A Experiência Digital é para todos?

Safira Dib
Creditas Academy
Published in
5 min readSep 28, 2020

Nos últimos trinta anos vivemos mais evoluções e avanços tecnológicos do que no último século por inteiro. Em meio a tanto, alguns vivem em um mar de informações diário e um verdadeiro bombardeamento de conteúdos no mundo digital. Com a pandemia causada pelo novo coronavírus, a pauta sobre aprendizagem digital ganhou mais holofotes e discussões sobre suas capacidades, alcances e desafios. Mas além de tudo isso, abriram-se oportunidades para que se percebessem os maiores benefícios desse processo.

O desafio é que esse verdadeiro turbilhão de informações pode significar exatamente a desinformação, as famosas fake news são um reflexo disso, por exemplo. Por isso mesmo, na aprendizagem digital, a curadoria de informações e de conhecimento ganha um espaço pontualmente importante e que representa uma das maiores provocações nessa dinâmica. Além da preocupação e cuidado sobre a informação em si, somos visitados por ofertas super fartas de conteúdos, cursos e oportunidades em que a escolha para o consumo se torna um labirinto, muitas vezes, de saída impossível ou bem desgastante.

Possibilidades do Aprendizado Digital

Uma série de questões nos perseguem aqui: quais os indicativos que norteiam nosso consumo de informações e, mais do que isso, que perguntas precisamos achar, antes das respostas, nesse universo da informação. Há muitas outras, mas uma das que mais gosto é a seguinte: em meio a tantas cobranças do modelo em que estamos inseridos, como nos libertamos das amarras tão convencionais do utilitarismo? O utilitarismo é a premissa de que tudo o que se aprende e se consome deve ter um objetivo muito visível a ser aplicado — fazer algo pautado pela utilidade de aplicação. É quando a gente questiona ainda no ensino médio o motivo de se aprender vetores se nunca mais vai usar isso na vida. O aprendizado digital é um belo convite para entender que nem tudo do que se aprende tem algum fim específico e muito prático determinado — é uma desconstrução à ditadura do propósito, mas que, ao mesmo tempo, honra aqueles conteúdos que precisamos invariavelmente consumir.

Aqui vai um exemplo: no início da quarentena, decidi fazer um curso que se desencaixasse com o meu trabalho ou com minhas áreas de estudos de forma geral. Fiz um mergulho incrível sobre Hamlet e aprendi verdadeiros mistérios. Qual a utilidade desse conhecimento ou de que forma aplico isso no meu dia a dia? Não aplico. Mas entendi de bem perto a genialidade de Shakespeare e tudo o que o livro representa, desde contexto histórico, simbologias e marcos do mundo teatral sentidos até hoje — além de reflexões internas muito potentes! Há utilidades escondidas em todas as experiências.

É preciso saber que os processos de aprendizado nos visitam de diversas formas. Na verdade, tudo que se aprende é útil de alguma maneira, em alguma etapa ou experiência de vida que ainda não nos foi desvendada. Nos falta viver um processo chamado de Infancialização, em que nos colocamos como crianças aprendendo com tudo e todos em nossos universos infinitos. Um ser em constante aprendizado, que tira conhecimento em relação de igualdade com seu meio. Além da curiosidade e percepção de que existe conhecimento em tantas coloquialidades. A era da informação pode ser um impulso para esse despertar, para estabelecer poli diálogos e potencializar habilidades em fontes tão diversas ou surpreendentes — ou seja, para (re)vivermos a condição de infância quando adultos em tantos meios que visitamos. Essa é uma grande possibilidade do aprendizado digital.

Os maiores desafios da educação digital

Há um grande problema, entretanto: esse processo bem bonito não é acessível para todos. A educação presencial em si já nos revela muito sobre o acesso de classes em seu formato presencial, e no digital isso não muda muito. O acesso à internet no Brasil é bastante limitado e nessa construção, apenas 13% das pessoas pertencentes às classes D e E têm computadores em casa. Esse certamente é o desafio mais gritante do aprendizado digital — ele acaba deixando de fora parcelas expressivas da população. Mas ao mesmo tempo, consegue concorrer com preços mais atrativos do que universidades tradicionais, e com horários mais flexíveis, que possibilitam que classes menos favorecidas da pirâmide social encontrem algumas alternativas. Além disso, se pode aprender (muito) com as redes sociais e o YouTube, em grandes porções de conteúdos gratuitos, o que representa oportunidades para algumas camadas, mas ainda marginaliza aquelas que não possuem acessos dos mais variados tipos.

A própria curadoria da informação e a condição autodidata são privilégios propriamente ditos. Não somos programados, em nossos modelos educacionais, a sermos autônomos no aprendizado, fica a condição de que precisamos sempre de um mediador do conhecimento, porque aprendemos que aprender é absorver conteúdos e tomar aquilo como regras. Isso também ganha ênfase no passeio entre as classes sociais: com mais e menos acessos, o consumo autônomo ao conhecimento é apresentado e direcionado a alguns muito antes na vida, com facilidades já estabelecidas. É mais provável que uma pessoa que tenha computador em casa desde que nasceu, com smartphones desde o começo da adolescência consiga tem mais familiaridade com o meio da aprendizagem digital e a navegação de conteúdos — esse ser digital, muito bem estimulado em seu meio, habita com dominação e marca as diferenças latentes da acessibilidade.

Acessos e Conexões

Até mesmo a conexão com o aprendizado é uma condição privilegiada, que aos que ocupam esses lugares muitas vezes custa o entender disso tudo. As discussões mudam muito sobre aprendizagem digital nesses âmbitos. Para os que têm acesso, levantamos questões do tipo: como manter as pessoas realmente engajadas nos conteúdos, ou como traçar pelo virtual algum tipo de relação entre professor e estudante, até mesmo revisitando o papel do educador em sala. Nos preocupamos com a falta da experiência coletiva e a ausência que as câmeras desligadas parecem trazer. Mas deslocando esse contexto para às margens da sociedade, as questões são pulsantemente outras. Por isso é difícil falar globalmente sobre os benefícios e desafios dos avanços tecnológicos na educação, encontramos diferenças muito cruciais nesses fatores quando encaixamos realidades do Brasil e do mundo.

A aprendizagem digital percorre alguns caminhos de aprofundamento das desigualdades, enquanto também provoca alguns abalos a suas barreiras estruturais. É nesse sentido que precisamos desconstruir a generalização da educação digital. Precisamos de propostas que personalizem soluções e destinos, adequando os públicos. Não estamos no mesmo barco quando falamos de acesso. A tecnologia é um dos instrumentos para que se chegue a espaços mais igualitários, resta que pensemos nas oportunidades a serem evidenciadas e possibilidades a serem despertadas.

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