O que é Grounded Theory e como aplicar em UX Research
Olá, amigos! ❤
Eu tinha alguns temas em mente para o primeiro artigo de 2022, mas decidi escrever sobre um método de pesquisa qualitativa que utilizo e estudo há algum tempo. Se você trabalha com pesquisa qualitativa ou é estudante de pós-graduação, este post pode ser interessante para você.
O que você quer estudar? Qual problema de pesquisa poderia adotar? Quais são as ferramentas que poderão auxiliá-lo a prosseguir? Como você utiliza os métodos para reunir dados relevantes? Os dados relevantes conseguem alcançar aquilo que está sob a superfície da vida social e subjetiva.
Uma mente investigativa, a persistência e as abordagens de coleta de dados podem levar um pesquisador a novos mundos e colocá-lo em contato com dados relevantes. Charmaz, K. (2009)
A Teoria Fundamentada em Dados ou Grounded Theory foi criada na década de 1960 pelos pesquisadores Strauss e Glaser. A ideia surgiu da necessidade de investigar fenômenos sociais novos que ainda não tinham teoria consolidada.
Anselm Strauss (1916–1996) foi um sociólogo médico americano e professor da Universidade de Chicago. Ele foi eleito membro da Associação Americana para o Avanço da Ciência em 1980.
Barney G. Glaser (1930–2022) foi sociólogo pesquisador do Centro Médico da Universidade da Califórnia, em São Francisco.
A ideia básica da Grounded Theory sustenta que as proposições teóricas surgem dos dados obtidos na pesquisa, mais do que dos estudos anteriores. É o procedimento que gera o entendimento de um fenômeno.
Glaser e Strauss afirmavam que um método qualitativo poderia ser tão rigoroso quanto os quantitativos nos seus procedimentos (GLASER e STRAUS, 1967). Não se propõe a fazer uma generalização estatística, porém busca a generalização analítica apoiada na realidade objetivada pelos sujeitos da pesquisa e interpretada pelo próprio pesquisador (MACHADO-DA-SILVA, 2007).
A Grounded Theory apresenta pontos de semelhança com a Fenomenologia, pois enfatiza a subjetividade da realidade construída pelos respondentes. Ambas podem ser definidas como interpretativas.
O objetivo da Grounded Theory é derivar teorias sobre o comportamento humano de forma sistemática a partir de dados experimentais.
Vertentes
Existem três vertentes para a aplicação da Grounded Theory: glaseriana (clássica), straussiana e construtivista. As duas primeiras surgiram, pois os criadores divergiram sobre a construção interna do método. A terceira foi desenvolvida posteriormente pela socióloga Kathleen Charmaz. Mais recentemente, ela coeditou com Anthony Bryant dois manuais de pesquisa sobre teoria fundamentada (2007, 2019). O objetivo foi reexaminar os métodos clássicos através de uma lente metodológica deste século.
Características das Vertentes
Teoria Fundamentada em Dados — Construtivista
Em UX Research, existem diversos métodos que podem ser utilizados para projetos de pesquisa. Vou aprofundar na TFD Construtivista, pois acredito que é altamente adaptável para ser aplicada na realidade da área. Seja gerando inovação ou construindo produtos e serviços.
Tem natureza exploratória e permite que o pesquisador se familiarize com o problema, uma vez que trabalha diretamente com o fenômeno a ser estudado.
Aspectos Construtivistas
- O processo de pesquisa é fluido, interativo e irrestrito.
- O problema de pesquisa indica as opções metodológicas iniciais para a coleta de dados.
- Os pesquisadores são parte do que estudam e não algo isolado.
- A análise emergente pode levar à adoção de múltiplos métodos de coleta de dados e à realização da investigação em vários locais.
- Novos dados podem ser coletados de acordo com a necessidade da investigação.
Etapas
Costumo receber algumas perguntas sobre como estruturar um método de pesquisa qualitativa robusto para ser aplicado em projetos de UX Research. As etapas a seguir podem ajudar a esclarecer um pouco sobre o processo.
1- Paradigma de Pesquisa
Um paradigma de pesquisa está relacionado a determinadas crenças e pressupostos que temos sobre a realidade, sobre como as coisas são (ontologia) e sobre a forma como acreditamos que o conhecimento humano é construído (epistemologia). O paradigma resultante dessas crenças e pressupostos é que deverá guiar o método de pesquisa a ser adotado.
Para exemplificar:
- Para você a investigação é uma série de passos relacionados logicamente?
- Acredita que a realidade dos fatos pode ser apenas aproximada?
- Considera que a realidade é construída por meio das nossas experiências e interações?
- Pensa que o pesquisador é apenas um observador e não um agente ativo?
Falei um pouco sobre paradigmas de pesquisa neste artigo aqui:
2- Problema de Pesquisa
Em UX Research, o problema de pesquisa pode ser debatido e definido em conjunto com áreas demandantes. Nesse momento, o pesquisador pode ajudar na compreensão da natureza do problema.
É importante deixar o problema de pesquisa apontar para o método de coleta de dados.
3- Planejamento
Elaborar um documento que contenha o problema de pesquisa, objetivo, método, perfis para recrutamento e entregáveis, auxilia no desenvolvimento do roadmap e definições importantes para as áreas atuantes.
Nem todos os stakeholders tem familiaridade com pesquisa. Por conta disso, é necessário que as etapas e informações sejam apresentadas de forma simples e transparente para facilitar o entendimento.
4-Pesquisas Secundárias / Revisão da Literatura
O pesquisador faz uma imersão nas informações e dados que já foram coletados por outras fontes.
Em UX Research, as áreas demandantes podem compartilhar pesquisas e informações que consideram relevantes para o estudo. Dados quantitativos ajudam a construir o conhecimento (triangulação) e são compartilhados por equipes como BI e Growth.
5- Coleta de Dados
Costumam ser utilizados os seguintes métodos de coleta de dados:
- Entrevistas em Profundidade
- Grupos de Discussão
- Observações Participantes
- Diário de Uso Continuado
- Sessões de Brainstorming
6- Produção de Dados
A Codificação define as variáveis em categorias e suas propriedades. Têm por objetivo especificar a natureza e a dimensão de cada conceito.
- Codificação Inicial
No momento da transcrição, os dados são fragmentados em palavras ou segmentos de dados. Podem ser selecionadas palavras-chave também.
A codificação inicial pode ajudar a perceber as áreas nas quais faltam dados indispensáveis. A constatação de que os dados apresentam lacunas é algo que faz parte do processo analítico. O foco da teoria fundamentada é fazer descobertas sobre os dados e e seguir esses dados para construir uma análise.
- Codificação Focalizada
O objetivo é sintetizar e explicar segmentos maiores de dados utilizando os códigos anteriores mais frequentes e significativos para o seu problema de pesquisa.
Temos outros métodos de codificação disponíveis na TFD (Codificação Aberta, Seletiva, Teórica e Axial). O pesquisador pode utilizar o tipo de codificação que preferir, o importante é atingir o objetivo da pesquisa.
7-Análise dos Dados
Após codificar os dados é necessário compará-los uns com os outros através da categorização.
Nesta fase o importante é procurar o desenvolvimento dos relacionamentos a partir dos conceitos construídos. É importante fazer comparações sistemáticas entre similaridades e diferenças encontradas nos dados para criar as categorias. Sugere-se que o pesquisador tenha uma postura crítica consigo mesmo.
A categoria mais recorrente pode ser utilizada como uma categoria principal dentro da pesquisa.
8- Validade da Análise
É possível verificar a validade das inferências apresentadas na análise através dos seguintes procedimentos:
Triangulação: Pode ser aplicada entre as metodologias qualitativa e quantitativa.
Verificação Participante: Demonstra se os participantes da pesquisa se sentem representados pelos resultados da mesma.
Validade Descritiva: A descrição detalhada da pesquisa deve ser feita para permitir a replicação.
Construção do Corpus: Independente do tamanho da amostra, deve existir evidência de saturação.
9- Saturação Teórica
É definida como a suspensão de inclusão de novos participantes quando os dados obtidos passam a apresentar repetição, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados. Em UX Research, o tempo de duração do campo costuma ser definido antecipadamente. O prolongamento do campo e a saturação depende dos recursos disponíveis para o projeto.
Benefícios da Teoria Fundamentada em Dados
- Funciona muito bem para projetos onde são necessários métodos de descoberta e exploração.
- Ajuda a reduzir o viés de confirmação, pois tudo está enraizado em dados.
- É flexível e os métodos empregados podem mudar conforme a pesquisa avança.
- Oferece uma abordagem sistêmica para análise de dados.
- As descobertas são facilmente rastreáveis e conectadas aos dados de origem.
É isso, amigos! O assunto é complexo, então vale aprofundar na literatura.
Referências:
Strauss, A. , & Corbin, J. (1990). Basics of qualitative research: Grounded theory procedures and techniques. Newbury Park, CA: Sage.
Glaser, B. G. ,& Strauss, A. L. (1967). Discovery of grounded theory: Strategies for qualitative research. Chicago: Aldine.
Charmaz, Kathy. A construção da teoria fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Bookman Editora, 2009.