Não há nada o que se descobrir, você é boa mesmo!
Sabe quando você conquista coisas incríveis na sua carreira e na sua vida em geral e aí você pensa:
"Ah, muito legal e tudo mais, só que eu enganei todo mundo porque na verdade eu sou uma fraude!"
É assim que começa o vídeo da JoutJout de 2017, intitulado “Para você que é uma fraude”. Eu lembro exatamente da sensação de pertencimento que tive ao assistir e de gritar um sonoro: “EU TAMBÉM”.
A compatibilidade de vulnerabilidade foi instantânea! Afinal, atribuir o sucesso a fatores externos como sorte, benção ou simplesmente ao acaso, era pensamento comum. Porém, foi a primeira vez que o vi sair das sombras do anonimato para ganhar um nome: Síndrome da Impostora.
Sentir-se literalmente uma fraude e nutrir esse medo meio irracional de ser descoberta ou exposta por tudo que você “não sabe” é um dos algozes mais cruéis que a Síndrome da Impostora impõe ao nosso cotidiano de pensamento. Que, aliás, é bem destrutivo por si só e pode tornar-se quase uma síntese-vilã do overthinking (pensar demais) causado por essa tensão constante do fracasso e não merecimento.
Apesar do sentimento de solidão, quando estamos vivenciando nossos espectros de autoquestionamento e rígidas autoavaliações, esse pensamento já transitou em pelo menos 70% das pessoas ao menos uma vez na vida, de acordo com a Universidade Dominicana da Califórnia.
Foi compartilhando entre amigas, colegas e parceiras de trabalho que comecei a notar o quão comum e de passagem livre é esse pensamento. O quão permitido ele é em nós mesmas e, principalmente, o quanto não falamos sobre isso umas com as outras. Ser um pensamento majoritariamente internalizado por mulheres não é um privilégio do meu ciclo de conhecidas.
O termo nasceu, aliás, de um estudo realizado em 1978 por Pauline Clance e Suzanne Imes pela Georgia State University, a partir da autodeclaração de algumas pacientes que participaram da pesquisa. O estudo analisou mais de 150 mulheres cisgênero bem-sucedidas entre estudantes, profissionais e PhDs de diversas áreas, majoritariamente brancas, de classe média-alta, entre 20 e 45 anos.
Outro estudo de 1976, de Kay Deaux, aponta que as mulheres costumam ter menores expectativas sobre o bom desempenho de suas capacidades se comparadas aos homens. Em geral, elas atribuem seu sucesso a causas temporárias, como sorte, enquanto os homens atribuem seu sucesso a fatores internos, como habilidade. Por outro lado, as mulheres atribuem o fracasso à falta de habilidade, enquanto eles atribuem à falta de sorte ou nível de dificuldade da tarefa. Clance e Imes relatam esse padrão de baixas expectativas em seu estudo e se surpreendem que, mesmo com repetidos episódios de sucesso, é difícil para as participantes quebrarem o padrão cíclico do Fenômeno da Impostora.
E é nesse contexto, dentre tantos outros recortes, que nós mulheres carregamos no individual uma conta tão consumida e construída no coletivo. O rio da história que nos atribuiu a obrigação de perfeição é o mesmo que desemboca em seus afluentes na síndrome da impostora.
Te convido a se questionar sobre onde está esse referencial de profissional-mulher-mãe-esposa-irmã-filha, ou qualquer outro papel de pertencimento, que te faz almejar a inteireza de ausência de erros.
Será que a Santa Maria do mundo corporativo tem realmente os privilégios da perfeição?
Não sei você, mas a minha “Imaculada” está no sofá com uma panela de brigadeiro pensando se é tarde o suficiente para lavar o cabelo e terminar aquela dissertação, enquanto paralelamente faz a lista de supermercado e é interrompida pela roupa que esqueceu na máquina de lavar.
O sofrimento interno da busca da perfeição não gera só insegurança no cotidiano de entregas de trabalho, mas desembarga em sintomas somáticos físicos e psicológicos como ansiedade, dor nas costas, enxaquecas, depressão e o que eu chamo atrevidamente de “Wase Eterno”, que é o ajuste tão constante e insistente de rota que nunca nos faz chegar ao destino final.
Apesar da síndrome da impostora não ser reconhecida nos manuais de diagnóstico, as pessoas que possuem esse padrão de pensamento têm um intenso sofrimento, ficando divididas em dois modelos mentais: ou trabalhando demais para super compensar o não-saber inalcançável ou trabalhando de menos, procrastinando tarefas e entregas com medo do fracasso e do julgamento sequente. É comum também as pessoas faltarem a compromissos ou se atrasarem, colocando assim nos padrões externos, a sua performance.
O julgamento é um dos maiores pesos nesse chapéu de ideação. Como já nos cobramos em demasia, a crítica do outro nunca soma-se sozinha nessa balança. Sendo nossa carga mental, muitas vezes, a maior responsável por esse fardo.
A comparação feminina — tão estimulada ao longo das narrativas históricas — é cada vez mais atualizada com o uso das redes sociais. Partindo de um olhar injusto consigo mesma, que avalia a partir do seu fracasso versus o sucesso aparente do outro.
Se você já se questionou sobre o porquê você acha fulana tão incrível, por determinada característica que vista em você não é tão legal assim, esta é sua impostora em ação. De corpos a projetos de engenharia, estamos todas nos auto sabotando em escala e atribuindo, no final do dia, ao raso comercial motivacional do “você pode fazer melhor”. O perfeccionismo, irmão inseparável da síndrome da impostora, faz com que o nosso sucesso seja questionado e as conquistas desvalorizadas ou colocadas no campo do “não fez mais do que a sua obrigação”.
Respirando fundo e reconhecendo-se. E agora, tem tratamento?
Sim, tem tratamento: psicoterapia.
Seja em um contexto individual ou em grupo, a psicoterapia vem se mostrando uma forte aliada nesse processo de acolhimento e auto-observação. A psicoterapia, importante lembrar, é um processo. E nesse processo você terá a oportunidade de trabalhar essas distorções de pensamento e, consequentemente, ter uma diminuição dessa sensação de fraude — exercitando o equilíbrio justo entre potências e limitações.
Outra sugestão de aprendizagem é trabalhar com micro entregas desenhadas em metas menores. Além de roteirizar melhor cada etapa, podemos ganhar potência nesse trajeto, nos permitindo comemorar os pequenos grandes passos. Reconhecendo avanços e eficiência em cada etapa.
É importante também, acolher-se sem demora, nutrindo um olhar menos danoso e com mais afeto e generosidade sobre si.
Olhar esse, que fomos tão bem treinadas em ofertar ao outro, e carecemos de exercitar em nós mesmas. A auto-observação gentil pode também identificar um comportamento cíclico de autossabotagem. Reconhecer a raiz de onde surgem esses pensamentos é parte fundamental para a forma como você poderá lidar com eles.
Que possamos aprender a nos celebrar. A nos abraçar!
Tente não ser tão rigorosa com você, estamos todas tentando. Mesmo! Esse é o nosso segredo, não ter segredo nenhum.
Não há nada o que se descobrir, você é boa mesmo!
(um abraço quentinho)