O Revolto Coração Humano

Mikaeverson Duarte
Creio, Logo Leio!
Published in
4 min readJun 4, 2020
Ilustração @dixi.picture

Por algum motivo já conhecido, a cada segundo que se passa a humanidade revela-se ainda mais como um projeto inacabado. Apesar de todo o progresso e evolução já vista na história, os ideais de justiça parecem não encontrar previsão de retorno e permanecem inalcançáveis.

E assim, a iniquidade segue multiplicando-se através das fronteiras como se fosse uma pandemia viral. Enquanto isso, mais um João Pedro é surpreendido pelo barulho ensurdecedor que escorre pelo cano do fuzil.

“Todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que outros.”

Em “A Revolução dos Bichos”, George Orwell recorre a literatura ficcional para retratar, por meio dos animais da Granja do Solar, a narrativa corrupta e tirânica da relação de poder entre os homens. E de um modo brilhante, Orwell uni a fábula à sátira política e conduz seus leitores pela história da insurreição libertária dos animais sob a liderança dos porcos, conhecidos por serem os mais “inteligentes” dentre os outros.

Por estarem há tempos submetidos à opressão dos fazendeiros e cansados de tantos maus-tratos, os bichos ansiavam por liberdade. Eles queriam uma terra que oferecesse condições mais decentes e igualitárias para seus habitantes, a ponto de considerarem como inimigo qualquer coisa que andasse sobre duas pernas.

Certo dia, um velho porco chamado Major, que já havia sido premiado em uma exposição, teve um sonho esquisito e desejava contá-lo aos demais. Os rumores do tal sonho se espalhou por toda granja e logo, pelo respeito atribuído ao Major, marcaram todos para se encontrarem a noite no celeiro.

Após um discurso cheio de entusiasmo, com uma voz embargada, explicando as razões pelas quais os humanos deveriam ser retirados da cena para que então a fome e a sobrecarga de trabalho pudessem desaparecer para sempre, o Major começou a contar-lhes o sonho sobre como seria o mundo quando o Homem se extinguir.

Olhos atentos, ouvidos abertos, não queriam perder um detalhe. Até que o Major começa a entoar uma antiga canção que ouviu também no bendito sonho. Ela se chamava “Bichos da Inglaterra” e carregava em seus versos os seguintes dizeres:

Bichos da Inglaterra e da Irlanda, Daqui, dali, de acolá, Escutai a alvissareira Novidade que virá.

Mais hoje, mais amanhã, O tirano vem ao chão, E os campos da Inglaterra Só os bichos pisarão.

Não mais argolas nas ventas, Dorsos livres dos arreios, Freio e espora enferrujando E relho em cantos alheios.

Riqueza incomensurável, Terra boa, muito grão, Trigo, cevada e aveia, Pastagem, feno e feijão.

Lindos campos da Inglaterra, Ribeiros com águas puras, Brisas leves circulando, Liberdade nas alturas.

Lutemos por esse dia Mesmo que nos custe a vida. Gansos, vacas e cavalos, Todos unidos na lida.

Bichos da Inglaterra e da Irlanda, Daqui, dali, e de acolá, Levai esta minha mensagem E o futuro sorrirá.

Como era de se esperar, “O canto levou a bicharada à mais extrema excitação. Mesmo antes de o Major chegar ao fim, já haviam começado a cantar por conta própria.”

Passados alguns dias o Major faleceu, outros porcos assumiram a responsabilidade de colocar em prática a rebelião, e ao contrário do que se idealizava, uma nova tirania se estabeleceu por lá.

Os porcos, oportunistas, aproveitando que a maioria dos animais não sabiam ler, alteraram as leis na surdina da noite conforme seus interesses e aquela igualdade prometida já não era tão igual assim. Quando se perceberam, já estavam andando sob duas patas e quase nada os distinguiam dos homens.

Não sei você, mas penso que essa não é uma realidade apenas ficcional…

Assim como os bichos da Granja do Solar os homens anseiam pela liberdade. Por uma sociedade mais justa e livre das mazelas que lhe acomete. Livre da maldade, do racismo, da fome, da pobreza, da corrupção, livre do sofrimento…

O problema é que toda essa maldade é produzida pelos próprios homens. E nem se trata da posição ocupada, antes, do nosso próprio coração.

Sabendo disso, confessou Agostinho:

“Porque tu nos fizeste para ti, o nosso coração permanecerá inquieto enquanto não repousar em ti.”

Essa inquietação no coração do Homem, distante dos propósitos para os quais foi criado, faz com que sejam cometidas por ele desde as piores atrocidades até uma “pequena” mentira.

No entanto, apesar dessa insatisfeita rebeldia, tais criaturas carregam em si a semelhança do próprio Criador, e somente por isso, possuem direitos fundamentais e uma dignidade a qual necessita ser preservada e assegurada.

Portanto, é necessário sim se rebelar contra as injustiças, mas essa luta jamais poderá ser apartada da Esperança.

Um dia o futuro sorrirá e toda iniquidade será esquecida para sempre. Todo peso de opressão dará lugar ao jugo suave e o fardo leve. Os cansados e sobrecarregados descansarão em abundância. Os injustiçados terão seus casos julgados em reta justiça.

Os tiranos com pés de barro virão ao chão. Todo aquele que tem fome será saciado, todo aquele que tem sede terá à disposição um ribeiro cuja fonte nunca para de jorrar. Os preconceitos raciais não resistirão diante de um povo tão diverso e unido. Nem o gosto salgado da lágrima será sentido novamente.

Porém, isso não virá de um revolto coração humano, mas de um Cristo exaltado nas alturas! Lutemos por este dia mesmo que nos custe a vida!

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