troquei a minha família por uma tigela de Sucrilhos

Lyvia Rodrigues
cozinha sem filtro
Published in
3 min readJan 29, 2020

Desde sempre a gulodice foi a base da minha vida. Por isso, vou contar um episódio da minha infância que, já aviso logo, contém cenas fortes.

Eu devia ter uns cinco anos de idade quando eu chamei o pai de uma coleguinha de meu pai. Um ato inocente que se sucedeu em um drama mexicano. Ser criança nos anos 1980 sob os métodos educacionais nada ortodoxos do meu pai, não era tarefa fácil.

Pois bem, ele não gostou de saber que eu estava elegendo outros pais por aí e, em um ato impensado, me colocou “para fora de casa”. Isso mesmo, senhores, uma criança de cinco anos sendo expulsa do próprio lar.

Como castigo, meu pai disse que a partir daquele instante eu iria morar com o pai da coleguinha. Fui para o quarto em prantos achando que o plano dele não iria para frente. Mas foi. Minha mãe tratou de me mandar para a casa da amiguinha a fim de dar sequência ao ensinamento do dia.

Antes de continuar, preciso dizer:

Não tenha raiva do meu pai, caro leitor, ele era ótimo e me deixou de herança histórias excelentes como essa. De falta de assunto eu não morro. Eu tenho um amigo que não tem nenhum “trauma” sequer do passado. Nada! Infância perfeita e sem rasuras. Nossa! Que tédio existencial! Isso, sim, é motivo para fazer terapia.

Seguimos com a minha saga. Apareci na casa da amiguinha com uma mochila nas costas e fui prontamente acolhida por seus pais. Cheguei um pouco triste com a situação, mas tudo se dissipou no primeiro café da manhã com a “nova família”.

Lembro-me nitidamente da cena: “Você gosta de requeijão?”, perguntou a mãe da minha amiguinha. Um novo mundo se abria para mim: eles tinham requeijão com cream cracker à vontade. Iguaria fina para quem só conhecia margarina.

E vou além.

Eles tinham Sucrilhos.

Sucrilhos!

Vocês estão me ouvindo?

Millennials jamais vão saber o que significa Sucrilhos para uma criança dos anos 1980. Era um produto nobre comprado somente por gente de alta patente. “Olhuda” como sempre, achei que eu tinha ganhado na loteria. Nem me lembrava mais da precoce expulsão. Facilmente eu troquei a minha família por um pote de requeijão e uma tigela de Sucrilhos. Eu estava realmente feliz com aquele castigo!

No final da tarde, quando a minha mãe foi me buscar, fui tomada por um sentimento dúbio: de estar animada por voltar ao lar e triste por perder a chance de rever aquele café da manhã de novela.

Na despedida, fiz uma carinha de criança abandonada, e a mãe da coleguinha disse que eu poderia voltar mais vezes. Era isso que eu queria! Eu nunca perco a viagem, meus caros.

Em casa, meu pai se desculpou meio que dando a derradeira lição: “Ninguém, além mim, é o seu pai, entendeu?”. Eu concordei e fui brincar saltitante.

Criança supera rápido.

No lanche da tarde do dia seguinte, já com tudo no passado, eu solto: “Sabia que o pai da minha amiga compra requeijão?”.

Me ferrei de novo!

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