Expandindo a visão de problemas do seu time

Um framework para melhorar o entendimento de cenários complexos

Henrique Waldemarin Ioneda
Creditas Tech
9 min readJul 7, 2021

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Diagrama resultante do processo explicado no artigo

Introdução

Todos os times têm problemas, dores e pontos de melhoria. A forma como as pessoas lidam com o que incomoda influencia muito nos sucessos ou falhas da jornada rumo à excelência. Imaginemos dois cenários:

Cenário A: Membros do time enxergam problemas no dia a dia e tentam resolvê-los. Porém, por não entenderem impactos e causas dos problemas, não criam iniciativas embasadas, fazendo com que, tentativa após tentativa, nada mude. Talvez até mesmo o efeito contrário aconteça: os desafios antigos pioram e novos aparecem. O sentimento de que existem problemas em excesso e que o ambiente é caótico aumenta e gera frustração. Talvez as pessoas estejam mais tirando água do barco do que tapando os buracos no casco.

Cenário B: Membros do time enxergam problemas no dia a dia e tentam resolvê-los. Diferentemente do cenário A, a dinâmica é outra. São criadas iniciativas com começo, meio e fim. O propósito e objetivo delas está claro e facilita adaptação com novos aprendizados. Todos do time estão comprometidos com os planos e sabem se estão avançando rumo à resolução de seus problemas, um a um, em ordem de importância. Problemas antigos geram aprendizados, são resolvidos e são substituídos por problemas novos e mais interessantes.

Uma vez no problemático cenário A, como é possível chegar no desejado cenário B? Como identificar oportunidades, definir prioridades de evolução e implementar iniciativas eficazes?

Neste artigo, vou compartilhar minha experiência em caminhar nessa direção e falarei sobre complexidade, análise de impacto, análise de causa raiz, priorização e planos de ação. Em cada passo do processo, investi tempo em refletir, pesquisar e explicar, gerando artefatos, do que estava acontecendo. O resultado disso é o framework a seguir.

Complexidade

Times são sistemas complexos¹ e é difícil identificar com precisão quais problemas existem e a correlação entre eles. Como saber o que é sintoma e o que é causa? Como saber se, ao promover uma mudança, o resultado desejado será alcançado? Para a segunda pergunta, na verdade, é até provável que existam muitos efeitos inesperados.

In a complex environment, even small decisions can have surprising effects.
- Learning to live with complexity — HBR

É realmente desafiador gerenciar esses pontos na hora de criar um bom plano de melhoria para um time. As pessoas naturalmente têm pouca clareza do ambiente geral ao qual estão inseridas, podendo inclusive estar perdidas com a quantidade de problemas ilusoriamente desconexos. O risco é grande de que iniciativas falhem por diversos motivos, como falta de acompanhamento, falta de engajamento ou falta de eficácia. É o resultado esperado, visto que não se sabe de verdade onde se quer chegar.

Dessa forma, há propensão para que, após falhas consecutivas, as pessoas fiquem frustradas e desenvolvam o desamparo aprendido², um grande inimigo da inovação.

Visando evitar isso, é essencial que, antes de qualquer ação, seja feito um estudo criterioso e consolidado do cenário existente, usando diversas técnicas de apoio. Os principais objetivos devem ser: ouvir pessoas, encontrar novos problemas, perceber conexões entre eles e exercitar relações de causa e efeito.

O mapa — diagnóstico

Uma boa forma de alcançar um bom entendimento de contexto é um mapa de problemas, dores ou desafios. Para ajudar a preenchê-lo e levantar itens, existem diversas ferramentas muito boas: brainstormings³, 1–1s⁴, retrospectivas⁵ e pesquisas.

Everyone in a complex system has a slightly different interpretation. The more interpretations we gather, the easier it becomes to gain a sense of the whole.
- Margaret J. Wheatley

Durante a construção do mapa, é imprescindível que sejam feitas duas análises, durante e/ou depois: de impacto e de causa raiz. Para ilustrar esse processo, vamos seguir um exemplo.

Análise de impacto

Imaginemos que uma pessoa, membro de um time, ao ser indagada sobre “Qual é a principal dor que você sente hoje?”, responda:

Isso por si só já é um problema mapeado. Entretanto, é um problema isolado e não conseguimos ver os impactos dele no contexto maior. Raramente o objetivo de um time é “fazer Code Review”. Precisamos entender os impactos estratégicos disso. Para aprofundar o entendimento, podemos fazer as seguintes perguntas:

Por que isso é um problema?

Qual impacto disso para dentro e para fora do time?

Por que deveríamos nos preocupar com isso?

Com as respostas, nosso exemplo pode evoluir para:

Ou seja, “Não fazemos Code Review” causa os problemas “Baixa qualidade de entrega” e “Aprendemos pouco com os colegas”. Esses pontos encaixam melhor em um contexto maior, e podemos repetir o processo para dar mais um passo:

Ou seja, “Baixa qualidade de entrega” gera “Clientes insatisfeitos” e “Aprendemos pouco com os colegas” gera “Pessoas desmotivadas”.

Os dois novos itens são mais estratégicos e o impacto deles começa a ser sentido em mais níveis organizacionais. Conforme seguimos com a análise de impacto e encontramos novos itens, esse efeito vai aumentando.

Pelo que percebi, as pessoas tendem a sentir e falar mais dos problemas à esquerda, que são mais táticos, pois estão mais presentes do dia a dia. Eles estão mais próximos das atividades concretas. Por isso esse exercício é importante: gerar novos insights e enriquecer a análise com pontos estratégicos, potencialmente longe do campo de visão cotidiano.

Priorização

Com a análise de impacto feita, teremos uma ideia de quais itens estratégicos existem. Com isso, é possível priorizar qual deles é o mais impactante e deve ser resolvido primeiro.

É importante lembrar que, por estarmos lidando com contextos sociais complexos, o mapeamento que estamos construindo é um modelo reducionista⁶. Isso significa que é uma representação (bastante) simplificada da realidade, não contemplando e nem explicando todos os problemas. Isso não significa que não seja útil em proporcionar clareza e alinhamento.

Existem diversas ferramentas para auxiliar na priorização: diagrama bullseye⁷, matriz de decisão⁸, matriz esforço X valor⁹.

Com os principais (se possível, apenas um) problemas estratégicos priorizados, podemos aprofundar o estudo de outra forma: expandir para o lado contrário, o tático.

Análise de causa raíz

Como podemos resolver um problema alto nível como "Pessoas desmotivadas"? Prontamente, não é trivial criar ações eficazes. É necessário entender como esse problema se desdobra. Além disso, é importante considerar a opinião e experiência das pessoas envolvidas.

Um bom método para o exercício de causa raiz é o 5 Whys¹⁰, no qual, repetidamente, faz-se a pergunta:

“Por que esse problema acontece?”

ou “O que causa esse problema?”

No exemplo, as respostas fazem o seguinte movimento:

A partir do cenário inicial, ao refletir sobre por que “Não fazemos Code Review”, é possível chegar em “Pessoas não gostam de conflitos” e “Ferramenta de controle de versão ruim”. Ou seja, essas são as causas raízes. É sempre possível ir além no questionamento, porém vai do bom senso entender se é suficiente ou não.

É interessante fazer o exercício para cada nó (como se fosse uma busca em profundidade, da teoria dos grafos). Dessa forma, maximizamos o número de causas do problema em questão. Por exemplo, podemos ter um item novo:

Ou seja, “Não temos grupo de estudo” é uma outra causa de “Aprendemos pouco com os colegas”, que por sua vez é causa de “Pessoas desmotivadas. Por inferência, podemos concluir que “Não temos grupo de estudo” gera “Pessoas desmotivadas”. Lembrando que esse é apenas um exemplo, e não significa que isso seja verdade na maioria dos cenários.

Nesse exemplo, “Não temos grupo de estudo” pode ser uma forma muito mais eficaz de resolver “Pessoas desmotivadas” em comparação a “Ferramenta de controle de versão ruim”.

Sem o estudo anterior, uma pessoa poderia equivocadamente resolver “Não fazemos Code Review” sem entender como isso está relacionado com outras questões. Sem essa visão holística, é difícil gerar resultados consistentes. Por exemplo, como responder às seguintes perguntas?

Qual problema queremos resolver com “Não fazemos Code Review”?
Qual a prioridade desse problema para o time/organização?
Como medir progresso do impacto gerado com uma iniciativa?
Como saber se resolvemos o problema real?
Será que essa é a melhor forma de resolver um problema latente?

O mapeamento que fizemos ajuda a responder a todas as questões. Saber qual item estratégico é prioridade e quais questões táticas estão relacionadas a ele traz clareza sobre como agir. Ou seja, definindo “Pessoas desmotivadas” como uma prioridade, podemos achar as melhores iniciativas para atacar isso. Podemos definir indicadores e métricas (quantitativas e/ou qualitativas) para saber se os planos de ação estão dando certo e saber quando o objetivo for alcançado. Haverá um propósito claro de que ao criar um grupo de estudo, estaremos gerando motivação nas pessoas. Isso permite, também, adaptação das iniciativas ao longo do caminho, sempre com o horizonte na resolução do problema “Pessoas desmotivadas”.

O Framework

O exemplo que vimos até agora é apenas um pedaço de um cenário maior. Quanto mais conseguirmos expandir nossa visão, melhor. Dessa forma, o estudo resultará em um mapa mais parecido com isso:

Cada bolinha representa um problema, dor, desafio. Em preto, estão representados os itens conhecidos pelas pessoas e, em cinza, os desconhecidos. Cada problema é, ao mesmo tempo, causa e efeito de outros. Quanto mais para cima na escala, mais estratégico e mais impactante é o item em questão. Em contraste, itens mais para baixo são mais táticos, e mais próximos do dia a dia.

A análise de impacto que apresentei anteriormente faz o movimento azul, ao entender os impactos de cada um dos itens, relacionando-os com questões cada vez mais estratégicas:

Análise de impacto

A análise de causa raiz faz o movimento vermelho, ao entender as causas de cada um dos itens, relacionando-os com questões cada vez mais táticas:

Análise de causa raiz

O mapa resultado proporcionará um relacionamento claro sobre quais questões táticas estão gerando determinadas questões estratégicas:

Bolinhas em vermelho causam bolinhas em azul.

Deliberadamente deixei alguns itens ainda desconhecidos (cinzas), visto eles que sempre existirão e nunca conseguiremos mapear o cenário real completo.

Depois disso, é uma questão de priorizar os itens azuis, priorizar os itens vermelhos e apoiar as pessoas, com planejamento (escopo, timing, indicadores, comunicação), para que possam atacá-los, seja em projetos ou no dia a dia.

Conclusão

Durante minha escrita, falei sobre ter clareza diversas vezes. Na minha opinião, isso resolve muitos problemas e é um dos pontos que mais faltam no dia a dia da área de tecnologia.

Reforço também que esse é um exercício para entender um contexto social e complexo, tornando-o limitado. Mesmo assim, vejo que é de grande ajuda na hora de traçar planos para o futuro. Um plano mínimo ajuda muito na adaptação quando o dia a dia acontecer e tudo precisar mudar. Sem isso, seria delegar o rumo de pessoas e times ao acaso e esperar pelo melhor. Podemos e devemos ativamente buscar o melhor!

Espero que tenham gostado!

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