oramon_souza
Creio, Logo Leio!
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7 min readApr 1, 2020

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Photo by Syd Wachs on Unsplash

Creio, logo leio!

Todo cristão em regra deveria ser um leitor por excelência, resguardando raríssimas exceções como em caso de analfabetismo, falta de acesso à bíblia e aos livros ou alguma doença que de alguma maneira impossibilite a ação de ler. Apesar de que no primeiro caso, quase não caiba mais a desculpa, sobretudo hoje em dia, pois o índice de analfabetismo tem reduzido bastante e há casos em que a própria necessidade de ler as Escrituras forçou pessoas a se auto alfabetizarem. Conhecemos a história de uma vovó que adora dizer com um tanto de orgulho santo, se é que existe, “já li o livro de Jeremias todo”, ela é semi analfabeta, e sentada no sofá, óculos bifocal na ponta do nariz, vai soletrando bem devagar os versos das sagradas escrituras, e isso é apenas um exemplo dentre muitos outros, o que nos faz afirmar que todo cristão deveria ser um leitor, sobretudo das sagradas Escrituras, mas não apenas delas.

Por que o cristão é um leitor?

É possível saber da existência de Deus através da sua criação, inclusive os atributos de Deus e o seu poder revelados na natureza por si só tornam o homem indesculpável segundo nos diz Paulo em Romanos 1:20, contudo a plena revelação que nos conta a bela história do plano de Salvação, sobre criação, queda e redenção, se encontra nas Escrituras, além disso é o meio pelo qual Deus prepara o homem para o seu serviço, e também nos faz conscientes de quem somos e do que precisamos ser, de uma maneira que a natureza seria incapaz de fazer:

“Porque desde criança você conhece as Sagradas Letras, que são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra”(2 Tm 3:15–17)

Cristo é o verbo, o logos encarnado, Palavra Viva, é o centro das escrituras, seria pois então natural que todos os seus seguidores, que levam o seu nome, cristãos, lessem com afinco as sagradas escrituras:

Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam; (João 5:39)

Conhecemos há algum tempo a história de um cristão, que assumiu não conseguir ler um livro completo da Bíblia, e parecia orgulhoso disso. Como assim?! 30 anos de cristianismo e nunca leu sequer um livro das escrituras? Por outro lado, há outro que se orgulhava de ter lido mais de 50 vezes toda a bíblia, nesse o orgulho era muito mais evidente, uma arrogância que nos faz até questionar o tipo de leitura que ele estava fazendo, pois como diz A.D Sertillanges: “Não se acreditam nesses joalheiros que vendem pérolas, mas não as usam. Viver bem junto da fonte sublime sem tomar nada emprestado de sua natureza moral, isso dá a impressão de um paradoxo”. O que se defende aqui é que tanto a falta de leitura das escrituras quanto a leitura orgulhosa só para mostrar que lê, como se fosse um jornal qualquer, constitui-se um paradoxo na vida cristã. É necessário examinar, não é uma consulta, é um exame, dá pra perceber que é diferente?

Por que um Cristão deve ler outra literatura além da bíblia?

Há um valor na palavra escrita, através dela Deus revelou-se ao mundo, em 66 livros que nos contam um linda história de amor, na verdade a maior e mais bela história de amor que a humanidade já viu. Nesta mesma palavra revelada, é possível ver Moisés se valendo da poesia para fundamentar um fato histórico (Nm 21.27–30), vemos Paulo citando poetas gregos em Atenas (At 17.28), vemos o mesmo Paulo ante a morte iminente pedindo livros (II Tm.13) e ainda em outro lugar dizendo que Deus deu mestres à igreja a fim de que ela fosse edificada (Ef 4.11). Ao olhar essas situações encontramos base suficiente para fundamentar o argumento da leitura para além das sagradas escrituras. Contudo mais uma vez é importante reafirmar a superioridade das escrituras sagradas, como disse Lutero, “Homero e Virgílio e outros escritores nobres, excepcionais e proveitosos nos legaram livros de tempos antiquíssimos, no entanto, não são nada para a Bíblia”. Perceba que Lutero não exclui aqui a leitura desses escritores, antes ele os chama alguns autores de nobres, excepcionais e proveitosos, o que está posto aí é uma superioridade incomparável das escrituras. Dito isso, voltemos a alguns pilares do argumento para ler outras literaturas:

“ E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, Querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo, Para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente. (Efésios 4:11–14)

Se Deus deu à igreja mestres ao longo da história, por que essa igreja se dá ao luxo de desprezar esse ensino? Desprezar o que os doutores e mestres escreveram é soberba e arrogância. É evidente que eles não são inspirados no mesmo sentido dos autores do cânon sagrado, pois como diria o Allen Porto num texto belíssimo, todo santo tem pés de barro. Mas longe de nos afastar de seus escritos, deveríamos através das lentes das escrituras aprender com esses mestres que Deus nos deu. Além desses mestres, há aqueles cuja a graça comum alcançou, e que de alguma maneira seus escritos estão cheios de verdade e de beleza, e justamente por isso não podem ser desprezados. Observe Paulo em Atenas, berço da democracia, filosofia, no meio de homens cultos, leitores de Platão e Aristóteles, de Hesíodo e Homero, é possível ver Paulo citando poesia grega, “como dizem os vossos poetas…”, imagina numa pregação aqui no Brasil um pastor citando Drummond, Cecília Meireles ou mesmo Vinícius de Moraes, é quase inimaginável, mas Paulo citaria se aqui vivesse, ele era um amante da leitura, observe, sua última carta escrita foi a segunda epístola a Timóteo, ele sabia que sua partida estava próxima, já estava condenado à morte, logo ele não tinha tempo para falar de amenidades, de coisas sem propósito, as palavras de um homem à beira da morte sempre são guiadas pela verdade, arrependimento, perdão, coisas que realmente importam. Por isso veja Paulo conclamando Timóteo a pregar a Palavra em tempo e fora de tempo, ele roga e ainda traz a cena do julgamento para mostrar que falava de algo muito sério, e nesse contexto de orientações e pedidos ele diz: “quando vier trazes a capa que deixei em Éfeso, bem como os livros, principalmente os pergaminhos.” Um homem condenado à morte, não tem mais nenhuma carta para escrever, nenhuma igreja para plantar, nenhum sermão a preparar, mas ainda assim queria livros, principalmente os pergaminhos, referência clara às escrituras do Velho testamento. Ele tinha visto a Jesus no caminho de Damasco, conhecia muito bem as escrituras pois era um fariseu e estudou com um dos melhores professores de sua época, Gamaliel, foi até ao terceiro céu, e mesmo assim na hora da morte ele queria livros, isso te diz algo? Por que somos tão negligentes com a leitura, sobretudo das escrituras? Não há desculpa para não ler, Pedro, um mero pescador, em sua carta demonstra que lia ou ao menos tinha contato com leitores, uma vez que fala da dificuldade de entender algumas passagens dos escritos de Paulo, mas importante é que ele não se limitou a desculpar-se por “não ter leitura”.

Agora olhe Moisés escrevendo o livro de Números, no capítulo 21 ele se vale da poesia para corroborar um fato histórico de uma outra nação:

Pelo que dizem os poetas: Vinde a Hesbom! Edifique-se, estabeleça-se a cidade de Seom! Porque fogo saiu de Hesbom, e chama, da cidade de Seom, e consumiu a Ar, de Moabe, e os senhores dos altos do Arnom. Ai de ti, Moabe! Perdido estás, povo de Quemos; entregou seus filhos como fugitivos e suas filhas, como cativas a Seom, rei dos amorreus. Nós os asseteamos; estão destruídos desde Hesbom até Dibom; e os assolamos até Nofa e com fogo, até Medeba. (Números 21:27–30)

Veja que não é uma expressão direta louvor a Deus, não é uma poesia “Cristã”, é a narrativa poética de uma guerra, como a Ilíada de Homero ou Eneida de Virgílio, e Moisés inclui isso na sua escrita. Acreditamos ser ponto pacífico que o livro de números é inspirado por Deus, e ainda assim consta nele poesias históricas. O que isso nos prova? Pelo menos a nós, que é possível ler poesias e literatura secular e delas tirar proveito, lições, exemplos, pois se não fosse possível não veríamos Moisés e Paulo fazendo isso, é claro que não somos Paulo e Moisés, mas podemos e precisamos imitá-los.

É pensando nesses exemplos, nas palavras de Cristo sobre examinar as escrituras, na Redenção do mundo contada através da história de indivíduos, no exemplo da Vovó, de Paulo, de Pedro e Moisés, que fundamentamos a ideia de que ler para o cristão não é opção, é meio de sobrevivência, obrigação. Se não sentes apetite por outros livros, mesmo achando tempo para outras distrações bem menos edificantes, é compreensível, mas talvez precise fazer um teste e ler bons livros, aqueles que foram testados e aprovados pelo tempo, sempre podemos aprender alguma coisa neles. Mas se és cristão e não tens apetite nenhum pelas escrituras, pelos pergaminhos, há algo errado nisso, muito errado, talvez sua alma esteja alimentada com séries, filmes, redes sociais, rodas de conversas, e coisas afins que por si só não são de todo maléficas se feitas com moderação e sabedoria, uma criança que toma um iogurte pela manhã, mas almoça direitinho não tem problema nenhum com isso, mas se ela come pela manhã 5 iogurtes, come 3 salgadinhos, chupa pirulitos e queimados(balinhas aqui na boa terra), por certo chegará na hora do almoço sem apetite, e se fizer isso por um muito tempo, logo estará com vermes e anêmica, precisaria ir ao médico, tomar remédios e principalmente uma reeducação alimentar, é assim também com ocristão sem fome das escrituras, precisa se reeducar.

Nosso desejo é que se você já é um leitor, que leia mais, muito mais, mas se não é, que comece agora, que faça disso um hábito e com um coração transbordante de alegria possa dizer: Creio, logo leio!

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Creio, Logo Leio!

Um caminhante em busca da simplicidade, refletindo sobre música, literatura e vida com Deus.