como se pela primeira vez o escutássemos.

E assim, questionar é ensaiar. É a única solução ao problema do feedback positivo a que somos diariamente expostos. É não tomar decisões precipitadas e saber que a única certeza é a de que ainda estamos em um processo, que nenhuma certeza foi absolutamente fechada, inclusive esta aqui.

--

--