A reforma nos adverte: o conhecimento explícito das verdades da fé é necessário a todos os crentes

Abner Ferreira
Creio, Logo Leio!
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4 min readApr 15, 2020

Quero trazer à memória o que pode me dar esperança — Lamentações 3.21

Santifiquem a Cristo, como Senhor, no seu coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que pedir razão da esperança que vocês têm. — 1 Pedro 3.15–16

Por decreto divino, todo aquele que santifica a Cristo, como Senhor, em seu coração, prontifica-se para testemunhar acerca das verdades eternas do Deus que lhe salvou. Tais verdades já não podem mais operar como outrora, em trevas, mas agora, na maravilhosa luz, opera com pureza e nitidez. Distanciando-se das vãs filosofias, agarrando-se a sã doutrina.

O conceito de “fé implícita” (fides implicita) — que era patente na teologia católica — outorga ao crente a possibilidade de manter-se ignorante quanto a sua fé, desde que haja a plena confiança nos ditames advindos da igreja de Roma. Vê-se aqui: a alienação do sujeito e a rendição ao poder institucional. Buscou-se justificar tal doutrina em nome de uma suposta simplicidade, mas no fundo, descobriu-se a realidade de uma igreja adoecida. Assim, vetou-se a busca pelo real discernimento aos crentes (leigos), reservando-a apenas aos sacerdotes (clérigos). Como nos diz Calvino, em sua exposição de Hebreus: “Daqui se faz evidente que espécie de cristianismo existe dentro do papado, onde não só é a crassa ignorância exaltada em nome da simplicidade, mas também o povo é rigidamente proibido de buscar o real discernimento”.

Todavia, emerge o papel vital exercido pelos reformadores do século XVI. Em oposição a esta doutrina vigente na teologia católica da época, a teologia da reforma abraça a realidade de uma “fé explícita” (fides explicita), ou seja, o cristão deve conhecer aquilo em que deposita sua fé. Tal compreensão está em sintonia com a importantíssima doutrina do Sacerdócio Universal de Todos os Crentes. Essa doutrina sustenta-se nos seguintes fatos (1) Jesus Cristo é o grande sumo sacerdote (Hb 2.17; 3.1; 4.14s; 5.10; 6.20; 7:24–27; 9:12,26; 10.12; 1 Tm 2.5 e Jo 1.29) e (2) Todos os crentes partilham desse sacerdócio (1Pe 2.5; 2.9; Ap 1.5–6; 5.9–10). Uma das implicações práticas diretas é que cada cristão tem livre e direto acesso a Deus, tendo como mediador somente a pessoa de Cristo, não sendo mais dependente da autoridade institucional. É importante ser dito que a doutrina descrita não advoga em favor de uma prática cristã individualista e separada da igreja, pois, afinal de contas, somos sacerdotes uns dos outros, devendo interceder, orar, instruir, repreender e ministrar uns aos outros.

Não pense também que essas verdades admitam que o ser humano é capaz de assimilar e articular todas as verdades da fé cristã com maestria, pois somos limitados e como disse o apóstolo Paulo: nosso conhecimento é incompleto (1 Co 13.12). Reiterando, o próprio Calvino nos diz “Certamente que não nego (de que ignorância somos cercados!) que muitas cousas nos sejam agora implícitas, e ainda o hajam de ser, até que, deposta a massa da carne, nos hajamos achegado mais perto à presença de Deus, cousas essas em que nada pareça mais conveniente que suspender julgamento, mas firmar o ânimo a manter a unidade com a Igreja. Com este pretexto, porém, adornar com o nome de fé à ignorância temperada com humildade, é o cúmulo do absurdo. Ora, a fé jaz no conhecimento de Deus e de Cristo (Jo 17.3), não na reverência à Igreja” (J. Calvino, As Institutas, III.2.3).

Diante das palavras que nos são postas, podemos afirmar a carência que temos do ensino e estudo da Palavra de Deus, porquanto a fé explícita é vivida na igreja através do ensino da Palavra. Desse modo, nossos ensinos precisam de amplitude e simplicidade, a fim de que o entendimento seja possível para os cristãos mais simples, para que eles possam filiar-se à igreja conhecendo suas crenças e ensinamentos, sendo capacitados para recorrerem a sua esperança podendo dela dar testemunho a todos os homens.

Por fim, anseio dizer que foi o interesse expresso pelas palavras de William Tyndale — “Se Deus me poupar a vida, em poucos anos, farei com que um garoto que cuida do arado conheça mais das Escrituras do que vocês” (‘vocês’ refere-se a acadêmicos de sua época) — que mobilizou os reformadores a elaborarem os famosos Catecismos, Confissões e, sobretudo, as traduções da Bíblia Sagrada para o idioma do povo. É exatamente o mesmo interesse que deve nos mover para conhecermos a Cristo em sua revelação, propagando-o de modo acessível a toda a criatura, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos no bom serviço do Mestre, a salvação do perdido e a glória do Deus Trino.

Leia e estude a Palavra de Deus, leia e estude bons livros. Paz seja convosco.

Soli Deo Gloria

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Abner Ferreira
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Para nós, há apenas o tentar. O resto, não é da nossa conta.