Gamificação no desenvolvimento: o chefão, o tesouro e a princesa
A primeira fase
A palavra gamificação já vem carregada de muitas significações e lembranças. Ela pode ser a queimada que jogávamos na escola, paciência com cartas do Windows 90 e poucos, o jogo de cartas Uno, que trapaceamos com os amigos inventando novas regras, ou qualquer outra memória de jogos que tenham passado por nossas vidas. Algumas memórias são realmente distantes e aconteceram já há bastante tempo, mas a verdade é que a gamificação não sai do nosso dia a dia. E, pensando no mundo digital que estamos cada vez mais sendo inseridas, parece que ela realmente veio para ficar.
A gamificação, também chamada de ludificação, é a utilização de recursos ou métodos de jogos utilizando-os em outros contextos esperando causar sensações parecidas às que os jogos causam. Daria para ficar horas enumerando as sensações, sentimentos e situações que os jogos nos fazem sentir e passar.
Me lembro de jogar Carmen Sandiego, no MS-DOS, um jogo com mapas, contação de histórias e pistas para encontrar a ladra mais procurada do mundo. Neste jogo eu era uma detetive e tinha que estudar na enciclopédia de livros que tinha em casa sobre as dicas a respeito da vegetação, arquitetura e história do lugar em que Carmen foi vista pela última vez. Eu tinha apenas 12 anos, e era neste momento de protagonista e investigadora da polícia que eu me sentia esperta e muito inteligente ao conseguir encontrá-la. E, divagando, não era um lugar real onde eu poderia estar, muito menos era o lugar social que na vida adulta eu iria ou fui parar. Hoje, não sou uma detetive, mas o interessante era experimentar falhar, vencer, me frustrar, tentar de novo, desistir e muitas outras sensações que uma situação real ou imaginária pode nos colocar.
O nosso desenvolvimento da infância até a vida adulta tem muita gamificação e, chego a pensar que, muitos aprendizados teriam custado mais caro sem essa capacidade de tornar a vida lúdica. Voltando às sensações que Carmen, nossa procurada ladra, foi capaz de causar em uma criança de 12 anos, vamos para a primeira sensação: falhar. Poder experimentar a falha enquanto ela é apenas uma fantasia, é utilizar um raio amenizador (nossa, entrei mesmo na gamificação) no crescimento de um ser humano, é poder testar este sentimento, sem que ele carregue um fardo. E nós, como pessoas adultas, sabemos o quanto precisamos desaprender muitas coisas, e uma delas é saber lidar com a nossa capacidade de falhar.
Ainda divagando nas sensações, temos o vencer. Que ideal seria vencer e receber reconhecimento na vida real da mesma maneira que acontece nos jogos! É uma sensação gostosa, que libera serotonina e traz muitos benefícios físicos além dos psicológicos. Mesmo que este vencer não seja real, ele é outra fantasia da possibilidade de obter algo. Jogar The Sims, por exemplo, faz com que você consiga comprar um sofá de três mil simoleons (a moeda do jogo) e se você achar que não combina com a sua decoração, é só vender de volta ao próprio jogo e continuar gastando. Ah, que delícia ser milionária por uma hora!
Na verdade, o brincar é tão saudável na vida adulta quanto na infância. Atualmente, temos muito mais consciência do que é ser humano e ter responsabilidade — o que torna o brincar mais desafiador — mas, ainda é uma atividade muito presente em nossas vidas.
As moedas pelo caminho
O que eu ganho com isso?
Respondendo a esta pergunta, na maioria das vezes, o que você ganha em um jogo digital (se for uma pessoa vencedora) é só satisfação. Se pensar que mesmo assim ainda é gostoso jogar, é porque (talvez) a satisfação esteja em falta no mercado. Brincadeiras à parte, esta é uma ótima pergunta para se fazer quando alguém chega para você e diz que “você deveria gamificar mais as interações com o seu time”, “o treinamento da sua empresa poderia ter mais gamificação”, “as reuniões do dia a dia poderiam ser mais divertidas se tivessem jogos”. É evidente que a vida poderia ser mais divertida, mas infelizmente, isso não está ao nosso alcance. Todavia, temos a gamificação como recurso de apoio na abstração.
Há muitas opiniões divergentes a respeito da gamificação no ambiente de trabalho e na educação. Alguns recursos podem ser realmente um pouco preocupantes ou duvidosos quanto aos efeitos que podem ser causados. Por exemplo: a recompensa e a competição. Será que precisamos mesmo que os aprendentes ou liderados estejam nesta posição de competição entre eles? Não tenho a resposta e não quero ser tendenciosa, mas seria melhor trazer momentos um pouco mais tranquilos e descontraídos, ao invés de fazer com que algumas pessoas se sintam mal por não conseguirem vencer. Mas, isso não quer dizer que a gamificação em si é um recurso ruim. É super possível trazer recursos de jogos e brincadeiras, que façam com que todas as pessoas participem, aprendam, se divirtam, descontraiam e absorvam o conteúdo ali disposto.
O caminho até o tesouro
Às vezes tenho a impressão de que o termo gamificação causa pânico, porque ele parece ser o momento que todas as pessoas vão dar as mãos e vão brincar de roda. Não que esta atividade não seja possível e interessante, mas que ela é só uma das lembranças mais primitivas que temos do brincar, e o ato de se divertir jogando pode ser muito mais elaborado que isso. Vamos divagar um pouco sobre a possibilidade de ganhar com a gamificação (agora só quero ganhar, isso está mexendo com a minha cabeça).
Cooperação
Se você propuser atividades em grupo, você está utilizando um recurso da gamificação: a cooperação. Assim, pode-se explorar a generosidade, liderança, o apoio, a colaboração e a contribuição em uma proposição simples de apresentar algum assunto em um grupo composto por cinco pessoas, por exemplo. Nada mais é preciso, e muito se pode ganhar com isso.
Storytelling
Outro recurso é a contação de história, que não é só utilizada em jogos, mas é uma artimanha bastante usada para criar um suspense, ou te fazer entrar no mundo da fantasia, se sentindo a própria heroína salvadora. Quando você incentiva a contação de história em uma atividade em grupo está trazendo uma possibilidade de desenvolvimento imperceptível ao aprendente, pois é ouvindo histórias que aprendemos a contá-las. Este aprendizado vai ser importante para quando ele for apresentar um assunto no trabalho, defender uma tese na universidade, mostrar um novo produto para a liderança, montar um treinamento para a equipe e muito mais.
Interatividade
Chega de aula expositiva e assistir palestra de assuntos extremamente importantes para o desenvolvimento! A interação é o recurso chave da gamificação e é com ela que você coloca a pessoa expectadora como protagonista da atividade. Não será possível a distração, porque a qualquer momento esta pessoa vai ter que participar e interagir; ela vai precisar prestar atenção no evento que está acontecendo, senão não saberá o que dizer ou as instruções de como a atividade funciona; e por último, mas não menos importante, ela vai precisar se expor, dar opiniões e se colocar vulnerável.
Tomadas de decisões
Me lembro do Pac-Man, quantas péssimas decisões eu tomei. Neste jogo não tem café com leite. Se for exposta uma atividade em que é preciso tomar decisões para que ela aconteça, a sua gamificação já está funcionando. A vulnerabilidade vai aparecer bastante durante a aplicação deste recurso e vai fazer com que as opiniões e divergências venham à tona, o que torna o desenvolvimento imperceptível, porém em constante acontecimento.
Níveis de dificuldade
Eu disse que não daria a minha opinião, mas esta é a minha favorita. Porque é exatamente neste ponto que nos damos conta do quanto a gamificação está presente no processo de desenvolvimento. Não sei dizer quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha, mas que é evidente que a educação bebe da gamificação e vice-versa, desafio alguém a dizer que não (fui tomada pela gamificação, alguém me salve).
A elaboração de uma aula, uma trilha de desenvolvimento ou um treinamento técnico se pautam principalmente no nível de dificuldade. Primeiro se introduz um conceito, depois as complexidades e partes técnicas a serem aprendidas e, por fim, a conclusão com a chegada a um determinado lugar. Não vou citar aqui quando o Super Mario finalmente salva a princesa, porque as princesas sabem se virar sozinhas e, cá entre nós, já nem temos tantas princesas assim no mundo.
Feedback rápido e contínuo
Este é um recurso que as pessoas que ensinam podem beber bastante da gamificação. Você tem um jogo de perguntas e respostas, erra a resposta e recebe o feedback no exato momento. E, isso não para por aí, vai acontecer o jogo inteiro e em algumas ocasiões o jogo vai ter sonorizações que vão ser cínicas e basicamente rir de você. Pronto, já podemos desenvolver mais uma coisa importante, poder errar e rir de si mesmo.
O feedback constante, na educação formal, ainda é um grande tabu e traz muitas frustrações ao aprendente. Mas, é possível tornar este recurso algo que impulsione e, de fato, dê respostas ágeis a quem está em processo de aprendizado.
Poderia citar muitos métodos que a gamificação pode trazer ao desenvolvimento, mas tinha mais o intuito de fazer reconhecer o que já é muito utilizado e talvez tenha passado despercebido.
A linha de chegada
É neste momento que podemos retomar o assunto do nosso título: o chefão, o tesouro e a princesa.
Em todo processo gamificado vai ter um chefão, naquele momento que você não sabe a resposta, ou dá uma opinião que ninguém concorda ou precisa vencer a própria timidez e abrir o microfone pra comentar o que está sendo apresentado. É aí que você vence o chefão e se desafia, passa por um obstáculo, se coloca vulnerável e entende a fortaleza de suas sabedorias.
O tesouro, este aí é polêmico! Porque a minha resposta pode te desanimar, afinal você não vai levar uma recompensa material para casa, mas vai ter passado por um momento diferente, se divertido, aprendido algo novo, conhecido uma nova maneira de jogar, uma nova dinâmica com o seu time. Enfim, você vai ter entrado em contato com coisas que indiretamente estão te trazendo aprendizado. Este é o seu tesouro.
Agora, a princesa. A princesa é você, ou o super herói, ou a detetive que pega a Carmen Sandiego, ou o Pac-Man que consegue dar um fim no fantasma. Se exercite em tornar a vida um pouco mais lúdica, prometo que você vai se divertir muito mais.
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