Criatividade — por Adams Pinto

Rodolfo Salles
Cri.ativos
Published in
10 min readJul 25, 2017

Adams Pinto é um ilustrador e designer que, apesar da perícia com artes gráficas, sempre nutriu um amor secreto pela literatura e resolveu fazer cosplay de escritor. Progressista, fã de horror e doce de leite, publicou seu primeiro romance, JARDIM DOS FAMINTOS, através de uma bem-sucedida campanha de financiamento coletivo e agora planeja espalhar as sementes.

Adams Pinto

Adams, o autor

O eu autor ainda é uma faceta muito recente e me causa deslumbramento. Foram anos usando a caneta com o único intuito de desenhar, sem acreditar que eu tivesse bagagem suficiente para rascunhar uma história cativante. Mas o próprio H. P. Lovecraft me convocou em sonho e disse “o lugar mais perigoso para um homem viver é na zona de conforto”.

H. P. Lovecraft

Desde então, me cerquei de pessoas experientes no meio e transformei essa inquietação em um projeto literário que demorou aproximadamente quatro anos para ser finalizado.

A máscara de Adams

As máscaras são representações de predadores do reino animal, vegetal e refletem a personalidade de seus usuários. Por escolha, eu vestiria a máscara de gato porque sou admirador dos bichanos e me acho igualmente curioso e obstinado. Porém, existe uma peculiaridade sobre a máscara dos felinos, que me tornaria inapto para ser seu portador.

O antagonista

Dentro do universo distópico de Jardim dos Famintos, o meu antagonista provavelmente seria eu mesmo. Nas oscilações entre a sanidade e a loucura, eu seria um perigo para mim e todos ao redor.

Obra: Jardim dos Famintos

Capa de Jardim dos Famintos, por @jonboscoart

Basicamente, não é sobre dragões, castelos e magia. Mas uma fantasia que caminha lado a lado com o horror, instigando o leitor a adentrar territórios e situações surpreendentes. Os protagonistas passam por provações morais que colocam o instinto de sobrevivência acima da própria dignidade. O livro mostra um mundo escabroso, que gera questionamentos sobre o que seríamos capazes de fazer para resistir na parte inferior da cadeia alimentar. Quantas linhas seríamos capazes de cruzar? Qual é o nosso limite?

O conceito

É complicado falar sobre o mundo sem revelar detalhes importante da trama. Os protagonistas iniciam sua jornada com amnésia e cada camada da história é revelada à medida que eles avançam. Assim, leitor e personagem são um só, “tateando no escuro” e descobrindo os mistérios que os circundam.

Existe uma problemática no cenário, revelada logo no início, que é a sensibilidade ao odor do sangue: o pandemônio. Trata-se de uma inclinação ao canibalismo quando qualquer indivíduo tem contato com sangue. Desta forma, a tensão paira a todo momento e o que separa o humano do bestial pode ser apenas um ferimento acidental.

No que diz respeito ao cenário, parte do alicerce é originário da mitologia suméria e de outros povos mesopotâmicos e seus rituais. Embora eu tenha aplicado várias ideias oriundas do lado obscuro da minha imaginação, como os Akhilatas, que vivem em uma pirâmide cercada por estátuas colossais de corujas e um fosso que impede a aproximação dos “famintos”. Uma comunidade bem organizada, ordeira e regida por Kael Onin, um homem venerado como um deus. Mais ao Oeste, temos a Vila Salbi, uma humilde aldeia de pescadores que aprendeu a lidar com o pandemônio após uma tragédia. Lá, eles adoram a Mãe do Rio, representada por uma estátua fincada no meio da água corrente e é ela que decide o destino daqueles que violam as leis da região. Por último, os Irmão de Fogo, vulgarmente denominados Carniceiros, uma tribo voraz que queima o próprio rosto para vedar as cavidades nasais e se ver livre da influência do cheiro de sangue. Extremamente violentos e sádicos, seguem um líder autodenominado Rei-de-Tudo.

A chama inicial

Jardim dos Famintos surgiu após a tentativa frustrada de conduzir um RPG de mesa, cuja história era original, mas levemente inspirada nos contos de H.P. Lovecraft. Como sempre fui péssimo em improvisação, o enredo do jogo nunca saiu do papel e suas anotações acabaram se transformando na base do romance.

Logo veio a fome e o desejo frenético de fazer um livro. Ao ponto de me ver disperso, rabiscando anotações e diálogos durante festas e eventos diversos. O que durante muito tempo gerou olhares carregados de curiosidade.

Fantasia e horror

Para mim, essa união sempre existiu. Se analisarmos a Odisseia, as Lendas Arturianas e os livros de Tolkien, por exemplo, são notórias as manifestações sobrenaturais e de eventos assustadores no decorrer do enredo. O que define o limiar entre fantasia e horror é o espaço que cada um desses gêneros ocupa na obra e onde mais pesa a mão do autor. Um híbrido que resultou no surgimento do rótulo Dark Fantasy.

Sobre o financiamento coletivo

É uma forma barata e rápida de conseguir publicar um projeto. Porém, é necessário um planejamento financeiro envolvendo os gastos com artes, impressões, envios, recompensas (brindes) e criar um clima nas redes sociais para que as pessoas se sintam instigadas em apoiá-lo. Apaixonar o maior número possível de estranhos.

Optei por esse formato porque as editoras demoram em média um ano para avaliar o trabalho de um autor novo. Passei quatro anos escrevendo e não aguentaria esperar tanto tempo por uma resposta imprecisa. A vantagem do financiamento coletivo é o controle total sobre o produto, incluindo os direitos autorais. A maior desvantagem fica no aspecto da distribuição e alcance, pois as editoras possuem experiência de mercado e tentáculos longos.

No fim, você precisa pesar em uma balança se você quer vender um projeto por conta própria e se virar para fazer ele acontecer ou colocar na mão de especialistas e ficar dono de apenas 10% dele durante anos.

Eu fui metódico com o conteúdo que apresentei na internet. Quando criei a fanpage no Facebook, já possuía uma sinopse chamativa e várias ilustrações que dialogavam com o clima soturno do projeto. Convidei os seguidores para escolher o logotipo que adornaria a capa, conversei sobre o processo de criação e aos poucos fui mostrando recortes de textos e familiarizando-os cada vez mais com a realidade do livro impresso. As pessoas se sentiram parte da manufatura.

Apenas quatro meses depois, com um número razoável de likes, me senti confortável para arriscar uma campanha de financiamento coletivo. Investi em um vídeo profissional, narrado pelo Paulo Carvalho do Caixa de Histórias e comecei o trabalho de formiguinha, fuçando blogs, canais de youtube e formadores de opinião que pudessem auxiliar na viralização.

O sucesso só aconteceu porque durante todos os dias de campanha, procurei manter a chama acesa e ao alcance de quem pudesse enxergá-la.

Evolução da escrita

Jardim dos Famintos é o meu primeiro trabalho como escritor e demorou quatro anos sendo produzido. Um longo intervalo de tempo. Assim, posso enumerar alguns detalhes do seu desenvolvimento.

No início tentei soar rebuscado para não ser tachado como escritor amador. O que acarretou em um texto arrastado, assumidamente pedante e com excessos de adjetivos e palavras pouco usuais. Foi necessário o olhar clínico da autora Karen Alvares, responsável pelo copidesque, para anular os excessos e tornar o resultado final mais fluido. Foram vários cortes, mas ainda é fácil notar como a escrita se torna mais dinâmica da metade do livro até o final.

Infância e influências

Nos anos 80 eu era uma criança hiperativa e costumava exceder alguns limites. Para evitar que eu me “quebrasse”, geralmente era trancado no apartamento na companhia de inúmeros brinquedos e quadrinhos da Marvel.

Meu primeiro contato com um livro por vontade própria foi com Duna de Frank Herbert. Vi o filme na TV e descobri que meu vizinho de apartamento tinha um impresso. Peguei emprestado e devorei-o muito rápido, apesar do texto difícil.

Frank Herbert

Outra coisa que eu adorava, para desespero dos meus pais, eram os filmes de horror. Alien, Sexta-Feira 13, Enigma do Outro Mundo, Os Invasores de Corpos etc. Assisti tantas vezes que até hoje reverberam na minha mente quando entro no processo de criação.

Cultura e entretenimento

Sou fã de séries de TV, quadrinhos, animes, mangás, action figures, pornô e videogame. Um nerd padrão. O que me diferencia dos demais, é não gostar do combo coca-cola + salgadinhos + MMORPG.

Influências atuais na literatura…

Meus três autores preferidos são H. P. Lovecraft, Stephen King e Bernard Cornwell. De cada um retiro elementos e influências estilísticas que possam enriquecer meu trabalho, misturando tudo em uma salada. A inventividade sobrenatural de Lovecraft, a tensão de King e o esmero no detalhamento das batalhas de Cornwell.

…e fora dela

Respeito artistas que assumem posturas políticas ou erguem bandeiras sem temer qualquer represália por parte do mercado onde estão inseridos. John Lennon, Rage Against the Machine, Roger Waters, Criolo etc.

Criolo

Uma obra genial de execução falha, e como você resolveria isso

Eu amo a Trilogia do Anel, do J. R. R. Tolkien, mas em determinados momentos você vê o autor se deixando guiar pela paixão e imergindo de tal forma, que se excede nos detalhamentos e floreios do mundo que ele mesmo criou. O que seria uma descrição rica de ambiente, se transforma em um “solo de guitarra de 45 minutos”. Eu faria descrições menos extensas.

Criatividade é:

Criatividade é abrir a porta da alma para a criança que ainda vive em você. Deixar se levar pelo absurdo, corajoso e inusitado. Eu já escutei várias vezes “criativo” como um elogio a minha pessoa, mas acredito que todos somos criativos em áreas diferentes. Seja na forma de acalentar um filho, condimentar um bolo, flertar com um interesse amoroso ou criar uma história.

Escritor jardineiro ou arquiteto:

Apesar do “Jardim” no título do meu livro, me considero um Escritor Arquiteto. Não é à toa que demorei quatro anos para publicar. Fui cuidadoso com cronograma, personagens, arcos dramáticos, cenários e, principalmente, com o desfecho. Eu quis entregar para o leitor uma recompensa nas últimas páginas. Tudo feito de maneira pensada e analítica.

Um mentor:

Meu filho recém-nascido é o melhor mentor que eu poderia ter. Mesmo sem perceber, me transformou em uma pessoa mais prudente, mais amável e mais empática do que jamais fui em minha vida.

Sobre diversidade nos livros:

Representatividade em um período tão polarizado é essencial em nossa sociedade. As pessoas em sua pluralidade precisam se enxergar no protagonismo das diversas formas de mídia.

Eu trabalhei isso na minha história, mas não posso comentar sobre isso porque estaria dando spoiler. O que posso afirmar é que o experimento deu certo e as pessoas que leram estão revendo sua forma de enxergar e rotular os outros baseadas em pré-conceitos.

Sobre ser autor, e o que seria se não fosse:

Eu já era ilustrador antes de me aventurar como escritor. Então, se existisse uma terceira via, talvez eu fosse músico. Tocar em uma banda, nômade, rodar o país dentro de um ônibus, fazer shows para públicos diversos e compor na estrada.

Sobre mulheres na literatura:

Mais mulheres na literatura, na TV e no cinema, por favor. O tema corrobora com a fala sobre representatividade e faz parte das revoluções necessárias para que sejamos um planeta mais diversificado e humano.

Meu filme de terror preferido dos últimos anos, por exemplo, é Raw, da francesa Julia Docournau.

Raw

Seu olhar feminino foi crucial para que a película se destacasse entre as demais do gênero. Precisamos de mais mulheres em todas as plataformas de audiovisual e entretenimento, assim como em cargos de liderança, somando sua delicadeza e vivência na sociedade ríspida onde vivemos.

O futuro:

Ainda estou “regando” o Jardim dos Famintos para que suas flores cresçam viçosas e alcancem o maior número possível de pessoas. Na sequência, pretendo escrever e ilustrar um livro de RPG no qual as pessoas possam se aventurar no universo do livro e, em paralelo, iniciar o rascunho da continuação do romance, caso haja clima para isso. Uma versão em inglês para a Amazon “gringa” também está nos meus planos.

Você acordou no mundo de Jardim dos Famintos. E agora?

Agora é descobrir quem eu sou e onde estou, enquanto tento permanecer vivo.

Você foi enterrado vivo, e só pode fazer uma ligação antes que a bateria acabe:

Eu ligaria para o staff da Google para que eles me localizassem através do Google Maps e enviassem socorro. ;)

Nada é mais desafiador do que um espaço em branco: Escreva o que lhe vier a mente:

As vezes um espaço em branco é tudo que um ser humano precisa para sair da inércia. Precisamos em mais espaços em branco na vida para nos reinventarmos o tempo todo.

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Rodolfo Salles
Cri.ativos

Um imaginador de mundos, um construtor de universos e um escravo da criatividade… ou vai ver fui programado pra acreditar nisso tudo XD