Precisamos falar com os homens

Leonardo Andreucci
Creditas Tech
Published in
8 min readMay 22, 2019

No mês de março/2019 tivemos uma conversa incrível sobre machismo com (quase) todos os homens de Produto e Tecnologia da Creditas.

É fato conhecido e amplamente discutido que existem muito mais homens em equipes de Tecnologia do que mulheres e esse post da Karol Leite aborda esse assunto de forma espetacular. Na Creditas, estamos lutando para mudar essa situação. Em 2018 conseguimos trazer 16 mulheres para a equipe e agora temos uma proporção de 25% de mulheres em Produto e Tecnologia, o que é um bom número comparado com a média de 11% do mercado, mas ainda baixo comparado com o que poderia ser.

Porém, apenas contratar mulheres não é suficiente: temos que garantir que elas (e na verdade todas as pessoas da equipe) trabalhem em um ambiente de segurança psicológica, tenham oportunidades de crescimento e que não exista nenhum tipo de favoritismo ou preconceito em nossa equipe.

Tivemos uma conversa com todas as mulheres de Produto e Tecnologia para saber como elas enxergavam nosso ambiente e descobrimos que mesmo em uma empresa como a Creditas, que preza muito pela diversidade, ainda tínhamos problemas e situações desagradáveis. Por um lado isso obviamente era ruim, mas por outro poderíamos colocar em prática nosso valor de #think-like-owners e a máxima de que “Se existe um problema, você não precisa mudar de empresa, você tem que mudar a empresa”.

Convoquei uma reunião com todos os homens de Produto e Tecnologia intitulada “Precisamos falar com os homens” e com a descrição:

Fala pessoal, queria fazer uma roda de discussão com o objetivo de causar uma reflexão sobre o quão saudável e igualitário está nosso ambiente em Produto e Tecnologia”.

A adesão foi de uns 80%-90% dos homens da equipe. Montamos um círculo na nossa Arena e lá estavam 80 homens, com alguma curiosidade/ apreensão pelo quê estaria por vir, assim como eu e demais organizadores. “Será que isso vai caminhar na direção que a gente quer?”

Minha abertura foi a seguinte, e foi de coração:

Pessoal, chamei vocês aqui pra gente começar a discutir esse assunto, para termos uma conversa aberta e com isso gerar reflexão. Não é bronca, nenhum incidente grave aconteceu. Diversidade não é só trazer pessoas diversas, mas criar um ambiente propício para todos.

Eu nunca fui uma pessoa muito preocupada com isso e é fácil não se preocupar sem ser minoria em nada. Sou homem, branco, heterossexual, cisgênero, paulistano, de classe alta, sempre morei em “bairros nobres” e estudei em escolas privadas. Nunca levantei nenhuma bandeira específica e até adoto uma postura isenta em muitas discussões, mas o que eu de fato prezo muito é o senso de justiça, igualdade, transparência, honestidade; e acredito que são valores pelos quais vale a pena lutar.

Vou ter que misturar um pouco de coisas pessoais com profissionais aqui. Não quero me intrometer na vida pessoal de vocês e acho que não é o papel da empresa. Gostaria sim que a Creditas ajudasse vocês a serem pessoas melhores assim como fez comigo, mas não posso exigir isso; só posso exigir comportamentos adequados no ambiente de trabalho.

Na minha classe de engenharia na Poli tinha 5 meninas entre 40 alunos e a única preocupação era com a beleza delas. Nunca sequer passou pela minha cabeça considerar como era esse ambiente para elas, se era hostil, se elas se sentiam bem ali, nada.

Algumas atitudes machistas que já presenciei ou fiquei sabendo em ambientes corporativos (e isso pensando apenas em empresas minimamente respeitáveis, não vou nem entrar no mérito de assédio, troca de favores sexuais por promoções, etc):

  • ao chegar o currículo de uma mulher o pessoal ia ver o orkut pra saber se era bonita;
  • se tinha uma menina bonita em alguma sala de reunião, o pessoal saía contando para os outros e chamava pra ir ver;
  • falta de mulheres na liderança;
  • piadas constantes sobre minorias;
  • não contratar mulheres na faixa dos 30 porque iriam sair de licença maternidade;
  • grupos virtuais para discutir a beleza das mulheres do escritório.

Considero que nunca exerci preconceito de maneira ativa, mas até pouco tempo atrás também nunca fiz nada para combatê-lo e isso me torna co-responsável. Ou o mundo era muito diferente ou eu era muito ingênuo de não enxergar essas coisas, provavelmente um pouco dos dois.

Na Creditas conheci pessoas que abriram muito meus horizontes: Camila, Barbara, Julia, Malu, Felipe, Ronaldo, Marcelo, Karol, Giulia, Ann.

O que eu tenho como objetivo:

Que todos tenham oportunidades iguais de desenvolvimento e crescimento e que a Creditas seja um ambiente seguro e agradável para qualquer pessoa, independentemente de identidade de gênero, raça, cor, orientação sexual, local de nascimento, escola/faculdade onde estudou, bairro onde mora, aparência física, presença de deficiência, experiência profissional passada. Que as diferenças sejam por resultado, impacto, esforço e não por qualquer outro motivo.

Daí eu pergunto pra vocês: será que temos igualdade total hoje? Será que existem coisas no nosso ambiente que não sejam legais pras mulheres?”.

Nosso Head de VIP complementou se desculpando por ter usado a palavra “cara” em demasia em uma apresentação geral para todo o time de Tecnologia, especialmente na frase: “O Cara para trabalhar aqui tem que ser muito bom”.

Nosso Gerente de Engenharia, um catalisador de mudança e líder na conscientização desse tipo de atitude na empresa, reforçou que as mudanças reais só acontecem quando as maiorias se auto repreendem sobre preconceitos perante minorias: quando o branco fala pro outro branco que ele está sendo racista; e que os homens precisam começar a combater alguns comportamentos e ajudar as mulheres a terem mais voz. Ele também contou um exemplo claro de racismo que sofreu em um bar recentemente por ser negro.

Então começou uma discussão com alto grau de maturidade, com cada um levantando pontos, contando histórias ou refletindo sobre pontos que jamais havia considerado. Os pontos altos na minha visão dos 90 minutos de conversa:

1) Reflexões:

  • Saber que às vezes fazemos alguns comentários que para nós soam inofensivos e até mesmo familiares, mas que interferem muito na maneira como as mulheres se sentem ao nosso lado;
  • Muitos dos nossos comportamentos foram reforçados durante toda nossa vida, mas o mundo mudou e precisamos desconstruir isso (“o homem tem que pegar todas”, “tem que beber até cair”, “não pode levar desaforo pra casa”, “tem que sair na porrada”, “homem não chora”, “isso é coisa de macho”, etc);
  • Alguns citaram que foram criados em ambientes menos abertos a diversidade e que passaram por um crescimento pessoal tão grande na Creditas que hoje em dia é difícil manter amizades com pessoas da época da escola que ainda estão com a mesma mentalidade;
  • Ensinar é melhor que repreender — o mundo está mudando e nós não temos as respostas, temos que estar abertos a refletir sobre nosso comportamento. Nem todo mundo vai mudar com a mesma velocidade e todos vamos errar em algum momento;
  • Uma das coisas que temos que fazer além de só falar com as mulheres perguntando como elas se sentem é realmente aprender sobre o tema, estudar e ir atrás de informação;
  • “As mulheres também não podem se sentir sexualmente atraídas pelos homens e mexer com eles”? Sim, mas além do grau de escrotidão não ser o mesmo, não são coisas comparáveis, pois existe uma grande carga histórica por trás. Não dá pra considerar que um negro chamando um branco de “branquelo” seja equivalente ao contrário, existe uma carga de séculos de escravidão que desequilibra (e muito) essa comparação;
  • Mulheres ouvem comentários na rua e sentem medo (desde os 14 anos de uniforme da escola);
  • Vocês sabiam que as meninas mudam o caminho pra não passar em frente de certos lugares, e se têm que passar abaixam a cabeça e passam rápido, sabendo que vão escutar comentários desagradáveis?

2) Dicas práticas:

  • Não utilizar expressões como “botar o pau na mesa” ou “abrir as pernas”, como no caso de “fulano abriu as pernas na negociação e aceitou as condições”;
  • Não falar que um item de trabalho difícil é “pica”;
  • Não é legal comentar sobre a beleza ou atributos físicos das pessoas (e no contexto deste post sobretudo das mulheres), especialmente no ambiente de trabalho e/ou com outras mulheres do seu lado. A regra de ouro sobre o comentário: “você faria esse comentário diretamente pra pessoa?”;
  • Tomar cuidado com a generalização do coletivo “mulheres”, porque aí pode-se perder a individualidade — na verdade não é pensar como as mulheres gostariam de ser tratadas, mas sim como aquela mulher gostaria de ser tratada. Uma pessoa fez o contraponto que se ele desse a conta do restaurante para a esposa pagar ela se sentiria desrespeitada, ao passo que em outros casos acontece justamente o contrário.

3) Relatos:

  • Já repararam que quando um homem mexe com uma mulher acompanhada, ele pede desculpas pro homem e não para a mulher, como se a mulher fosse propriedade dele? Aconteceu com um dos caras no carnaval e ele pediu pro xavequeiro pedir desculpa pra mulher dele, não pra ele;
  • Uma pessoa perguntou pras mulheres do seu time quão machista elas achavam que ele era e elas deram nota 1 em uma escala de 0 a 10; mas sua esposa lhe deu nota 4 porque o conhece melhor e com mais intimidade;
  • Uma pessoa contou que foi zuada pelo amigo ao pedir uma saquerinha no bar e ocorreu o seguinte diálogo:

“Poxa, bicho, saquerinha?! Tu tá cheia de estrógeno, é?!”

“Pô, meu querido, você não acha que isso é machista, não?”

“Machista? Sério mesmo? É fraco, pô, só isso!”

“Então, o negócio é o seguinte, você concorda comigo que associou a bebida fraca às mulheres e ainda camuflou essa relação através do estrogênio — hormônio vinculado a ovulação das mulheres? Então, na verdade, você está vinculando algo considerado fraco, doce ou suave com as mulheres, mas mais do que isso, está usando isso de forma diminutiva, como se ser doce ou suave fosse algo ruim. No limite você não estava nem zombando, apenas fortalecendo um estereótipo de que mulheres são fracas, suaves e por isso também no geral preferem bebidas deste tipo”.

“Cara, parabéns, achei que fosse só tomar porrada à toa aqui, mas faz muito sentido, não tinha pensando dessa forma. Obrigado!”

4) Materiais

Foram citados os vídeos:

5) Conclusões

  • Alguns falaram que nunca tinham pensado nessas coisas e marcaram conversas com as mulheres dos seus times no dia seguinte;
  • O ambiente estava tão propício que uma pessoa encerrou a conversa falando sobre sua homossexualidade e que boa parte da violência contra homens homossexuais ocorre pela aparência feminina e de fragilidade, não pela homossexualidade em si.

Vocês imaginam 80 homens tendo essa conversa na empresa de vocês? Seria uma conversa franca com pessoas abertas ou os caras iam achar mimimi e perda de tempo?

Sabemos que a jornada é longa e que esse foi apenas o primeiro passo rumo a um ambiente mais inclusivo, diverso e seguro para todos. Mas temos que celebrar nossas vitórias e foi um tremendo primeiro passo! Fui embora para casa orgulhoso do ambiente e da equipe que temos e considero esse um dos dias mais felizes dos meus 4 anos de Creditas!

Tem interesse em trabalhar na Creditas? Nós estamos sempre procurando por pessoas apaixonadas por tecnologia para fazer parte da nossa tripulação! Você pode conferir nossas vagas aqui.

Tem interesse em contar com um facilitador para essa iniciativa na sua empresa? Entre em contato comigo pelo Linkedin!

Esse post também está disponível em inglês: https://medium.com/creditas-tech/we-need-to-have-a-man-to-man-chat-c3f0cc26f901

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Leonardo Andreucci
Creditas Tech

Former VP of Technology at Creditas (Brazilian unicorn), now working as CTO-as-a-Service and CTO Mentor.