Brooklyn Nine-Nine: o senso de coletividade como protagonista

Como os personagens de B99 mostram que pessoas completamente diferentes podem se entender e se completar através da comunicação

Sávio Marra
Creative Bee
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5 min readNov 27, 2022

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Brooklyn Nine-Nine (2013) é uma simpática e divertida série, com cenário ambientado numa delegacia de polícia em Nova Iorque, onde os protagonistas são os membros do setor de detetives dessa delegacia. A história se inicia quando esse departamento, que antes era liderado por um capitão completamente relapso, que deixava com que os policiais fizessem suas próprias regras de rotina de trabalho e agissem da forma que preferiam, tem uma mudança no comando, e é assumido pelo Capitão Raymond Holt.

Com a chegada do Capitão Raymond Holt, muitas coisas mudam, pois ele é um policial e gestor muito rígido, que faz com que as coisas na delegacia passem a funcionar de maneira organizada e sob regras. Essas alterações feitas pelo novo capitão, fazem com que os detetives passem a enxergar o trabalho de maneira diferente, precisando se dedicar ainda mais com o que fazem, e inclusive as relações pessoais entre eles mudam, uma vez que passam a necessitar ainda mais da cooperação e apoio uns dos outros.

Juntando as peças para solucionar os casos

O Capitão Raymond Holt, como já mencionado, é extremamente organizado, metódico, culto e sério; em sua equipe conta com a Amy Santiago, que é igualmente organizada e metódica, e passa a se espelhar muito no Capitão, apesar de, por vezes, não conseguir manter uma postura de tanta seriedade; há também o irreverente, quase imaturo e o mais talentoso dos detetives, Jake Peralta; o experiente, vaidoso e com um grande coração mole, Sargento Terry Jeffords; a pragmática e mal-encarada, que finge ter coração duro, Rosa Dias; o inteligente, com alguns problemas de carência e gostos muito exóticos, Charles Boyle; e a debochada e com sérios complexos de superioridade, Gina Linetti. Todos esses personagens, e outros que também são importantes na história, são muito diferentes uns dos outros, mas precisam coexistir e se ajudar em suas diferenças, funcionando quase como uma família.

Em meio à diversidade humana presente na série, uma temática que é muito debatida também, é a representatividade. Em plenos Estados Unidos, país onde as pessoas negras foram segregadas e marginalizadas até a segunda metade do século XX (e ainda são em alguns lugares), na delegacia que é o ambiente da série, os dois líderes são homens negros, o Capitão Holt e o Sargento Jeffords; inclusive, o capitão faz parte da comunidade LGBTQIA+, e o personagem até menciona que demorou a se tornar Capitão pelo fato de ser negro e gay. Na equipe principal há também duas mulheres latinas, Rosa Dias e Amy Santiago; Amy, inclusive, mostra ser a mais eficiente entre os detetives, e é a terceira pessoa a alcançar a liderança na delegacia, se tornando sargento mais tarde. A série não só mostra os obstáculos que são impostos às mulheres, negros, LGBTQIA+ e estrangeiros, como mostra eles vencendo esses obstáculos e ocupando todos os lugares de destaque que são seus por direito.

Os detetives resolvem todos os enigmas com comunicação

Em geral, a série, por mais que seja policial, de comédia e tenha apenas 20 minutos em cada episódio, aborda questões humanas profundas e complexas. Mostra desafios que são comuns e que podem gerar identificação com aqueles que assistem, e mostra também como esses desafios podem ser vencidos ao se admitir que eles existem e nos afetam, mas também, em muitas vezes, como precisamos do apoio de nossos semelhantes nesse percurso. Paulo Freire diz:

“O mundo humano é, desta forma, um mundo de comunicação. Corpo consciente (consciência intencionada ao mundo, à realidade), o homem atua, pensa e fala sôbre esta realidade, que é a mediação entre êle e outros homens, que também atuam, pensam e falam.” [FREIRE, 1985, p. 44]

Foi com a ajuda do Jake Peralta que a Rosa Dias decidiu assumir para os pais conservadores que é bissexual; foi conversando com os amigos que o Terry, que no início não fazia missões de campo, retoma a coragem para isso e para se explicar à esposa, que até então não o queria fazendo essas missões por sua segurança; é dessa forma também, encorajado pelos amigos, que o Boyle supera a ex-eposa; que a Amy Santiago, que antes odiava o Jake Peralta, entende que é apaixonada por ele e, mais tarde, quando os dois já estavam juntos, ele chega à conclusão de que quer ter filhos com ela, pois até então se enganava acreditando que não queria, mas muda isso após desabafar sobre traumas da infância.

Em Brooklyn Nine-Nine, um aspecto muito ressaltado é o do poder da coletividade e da comunicação. É mostrado como os humanos precisam contar uns com as outros em diversas situações e que, por vezes, as pessoas sofrem sem conseguir resolver uma certa questão, mas ao se comunicar com alguém, relatar o que está pensando e ouvir o que a pessoa também pensa, a solução pode ser alcançada. Até mesmo o já citado algumas vezes nesse texto, Capitão Raymond Holt, que é rígido, autoritário e muda a organização da delegacia, aprende muito e cria uma relação de afeto na interação com seus subordinados, que o fazem enxergar diversas perspectivas diferentes, principalmente se tratando de Jake Peralta, que é o seu perfeito oposto, brincalhão e pouco culto, mas que passa a ser como um filho pro capitão, e o faz aprender muito. Um aprendizado que gera resultados, que faz com que os sujeitos envolvidos absorvam conhecimento, precisa passar pelo processo onde o líder, o professor, o educador, aprende também com seus educandos e recebe deles conhecimento através de suas experiências (FREIRE, 1985).

Em resumo, a série mostra que, seja através de relações de liderança e hierarquia, de desavenças no ambiente profissional, de dificuldades para solucionar “pepinos” do trabalho, seja resolvendo questões da vida pessoal ou até mesmo se auto-conhecimento em diferentes aspectos, as ideias evoluem, principalmente quando existe a troca de significados entre dois ou mais sujeitos. Já que “não há, realmente, pensamento isolado, na medida em que não há homem isolado.” (FREIRE, 1985, p.44).

Referências

FREIRE, Paulo. EXTENSÃO OU COMUNICAÇÃO. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

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Sávio Marra
Creative Bee

Quase publicitário, apaixonado por redação, planejamento estratégico, business intelligence e neuromarketing