Criatividade — por Adriano Fregonese

Rodolfo Salles
Cri.ativos
Published in
12 min readMar 28, 2017

Adriano Fregonese, chamado por todo mundo pelo apelido de Nano, tem 33 anos, e além de escritor, é consultor de storytelling e publicitário. Fora escrever, gosta de passar tempo assistindo filmes e seriados, jogar RPG ou videogames e claro, ler. Quer levar o estudo da técnica de narrativas para mais pessoas e mostrar a todos como é importante essa coisa de se profissionalizar e passar cada vez mais tempo trabalhando com isso, sua grande paixão.

Nano, o autor

Bom, temos o Nano autor de ficção e o Nano autor de não-ficção.

O Nano da ficção escreve porque adora o impulso criativo, ter ideias, imaginar mundos e personagens, desenvolver tramas. Tenho um imenso prazer em pegar um “filhote de ideia” e ajudá-lo a crescer. Sendo assim, acho que o Nano da ficção é um pouquinho mais egoísta, já que escreve, antes de mais nada, para si mesmo.

Com o Nano da não-ficção a coisa muda de figura. Gosto de expressar ideias, dividir conhecimento e chamar ao diálogo. Com os meus livros de não-ficção eu me sinto conectado a outros como eu. Poucas coisas me dão tanto orgulho quanto receber um comentário de um leitor dizendo que minhas palavras ajudaram de alguma forma. Na não-ficção, eu escrevo com o foco nos outros.

Nano, como um personagem

O Batman rsrsrs! :)

Mas falando sério agora… acredito que somos todos personagens. Nascemos coadjuvantes da própria vida, lutamos para achar nosso caminho e virarmos protagonistas. Ao final, alguns conseguem dar um passo além e se tornam heróis.

Se eu fosse o personagem de um livro eu estaria em uma jornada para mostrar como a História (storytelling) é a mais importante e poderosa ferramenta que nossa espécie possui. Mas para isso eu precisaria lidar com diversas dificuldades pelo caminho e até mesmo alguns vilões. Mesmo assim, tenho meus olhos focados no objetivo.

Em uma palavra

Dual, como um bom geminiano (ah, aproveito pra deixar bem claro que Saga de Gêmeos é e sempre foi o mais poderoso dos Cavaleiros de Ouro).

Obra: QUILL: Somos Aquilo Que Escrevemos

Escrevi QUILL após um longo e intenso processo de treinamento e convívio com o James McSill. Eu já estudava narrativas havia um tempinho, mas o James me apresentou um novo olhar sobre a escrita e sobre o meio literário. Sendo assim, usei ali diversas técnicas que na época me eram novidade.

Quanto ao conteúdo, QUILL explora a magia, mas de uma forma totalmente diferente. Ela é menos mística e mais baseada em conceitos, ideias e criatividade. A obra parte da ideia que todo impulso criativo é uma forma de magia (e é… não é à toa que ao longo da formação da nossa civilização tivemos muitas divindades da magia que também eram divindades das histórias ou da escrita).

O conceito

QUILL começa com seu protagonista, Adam Quill (o escritor do momento, um dos caras mais famosos do mundo), em uma situação inusitada: ninguém se lembra dele, suas obras não estão nas livrarias, é como se ele nunca tivesse existido.

Enquanto tenta entender o que está acontecendo, Adam encontra versões em carne e osso dos personagens que criou… e isso o coloca em perigo, já que suas obras não são coisas meigas e fofas.

Não quero entregar muito do mistério, mas, conforme Adam segue em sua jornada, ele descobre mais sobre a natureza da realidade — e sobre como ela pode ser alterada por meio do impulso criativo. Temos uma grande teia que envolve, histórias clássicas, escritores famosos, conceitos tirados da Magia do Caos, reinterpretações de vilões tradicionais (como o vampiro ou a femme fatale) e um antagonista sinistro (pra dizer o mínimo rsrsrs).

QUILL surgiu em uma época em que eu estava muito curioso sobre algumas questões “espirituais”. Eu tinha me deparado com coisas interessantes, como o Mundo das Ideias de Platão, o Anima Mundi, o Grande Espírito do Xamanismo, a noção de universo interior do Budismo, os preceitos da Magia do Caos, os arquétipos Jungianos. Tudo isso se misturou em um caldeirão imaginativo que precisava sair de alguma forma.

Carl Jung

Então eu tentei organizar essas coisas e comecei a me perguntar como seria se pudéssemos tocar uma realidade superior e então alterar o nosso mundo comum. Que vida daríamos a nós mesmos? A que tipo de criaturas daríamos origem? Como mudaríamos conceitos já estabelecidos?

Além disso, eu me perguntei: seria possível que uma ideia ganhasse vida, ganhasse um corpo e uma alma?

QUILL nasceu dessas perguntas malucas.

A chama inicial

O primeiro livro que escrevi se chamava O Manual de Sobrevivência do Vampiro Moderno, mas ninguém nunca o leu (tirando algumas pessoas mais próximas) rsrsrs. Essa obra me ensinou muito sobre rotina e comprometimento.

Depois escrevi um livro chamado Sexo, Máfia e Deuses Gregos, que mostrava uma versão do deus Dionísio trabalhando como motorista de garotas de programa para o chefão da máfia do bairro grego. É uma obra de humor negro, politicamente incorreta, e que mostra os deuses como criaturas falhas, sem maniqueísmo. Nesse livro eu já desenvolvi uma boa noção de estrutura em 3 Atos, mas ainda não explorava as técnicas mais modernas de escrita.

Logo na sequência escrevi um livro chamado d[EU]s, a partir de uma ideia que me acompanha desde 2004. Ainda quero publicar essa obra, mas tenho que retrabalhar o texto. Na época escrevi muito voltado para a ação, mas acho que as ideias ali pedem algo um pouco mais reflexivo. Como aborda temáticas religosas, tenho certeza que muita gente vai considerar polêmico. Por isso preciso olhar novamente, com mais responsabilidade.

Depois escrevi uma série de novelas, que iam desde histórias de detetive até tramas vampíricas bem hardcore, que me permitiram brincar com a questão de voz e estilo.

Por fim, chegamos no QUILL e nas técnicas sobre as quais falei anteriormente.

Para fixar essas técnicas e também me desafiar, me propus a escrever um livro em 30 dias e dessa experiência veio Mortos-Vivos & Dragões. Aliás, dessa brincadeira nasceu um estudo de caso em 13 partes chamado Escrevendo na Prática, disponível lá no meu site.

Se a história de QUILL acontecesse com você

A ideia veio do questionamento sobre sermos ou não donos de nossas criações… e, se somos donos, quanto somos?

Veja, todos os nossos personagens possuem um pouquinho de nós, mas será que, uma vez retirados da mente e colocados na página, eles não começam a crescer por si próprios? Será que o mesmo não acontece com as ideias?

Se isso acontecesse na minha vida acho que seria algo muito interessante, mas também assustador. Eu amo meus personagens, mas diversos deles não são pessoas lá muito boazinhas. Ainda assim, acho que seria incrível poder bater um papo com o Adam Quill, com Dionísio ou tomar uma cerveja com o bárbaro Gawrghonite.

Sobre publicar em outro país

A publicação de QUILL em Portugal também me pegou de surpresa porque eu não estava ativamente procurando uma editora, mas, graças a contatos e conversas em eventos de escrita, meu manuscrito acabou caindo nas mãos certas.

O James McSill havia falado sobre mim para algumas pessoas e um editor me procurou. Ele leu o livro, disse que tinha se surpreendido com a trama e que queria publicar… aí as coisas começaram a andar naturalmente.

Eu acredito que o autor deve ter seus objetivos muito claros, antes de fechar com uma editora. O que ele quer? É visibilidade? Dinheiro? Apenas ter um livro publicado? Diferentes editoras podem te ajudar a alcançar diferentes objetivos, então planejar a sua carreira e ter uma visão realista é essencial para evitar decepções. Eu não me arrependo de nada até aqui.

Sobre o “Storytelling Sem Frescura”

O primeiro impulso nesse sentido veio do James. Ele me disse que eu levava jeito e que deveria passar o conhecimento adiante, então me convidou para trabalhar com ele e realizar algumas palestras e workshops. Foi um desafio, já que sou introspectivo, mas a experiência mudou muita coisa na minha vida.

Em primeiro lugar, ensinar técnica e ter contato com novos autores me trouxe uma satisfação ainda maior do que aquela que eu tinha ao escrever uma história. Me sinto completo quando faço isso.

Além disso, eu realmente acredito no profissionalismo. Acredito que podemos melhorar o mercado para todos se tivermos escritores mais capacitados tecnicamente. Eu combato abertamente essa visão sonhadora e ingênua de que o escritor não deve focar em técnica, que deve escrever apenas quando está inspirado e outras falácias do tipo. É claro que existe talento, mas trabalhar duro e estudar não impedirá um gênio de ser um gênio. Por outro lado, uma pessoa esforçada, mesmo que com menos talento, consegue ultrapassar o gênio preguiçoso. Como diz o Stephen King, “talento vale menos do que sal”.

Por fim, eu percebi que tenho uma percepção própria sobre as técnicas criativas. Eu gosto de estudar, compreender, simplificar e passar adiante. E a simplificação é uma parte a qual dou muito valor. Sei, por experiência própria, que se você focar nos fundamentos certos, você avançará mais rápido… é como aplicar a Lei de Pareto a uma história.

Baseado nessa visão eu comecei a produzir os livros técnicos da série Como Escrever Um Livro, focando nas diferentes etapas da criação de uma obra. Pela graça dos deuses as coisas deram certo, os leitores deram uma ótima resposta, pediram mais e assim, dessa troca, o projeto avançou.

Agora estamos perto de dar um passo adiante: fiz uma pesquisa com meu público para entender suas principais dificuldades e aquilo que eles mais querem aprender. A partir das respostas eu desenvolvi um curso para escritores bem prático e sem frescura. Será totalmente online e perpétuo, então, além de pagar mais barato, os autores poderão acessá-lo para sempre. Deve ficar pronto em breve e os seguidores da minha newsletter terão vantagens exclusivas. Já posso entregar o nome… se chama Os Ossos do Ofício. Estou muito empolgado com esse projeto! :)

Esses ensinamentos vêm de mais de 10 anos estudando storytelling. É um assunto pelo qual eu tenho verdadeira paixão… na verdade é mais do que isso, eu sou obcecado por essa coisa de contar histórias. Storytelling é a minha religião.

Processo criativo e raízes

Sempre começo com a ideia, ou com o “filhote de ideia”, como gosto de dizer.

Tenho caderninhos simples que servem pra registrar toda ideia que passa pela minha cabeça, sem julgamentos. Anoto tudo.

Depois, com uma visão mais crítica, eu analiso e separo as ideias que merecem ser desenvolvidas. Passo essas ideias para um segundo caderno, no qual escrevo mais detalhadamente, mas ainda de forma livre, soltando as possibilidades.

Quando percebo que tenho algo interessante que pode virar um livro, aí passo para uma etapa mais técnica. Eu estruturo aquele filhote de ideia em 3 Atos e começo a pensar nos pontos de virada e também nos possíveis conflitos da história (mesmo que eu mude tudo depois). Isso me deixa com um pequeno resumo sobre o qual trabalhar.

Com obras mais técnicas, sigo um processo parecido. Contudo, ao invés de pensar nos 3 Atos da história, eu penso na vida do meu leitor como uma história em 3 Atos, e aí divido o aprendizado de acordo com cada momento.

Infância e influências

Tive uma infância incrível, realmente feliz. Mas, olhando para trás, percebo que gastava bastante tempo nos meus próprios mundos. Talvez eu devesse ter vivido um pouquinho mais na realidade… mas não estou reclamando, fui absurdamente feliz.

O interesse pelos livros veio ao observar minha mãe e minha avó. As duas liam muito e me contavam histórias. Também tenho um tio muito criativo que se divertia me contando contos de terror, inventando monstros e lendas locais.

Quando criança eu amava o Cinema e as Histórias em Quadrinhos. A primeira coisa que eu quis ser foi escritor de gibis. A paixão pelos livros veio um pouco mais tarde, quando comecei a jogar RPG. Esse jogo foi mágico para a minha imaginação e para a minha paixão por storytelling.

Cultura e entretenimento

Eu amo a Netflix e a Amazon rsrsrs. Se deixar, fico horas viajando pelas duas, escolhendo o que ler/assistir. Também continuo gostando muito de cinema e jogo videogame de vez em quando. Infelizmente não consigo jogar RPG na frequência que eu gostaria, mas não desisto rsrsrs.

Por ter trabalhado em agência de publicidade, me acostumei a ouvir Spotify enquanto escrevo, então dá pra colocar a música nesse pacote todo.

Também gosto de MMA e acompanho ocasionalmente, mas não com a frequência de uns anos atrás.

Influências atuais

Neil Gaiman. A primeira vez que li algo dele foi em 2001 e aquilo explodiu a minha cabeça. Eu me senti acolhido, feliz. É o meu autor favorito desde então.

Neil Gaiman

Em termos técnicos, gosto de como o George Martin monta seus capítulos. A relação causa e consequência, o domínio do Ponto de Vista… é inspirador.

Com relação ao estilo, temas e voz, gosto do que o Guy Ritchie faz em seus filmes.

Sou fã do Raphael Montes também. E acho que ele vem melhorando ainda mais a cada livro.

Autores que não gosta

A escrita da Stephenie Meyer não funciona muito pra mim. Acho enrolado. Mas sei que também não sou o público-alvo dela, então está tudo certo.

… e que gosta mas não admite

Nenhum. Recentemente me comprometi a ler e analisar tecnicamente o Paulo Coelho (talvez o mais polêmico dos nossos autores). Devo dizer que me surpreendi positivamente com diversos pontos.

Acredito que não devemos jamais ter vergonha do que lemos. Feio mesmo é não ler.

Criatividade é:

Criatividade é a sua maneira única de olhar pras coisas ao seu redor. É a capacidade de coletar acontecimentos, emoções, sensações e ideias abstratas e traduzir aquilo em algo seu.

Todos somos diferentes, o que quer dizer que todos temos um filtro único com o qual enxergar o mundo. Sendo assim, todos temos o potencial criativo. Mas a criatividade é como um músculo… se você não usar, atrofia.

Trabalho na publicidade como criativo, então, pelo menos no título, dá pra dizer que sou criativo, sim rsrsrs! Mas sei que passo por momentos de maior poder criativo e também por baixas. É normal.

Escritor jardineiro ou arquiteto:

Tenho um momento reservado para o jardineiro e outro para o arquiteto (olha a dualidade aí de volta). Adoro transitar entre os dois. Porém, eu jamais começo um livro novo sem ter usado um bom tanto de arquitetura.

As coisas se inverteram e você acorda dentro de seu livro. Como seria recebido pelos seus personagens?

Rapaz… olha, como eu conheço bastante os meus personagens, teríamos duas alternativas: ou nos daríamos muito bem e seríamos amigos ou eles me achariam um chato e tentariam se livrar de mim (nesse caso eu não teria escolha a não ser virar um terrível antagonista estilo Lex Luthor — a careca eu já tenho).

O futuro:

No momento todas as minhas energias estão em concluir o curso Os Ossos do Ofício. Acordo e vou dormir pensando nisso. Se o pessoal gostar da experiência, é provável que eu comece a produção de outro curso, mas esse mais voltado ao storytelling aplicado a marcas, business e obras de não-ficção.

Além disso, pode ser que o QUILL apareça em uma versão nacional… vamos ver o que acontece ao longo dos próximos meses! ;)

Nada é mais desafiador do que um espaço em branco: Escreva o que lhe vier a mente

Excelente jogada!

Bom, já que você me abriu o espaço, vou contar uma história…

Era uma vez a Verdade.

A Verdade adorava viajar pelo mundo e visitar diferentes vilas e cidades. E, como ela era muito livre e valente, a Verdade fazia isso sem usar nenhuma roupa. Ela ia totalmente nua.

O problema é que as pessoas não estavam prontas para ver a Verdade nua, então acabavam evitando olhar para ela. Alguns a ignoravam. Outros a rejeitavam abertamente, até mesmo atirando restos de comida na Verdade e a expulsando de suas vidas.

Triste e solitária, a Verdade correu para a floresta e lá ficou, assistindo a tudo de longe.

Um belo dia, a Verdade viu a História chegar na cidade que ficava próxima à floresta. A História tinha belas roupas coloridas e dançava e cantava. As pessoas batiam palmas para a História, sorriam com ela, queriam estar junto dela.

Quando a História saiu da cidade, a Verdade foi conversar com ela e contou tudo o que tinha acontecido.

A História ficou triste, pois percebeu que a Verdade era a coisa mais incrível que já tinha visto. Sendo assim, teve uma ideia: ela deu parte de suas roupas para a Verdade e a convidou a caminhar pelo mundo com ela.

Desde então, sempre que a Verdade e a História chegam juntas em um lugar, as pessoas choram de emoção e veem as próprias vidas serem transformadas. Elas celebram, pois não há nada mais belo nesse mundo do que ver a Verdade vestida com a História.

E é por isso que eu amo storytelling. É por isso que eu amo histórias. Porque elas trouxeram a verdade para a minha vida.

Links do autor:

Site: www.nanofregonese.com.br

Newsletter (dicas mensais e vantagens exclusivas): http://eepurl.com/bx8tjv

Facebook: www.facebook.com/NanoFregoneseOficial

Instagram: www.instagram.com/nanofregonese

Livros na Amazon: https://goo.gl/ChcZmL

--

--

Rodolfo Salles
Cri.ativos

Um imaginador de mundos, um construtor de universos e um escravo da criatividade… ou vai ver fui programado pra acreditar nisso tudo XD