Januário

Um ser de luz

Robson Felix
Crônicas Urbanas
2 min readSep 10, 2016

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Januário é um cara de hábitos simples. Prefere caminhar, apesar de ter carro. Ele se vangloria de poder andar. Outro dia vendo uma competição paralímpica, ele pensou sobre isso. Foi além. Imaginou seus ancestrais correndo atrás de um mamute de estômago vazio. Quem será que inventou essa coisa de três refeições por dia, refletiu Januário. A linha do tempo evolutiva do homem provava, segundo ele, que sobrevive quem é capaz de passar mais tempo de estômago vazio. O câncer devia ser isso, deduziu. Muita comida desgastando o maquinário humano ao longo do tempo. Aos poucos Januário, foi deixando de comer. Porém, se movimentar continuava sendo o seu esporte favorito. Num desses domingos, Januário correu do Leme até São Conrado. De estômago vazio. O dia estava lindo e Januário energético. Ele precisava gastar aquela energia toda, logo. Seu mapa astral falava em influência de Marte em seu chacra raiz e Januário sabia que não se negocia com Marte. Ou ele gastava aquela energia toda ou ficaria doente, já não bastasse a amigdalite que o acometera mês passado. Certamente era seu corpo se adaptando à uma dieta restritiva de todo. Com o tempo Januário simplesmente parou de comer sólidos. De estômago vazio ele correu do Leme até São Conrado alimentando-se apenas de luz e de água. Januário sentia-se grato por possuir pernas, por estar vivo, por estar consciente. Ele havia aprendido na teoria quântica que tudo no mundo era consciência. Ele acreditava ser apenas e tão somente consciência. Januário fez todo o percurso até São Conradoem uma hora e meia. Voltou caminhando e passou mal, claro. Vomitou toda a água consumida pelo caminho. Por um momento pensou estar enfartando. Mas, respirou fundo e relaxou. Januário estava feliz consigo mesmo e com o mundo. Afinal, ele estava vivo, (aparentemente) saudável e suas pernas o levavam para onde bem entendesse. Definitivamente Januário era um homem feliz, apesar de tudo. A crise econômica, que já durava dois anos, o havia feito crescer, sem endurecer. Januário pegou um saquinho de sal num restaurante qualquer da orla, colocou na palma da mão e lambeu. Logo melhorou um pouco e continuou caminhando até sua casa. De alguma maneira ele havia descoberto uma forma de lidar com o seu corpo, e cada vez precisava de menos alimentos físicos. Januário deitou-se em seu catre, e resolveu jejuar até o dia seguinte. Fechou os olhos e lembrou-se de um artigo que relacionava o jejum à ativação das células tronco, tirando-as do estado latente. Januário esboçou um tímido sorriso em sua máscara austera, antes de literalmente apagar, quando teve uma epifania: morreremos todos de conforto.

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