#Reunião8: CPI dos Autos de Resistência: Uso excessivo da força é resultado do estresse policial

Crédito: Thiago Lontra

Durante a oitiva da CPI dos Autos de Resistência, realizada nesta quinta-feira (17/3), psicólogos da Polícia Militar (PM) revelaram que dentre os fatores que levam à letalidade policial está o estresse decorrente das péssimas condições de trabalho. O levantamento desse diagnóstico foi efetivado a partir do Programa Especial de Treinamento e Acompanhamento Psicológico (PETAP) do Núcleo Central de Psicologia da PM. A metodologia utilizada para essa análise levou em consideração os relatos de experiências pessoais e coletivas sobre o abuso da força policial.

De acordo com o Tenente Coronel Psicólogo Fernando Derenusson, o estudo realizado entre 2014 e 2015, procurou unidades com o maior índice de letalidade como o 9º e o 41º Batalhões de Polícia Militar. Segundo o estudo, os fatores que levam ao uso abusivo da força excessiva vão desde a dificuldade na qualificação da formação até o insulto moral ao policial. “O treinamento é criticado pelo curto tempo e a falta de qualificação. As condições de trabalho, desde a precaridade da infraestrutura das UPPs, que impedem que o policial beba água e se alimente de forma adequada, são fatores que refletem na ponta. O Comandante que cobra metas e produtividade também está estressado. O estresse é sistêmico”, afirmou Derenusson ao ressaltar que a ausência de um suporte jurídico também é encarada pelos policiais como um abandono institucional daqueles que tiveram uma ocorrência mal sucedida.

Desvalorização social

A apertada escala de trabalho é identificada como algo que causa transtornos no trabalho diário dos policias. A falta de tempo para o descanso, também por conta da complementação de renda com os bicos, impede a prática de exercícios que se reflete no distanciamento da família. “Se manter saudável é um desafio. Isso é uma das coisas apontados pelos Praças como fatores causadores de estresse”, observou o psicólogo Derenusson.

Os questionamentos institucionais e sociais ao trabalho da polícia também é apontado como um dos fatores desestabilizantes. “Há um sentimento de desvalia, de não ser reconhecido e isso dói muito. Quando se conhece a polícia por dentro sabe-se que eles dão o sangue, e isso não é figurativo. O policial se recente da falta de valorização na sociedade”, afirmou Derenusson ao confirmar que fatores psicossociais também podem agravar o uso excessivo de força pelo policial militar uma vez que sofra insultos e ataques à moral e dignidade.

Policial “guerreiro”

A lógica da guerra e do policial justiceiro também foram temas abordados no encontro. Segundo o psicólogo Derenusson, apesar dessa lógica não estar inscrita na formação dos policiais, essa mentalidade tem um viés histórico e virou até política pública com a gratificação “faroeste”. “Essa ação foi inserida em gratificação financeira para medir a produtividade. Se colocou a ideia de que ser policial é resolver tudo com força letal, fazendo justiça com as próprias mãos. Mas a Corporação está tomando medidas para acabar com esse ethos guerreiro”, observou. Derenusson ressaltou ainda que houve uma deficit na formação dos policiais das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e, por isso, o questionamento da lógica da guerra é pertinente. “Os PMs das UPPs acharam que iriam combater como o Batalhão de Operações Especiais (Bope), virar um rambo, mas perceberam que não era bem assim. Eles estão aprendendo a não se colocar em risco. Observo que há territórios em que o policial se adapta à proximidade e esse policial ‘guerreiro’ não aparece”.

Controle social

Crédito: Thiago Lontra

O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), relator da CPI, sinalizou a importância de o diagnóstico ser capaz de apontar medidas para reduzir a letalidade policial. Isto porque o estudo já está concluindo sua segunda fase em que observou os discursos dos policiais do 14º e 16º Batalhões de Polícia Militar. Além disso, Freixo questionou o impacto da democracia interna na PM. “A ausência de uma ouvidoria interna na PM, de uma cultura de controle social, influenciou o aumento da letalidade?”, perguntou. Derenusson respondeu que esses mecanismos institucionais de controle deveriam ser mais claros e efetivos, mas que o papel de se pensar em uma nova identidade policial não caberia somente à Psicologia. “Já há resultados parciais que apontam a diminuição da letalidade. Mas, uma ouvidoria é necessária em qualquer instituição e sinto falta de uma ouvidoria interna no Estado-Maior. O policial da ponta deveria ter mecanismos de fala que possam ser sistematizadas para a melhoria de suas condições de trabalho”, afirmou Derenusson. Ao final do encontro, o psicólogo PM entregou à CPI cópias do relatório sobre o abuso da força policial organizado pelo Núcleo Central de Psicologia da PM.

Tags:CPI Autos de Resistência, Segurança Pública

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