Criatividade — por Jana Bianchi

Rodolfo Salles
Cri.ativos
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22 min readMay 9, 2017

Jana Bianchi tem 28 anos, é engenheira de alimentos, escritora, uma das hosts do Podcast Curta Ficção, passeadora de lobisomens, viajante, humana da Pipoca e da Paçoca. Feminista e #foratemer com todas as forças!

Jana Bianchi

Objetivo

Meu objetivo é viver de contar histórias, e pra começar a minha meta atual é terminar o meu romance e continuar tocando alguns projetos paralelos que me fazem muito feliz.

Sonho

Meu sonho é ver, em breve, um mercado de ficção especulativa nacional saudável, cooperativo e cada vez mais forte. É um sonho também poder fazer parte desse fortalecimento, escrevendo e compartilhando as minhas aventuras literárias por aí.

Jana, a autora?

Uma pessoa que tem ideias e empolgação demais, tempo de menos e muita vontade de aprender e de melhorar. É a Jana que mais toma conta da minha vida no momento, e também a que mais sente prazer em fazer o que faz. J

Um final feliz para Jana, se fosse protagonista de um livro

Meu final feliz é um mundo que tenha espaço pra mudar pra melhor; tanto perto de mim, em uma escala micro, quanto em um âmbito maior. Então acho que os maiores obstáculos seriam mesmo essas pessoas retrógradas, conservadoras e intolerantes que infelizmente estão ganhando palco por aí, pessoas que querem que o mundo fique pra sempre exatamente como está. (Spoiler: essas pessoas não são ficcionais e são obstáculos bem reais, infelizmente…)

Em uma palavra:

Ai, que difícil! Mas acho que “paixão”. Eu meio que só funciono se estiver MUITO empolgada com um projeto/viagem/ideia/pessoa. Felizmente isso acontece com frequência.

Obra: Lobo de rua

Lobisomens são minhas criaturas preferidas da chamada mitologia clássica. Eu gosto muito dos subtextos e dos temas que a transformação e esse lado animalesco do lobisomem permitem explorar. Fora isso, eu tenho uma relação emocional com histórias de lobisomem: tanto meu avô paterno quanto meu pai relatam encontros com os lupinos, relatos que me deixavam muito impressionada quando eu era criança.

Lobo de Rua é uma fantasia urbana que tem como cenário a cidade de São Paulo. Conta a história de um menino de rua, Raul, que descobre que é um lobisomem de uma noite pra outras (já que a contaminação é silenciosa). Ele é acolhido por um outro lobisomem experiente, um velho imigrante italiano chamado Tito, que lhe ensina um pouco sobre essa condição e apresenta um lugar nos submundos de São Paulo onde lobisomens podem se transformar em segurança. Não sei se ele se destaca da fantasia nacional, acho mais que segue uma linha de ficção especulativa ambientada no nosso país que ainda é insipiente, mas que felizmente parece estar em franca ascensão. O que acho que é um pouco diferente do que costumo ler é que Lobo de Rua tem um componente social que permeia a história de fantasia. Não é um conceito novo na ficção especulativa, muito pelo contrário, mas acho que há poucos anos começamos a ver esse tipo de coisa sendo produzida por aqui.

O conceito

Meu mundo é o nosso mundo, na realidade. É o nosso mundo “with lasers”, (haha) um tipo de ambientação que caracteriza o que alguns chamam de baixa fantasia. Em Lobo de Rua eu menciono só os lobisomens e o Minotauro — que é uma entidade antiga que possuiu um cadáver humano que costurou uma cabeça de boi ao seu receptáculo — , mas nessa minha versão de mundo, muitos outros seres coexistem com a São Paulo humana. Alguns deles devem aparecer no romance, outros tipos de entidades como o Minotauro, vampiros, gênios, e outros ainda só em outros projetos. De resto (política, religião, povos) nada muda. O que muda é que São Paulo tem, misturada às suas ruas, os corredores labirínticos da Galeria Creta. E as entradas pra Galeria são uma loucura mesmo! São Paulo é uma cidade gigante e cheia de coisas que a gente mal imagina existir; é o cenário ideal pra caminhos duvidosos pra lugares obscuros. E as ideias de passagens vêm mesmo das minhas perambulâncias por aí, sabia? Olho um beco, um bueiro, um carro abandonado, um boteco, e já penso como aquele lugar aparentemente ordinário e sem graça pode ter todo um outro mundo por trás. É mais ou menos como eu penso personagens, também: observando gente na rua e imaginando o que de extraordinário ela pode estar guardando dentro de si.

A chama inicial

Então, inicialmente eu queria escrever uma história de lobisomem que se passasse no universo da Galeria Creta, que eu já tinha começado a explorar no primeiro rascunho do romance (que hoje está sendo reformulado). Depois defini que queria contar a história de alguém que, no nosso mundo atual, não soubesse o significado da maldição do lobisomem — disso veio a ideia do protagonista ser um menino de rua, alguém sem acesso à cultura pop. Estava no fretado do trabalho quando tracei mais ou menos o roteiro da história.

Acho que é seguro considerar que Lobo de Rua foi a minha primeira obra: não foi a primeira coisa que eu escrevi (já que eu escrevo umas porcariazinhas desde que tinha seis, sete anos), mas foi a primeira coisa que publiquei. Em 2015, resolvemos criar uma coletânea entre amigos do Clube de Autores de Fantasia e eu quis escrever algo pra apresentar a mitologia do romance da Galeria Creta. Aí rolou a história que expliquei sobre a chama que fez nascer o Lobo.

Sobre o livro ser uma novela

Na verdade, não foi intencional o fato da minha primeira publicação ter sido uma novela. Escrevi Lobo de Rua com o intuito de ser algo curto, mas não imaginava que ia publicá-lo tão cedo — na minha cabeça, minha primeira publicação seria um romance, coitada de mim! Haha… De todo modo, essa acabou sendo uma decisão muito acertada: eu acho que o fato do texto ser mais curto fez com que muita gente resolvesse dar uma chance a uma publicação de uma autora iniciante e desconhecida — uma chance que os leitores, com suas filas de leitura infinitas, raramente dão a publicações gigantes que não tenham retorno garantido (que é o caso de grandes best sellers ou livros já cheios de boas referências de influenciadores e amigos). O ponto negativo de uma novela é que você tem menos espaço pra desenvolver uma história, e além disso o próprio público não está muito acostumado a ler coisas nesse formato — recebo muitos feedbacks de pessoas que acharam o Lobo “curto demais”, por exemplo, ou muito simples. Mas mesmo com esse ponto negativo, eu recomendo muito começar com ficção curta. Tanto a escrita quanto a publicação, na verdade. Fora que ficção curta é uma arte à parte, com muitas peculiaridades e desafios diferentes daqueles que a escrita de um romance propõe.

Sobre a editora Dame Blanche

Editora Dame Blanche

Sim, a Dame Blanche comprou os direitos de Lobo de Rua em 2016. Eu já tinha feito uma publicação independente em dois formatos: primeiro e-book na Amazon e depois uma versão impressa independente que eu planejei e viabilizei — tipo um financiamento coletivo, só que individual hahaha… Quando a Dame Blanche abriu processo de seleção de originais, fiquei muito interessada pela linha editorial delas e também pela proposta de aceitarem formatos curtos como novelas e noveletas. Foi meio amor à primeira vista, já que não tinha enviado Lobo a nenhuma outra editora, mas a experiência têm sido tão maravilhosa quanto esse primeiro contato. Além da publicação ser convencional, com pagamento de adiantamento e direitos autorais, a editora preparou meu original com todo o carinho e respeito, com contratação de ótimos profissionais pra fazer capa, diagramação, revisão. A divulgação também é muito legal! O público que eu alcanço hoje é nitidiamente maior e mais diverso do que o público das versões anteriores, que era composto basicamente de amigos, conhecidos e amigos-de-amigos meus.

Evolução da escrita

Capa de Sombras, Jana P. Bianchi

Bom, entre Lobo de Rua e a obra atual (o romance da Galeria), eu já escrevi muitos exercícios, contos, noveletas e até uma novela em inglês. Alguns desses contos e noveletas foram publicados, em revistas ou de forma independente. Acho que é difícil definir, em termos objetivos, o que mudou no meu processo de criação e na minha escrita, mas posso dizer que eu sinto que sei muito melhor o que estou fazendo. Existem maneiras de criar e de contar uma história, e é importante ter controle sobre esses processos pra conseguir resultados legais e consistentes. Acho que o resumo dessa evolução é bem isso: consciência do que estou fazendo.

Infância e influências

Eu nasci em uma família de leitores vorazes, então eu comecei a ler bem cedo. Fui alfabetizada em casa com quatro anos e meio porque eu queria ler os gibizinhos da Mônica; com dez anos eu já estava lendo Senhor dos Anéis, História Sem Fim e O Parque dos Dinossauros, livros que pautaram meu amor pela ficção especulativa, meu gênero preferido até hoje.

História sem fim

Além dos livros, tive uma infância bem ativa e ao ar livre: fui escoteira, acampei muito, passava as tardes brincando com a minha irmã, minhas vizinhas, praticando esportes e tal. Tudo o que eu já vivi e o que eu vivo agora me influencia hoje, em especial minhas viagens. Eu gosto muito de viajar, já conheci 17 países e vivi umas coisas bem doidas. Também conheci muitas pessoas, das mais diversas, cujas histórias incríveis também me influenciam bastante.

Cultura e entretenimento

Eu sou bem eclética, mas também no audio-visual eu prefiro obras de fantasia, ficção científica, mistério, terror, ação… Atualmente estou vendo menos filmes e séries do que gostaria, mas consumir boas histórias é, sem dúvida, uma das melhor coisas da vida. É muito legal poder viver outras vidas.

Influências atuais na literatura

São muitos, mas acho que os que mais me inspiram são J. K. Rowling, Neil Gaiman, Terry Pratchett, Stephen King

Terry Pratchett

A Rowling me inspira bastante pela paixão e cuidado com o próprio universo e pela determinação. O Neil Gaiman me inspira pelas ideias incríveis e pelo poder de contar qualquer história, por mais simples que seja, de maneira profunda e emotiva. O Terry Pratchett me inspira muito porque a inteligência e a perspicácia que ele tinha saltam em cada frase, até quando nas piadas infames ou afirmações sarcástica… Bom, acho que ele tem as melhores frases de efeito da literatura. E o Stephen King me inspira por ser tão prolífico e por contar histórias diferentes com tanta competência, com personagens que parecem pular pra fora das páginas.

… e fora dela?

Star Wars é uma influência. Não é uma influência direta no que escrevo em termos de temática e gênero, mas a existência de um universo expandido tão rico é uma coisa que me apaixona muito. Também ando bem interessada em séries e filmes que se encaixam em baixa fantasia, tipo Stranger Things, e em ficção científica contemporânea, tipo Black Mirror.

Stranger Things

Música também me influencia, embora eu esteja um tanto alienada do mundo da música ultimamente… Mas gosto muito de música brasileira, MPB, musiquinhas mais melódicas.

Autores que não gosta

Acho que tem alguns gêneros inteiros que não me interessam muito, mais do que autores específicos. Não curto muito chic lit e romance, por exemplo, então não costumo ler autores do gênero. Romances históricos sem fantasia também não me interessam muito, tipo Bernard Cornwell, por exemplo.

Bernard Cornwell

Não tenho ódio mortal por nenhum autor, até porque prefiro simplesmente não consumir coisas que não aprovo do que consumir só pra poder falar como elas são ruins. Acho que, no máximo, considero alguns autores da ficção especulativa nacional meio superestimados… São autores que merecem muito reconhecimento pelos precedentes que abriram e pela boa influência que tiveram sobre o mercado, mas que em termos de escrita, se acomodaram e não fazem jus ao que podemos fazer nesses gêneros. Já ouvi gente falando que se afastou da fantasia nacional porque teve más experiências com esses grandes nomes, que supostamente deveriam atrair mais gente pro gênero. Mas aí eu acho também que o leitor não deve nunca se acomodar e generalizar.

… e que gosta mas não admite

Nossa, nenhum! Tem gente que acha que o Stephen King é literatura “fraca”, por exemplo, mas eu digo com todo o orgulho que curto pra caramba o cara. Eu leio bastante “alta literatura” também, e não tenho nenhuma vergonha de dizer que leio ficção especulativa quando estou conversando com pessoas que só leem esse tipo de coisa mais cabeçuda. Recentemente li um livro-de-YouTuber, o livro da Jout Jout, e deixei até uma resenha lá no Goodreads dizendo que curti.

Jout Jout

Sei lá, acho meio complicado comparar livros com propostas tão diferentes, a minha avaliação é sempre dentro de um contexto que considera que tipo de informação/experiência cada livro quer transmitir, assim como o público que quer atingir. Eu não acho que existe “literatura ruim”… Como eu escolho conscientemente as coisas que leio, não tenho problema em ser bem transparente sobre minhas leituras.

Uma obra genial de execução falha, e como você resolveria isso

Nossa, que difícil, tive até que abrir meu Goodreads aqui. Acho que o último livro que li e que me deu essa sensação de uma ótima ideia que podia ser melhor desenvolvida foi o A Arma Escarlate, da Renata Ventura.

A Arma Escarlate, da Renata Ventura

A ideia de uma escola de magia no Brasil é incrível, assim como um protagonista negro nascido na favela, mas achei que ainda assim o livro fica preso nas fórmulas do Harry Potter, e muitas escolhas de roteiro e de construção de personagem não me agradaram. Achei também que ela fez uma mistura meio esquisita na hora de criar a mitologia do universo, que inclusive me parece que ficou um pouco esteriotipada e simplista. Não é um livro péssimo e a Renata é uma autora super consciente, pelo que acompanho, mas a ideia é tão legal se comparada ao resultado… Eu teria partido de uma premissa mais simples e mais intimista, ao invés de mais uma história megalomaníaca tipo a do próprio Harry Potter. Também teria tentado criar algo realmente brasileiro, não uma modificação pontual de cada característica de um universo existente de modo a parecer nacional.

Criatividade é:

Acho que é saber juntar coisas que parecem desconexas. No campo da criação literária, isso significa juntar coisas pequenas e grandes das fontes que te influenciam e criar histórias interessantes e surpreendentes a partir dessas misturas. Eu acho que me considero criativa sim… Eu tenho uma lista gigante de premissas, mundos e pequenas ideias que um dia quero abordar, e elas são bem diversas. Pelo menos uma vez por dia vejo alguma coisa na rua e tenho um “clique” — tanto pra criar novos projetos quanto para inserir detalhes nos projetos em andamento.

Escritor jardineiro ou arquiteto:

Arquiteto, sem dúvida. Eu gosto de começar a escrever já tendo uma noção considerável dos principais acontecimentos da trama, assim como do final. Eu não sou do tipo que faz um outline com cada cena detalhada, mas eu preciso ter uma espinha dorsal da trama pra não viajar e ir até Júpiter antes de chegar onde preciso. Um parágrafo ou dois por capítulo já dá. Isso não significa necessariamente que eu de fato sento e faço um outline; as vezes o planejamento fica só na minha cabeça mesmo, como quando estou escrevendo contos ou coisas mais curtas. Mas eu preciso muito de um tempo pra refletir sobre a história, testar alternativas, experimentar desfechos.

Talento ou estudo?

Acho que depende da definição de “talento”. Eu acredito que cada pessoa tem um grupo de características que as torna mais aptas pra certas atividades, mas não significa que com mais esforço ela não pode realizar tudo o que quiser. Por exemplo: eu tenho plena consciência de que nunca tive as características que me tornam a pessoa mais apta a subir até o pico do Everest, mas não é um sonho totalmente impossível — só ia exigir muitos anos de treinamento intensivo, dedicação e investimentos. Algumas pessoas, por sua vez, têm características que as tornam mais aptas a fazer montanhismo — mas é óbvio ninguém sobe até o pico do Everest sem treinar pra caramba, por mais preparado e predisposto que seja. Acho que tem gente que nasce com — ou desenvolve na infância — maior capacidade de fazer conexões, maior sensibilidade pra descrever coisas e sensações, mais interesse pela leitura, e por aí vai, o que as faz mais predispostas a se tornarem bons escritores. Algumas pessoas definem isso como “pessoas com maior talento pra escrita”. De todo modo, o estudo é parte essencial dessa arte. Eu acho indiscutível, pelo menos. Até pra subverter os modos convencionais de fazer as coisas, você precisa conhecer essas coisas. É nítido pra mim que muita coisa na minha escrita mudou pra melhor depois que comecei a estudar, o que por consequência me fez consumir entretenimento de forma diferente, que por sua vez interfere em como eu produzo e por aí vai.

Um mentor:

O Neil Gaiman. Eu curto o jeito que ele escreve, mas eu também curto muito a maneira com que ele encara a carreira dele, a interação da carreira com a vida pessoal, as críticas das pessoas, o sucesso. Ele parece muito preocupado em estimular outros artistas, o que me dá essa impressão que ele deve ser um ótimo mentor. Fora que eu acho ele um cara genial e extremamente inteligente, deve ser maravilhoso poder conversar com ele sobre ideias, escritas e coisas da vida. E claro que, nesse caso, aproveitaria a mentoria pra conhecer também a Amanda Palmer

Uma obra que gostaria de ter escrito:

Nossa, que tenso… Mas acho que Duna, do Frank Herbert. Sou apaixonada por Duna, pela mitologia, pela ideia dos fremem, da especiaria, dos vermes… Acho genial essa mistura de ficção científica com fantasia (que admiro muito também em Star Wars, claro). Foi um livro que eu li pensando justamente isso, que gostaria de ter criado aquele mundo e aqueles personagens. Isso se eu só pudesse escolher um livro: se pudesse ser um roteiro, também, aí eu gostaria de ter escrito os roteiros de Star Wars.

Autora e redes sociais:

Em 2014, quando resolvi escrever com mais seriedade, comecei a estudar, a ler sobre o mercado e a procurar outros escritores com os quais conversar. Moro no interior de São Paulo, então a internet foi essencial pra me entrosar sem estar na capital. Conheci muita gente legal, pessoas que inclusive viraram meus amigos na “vida real”, e acho que foi por isso que acabei ficando cada vez mais presente na internet: é muito bom conversar com gente que ama as mesmas coisas que a gente. Não me acho uma pessoa relevante, na verdade, acho só que sou “presente”.

Curta Ficção

Participo de grupos sobre escrita, comento, divulgo meu livro e o Curta Ficção aqui e ali, mas também procuro saber das produções dos meus amigos e colegas, compartilho os sucessos e os projetos em andamento, procuro conhecer projetos novos. Nisso, as pessoas meio que acostumam a ver você, a ver seu nome… E quando a hora chega, associam a sua presença às suas obras. Acho que é isso! Hehe…

Como fazer amigos e influenciar pessoas?

Eita, boa pergunta! Haha… Acho que o principal sobre esse ponto é: se aproximar das pessoas por conta de gostos em comum e admiração mesmo, e não por interesse. Eu vejo muito autor iniciante que tenta se aproximar de autores renomados, de editores e de outros influenciadores não porque admira o trabalho da pessoa, e sim porque quer apresentar o próprio trabalho, quer pedir divulgação, coisa assim. Eu acho que se você se aproxima de pessoas que você admira e que curtem as mesmas coisas que você, o eventual interesse dessa pessoa pela sua obra vai ser natural, vai surgir em uma conversa, em um evento… Aliás, outra coisa importante sobre isso é: frequente eventos. Isso é mais fácil pra quem está no Rio ou em São Paulo, mas existem eventos em outras capitais e também no interior; de vez em quando vale inclusive viajar alguns quilômetros pra frequentar um evento ou outro, como no meu caso. Primeiro que é uma das coisas mais legais do mundo estar perto de pessoas que você admira, em um lugar onde o assunto principal é literatura ou escrita. E segundo que você se torna um pouco mais presente. O pessoal que escreve ficção especulativa no Brasil é bem acessível, é uma delícia poder conversar com eles nos eventos.

Sobre diversidade nos livros:

Eu acho muito importante. O mundo é um lugar diverso, e eu acho que a boa literatura é a literatura que aproxima a gente do mundo real, por mais fantasiosa e maluca que seja a história. Há muito mérito, inclusive, nas histórias que fazem a gente perceber as coisas que geralmente passam despercebidas. O problema é que tem muitos interessados em fazer de conta que o mundo não é diverso, que o mundo ainda está e sempre estará nas mãos da mesma gente careta e covarde, como já dizia o Cazuza.

Cazuza

Como escritora, acho que é minha obrigação — e o meu desejo, também — ir contra essa estagnação. Enquanto eu puder, quero deixar cada vez mais claro que o mundo é lugar de gente diversa. Gente que precisa de voz, não só como personagens mas também como produtores de conteúdo. A escolha de um protagonista menino de rua não foi pautada nisso à princípio, mas depois percebi a ressonância que existe entre a vida de alguém assim e a maldição do lobisomem e, então, resolvi direcionar melhor a história pra essa questão. O número de retornos positivos que eu tive, destacando esse ponto, mostra como há espaço pra histórias de protagonistas diferentes do convencional.

Sobre ser autora, e o que seria se não fosse:

Acho que não tem como responder essa questão sem ser meio clichê… Haha… Mas sou autora porque eu amo contas histórias, e a maneira com que consigo transmitir essas histórias com mais fidelidade é através das palavras. Se não fosse autora, e se eu pudesse ter algum poder de escolha sobre as minhas características e facilidades, eu seria ilustradora. Ou seja, ia contar histórias, só que de outra maneira, em outra mídia. Eu sou fascinada por essa capacidade de transformar uma imagem mental em uma imagem real.

Sobre ser feminista:

Feminista com toda a certeza! Eu sou a favor da igualdade entre seres humanos; igualdade de direitos e de deveres. Ser feminista nada mais é do que ser a favor de uma igualdade específica: a igualdade entre gêneros. Então sim, sou MUITO feminista. Sou feminista porque não tem outra opção, porque não tem como ficar indiferente à quantidade absurda de dor e de sofrimento que nascem da imbecil pressuposição de que um ser humano é superior a outro só por ser de um determinado gênero. Acho que dá pra dizer que o feminismo pautou quase toda a minha vida porque cresci em uma família de preceitos bastante igualitários. Por isso, sempre me senti a vontade e segura pra perseguir tudo o que desse na telha, independente dos padrões de gênero: sou formada em engenharia em uma universidade estadual, trabalho como engenheira em uma multinacional, viajo sozinha pelo mundo, estudei fora do país, mergulho, escrevo sobre o que eu bem entendo, me visto como eu quiser. Claro que, inevitavelmente, ainda carrego e reproduzo alguns preconceitos que refletem a sociedade machista em que nós fomos criados. Mas, com o meu amadurecimento social e político nos últimos anos, essas questões vieram à tona e todos os dias trabalho viver mais e mais o feminismo e outros tipos de igualdade também.

Sobre mulheres na literatura:

As mulheres sempre estiveram na literatura. Em uma época em que a sociedade enxergava a mulher como aquela que cuidava da casa e da família, Mary Shelley escreveu a primeira obra de ficção científica da história — Franskstein, em 1817, aos 19 anos — e Emília Freitas escreveu aquela que é conhecida como uma das primeiras fantasias brasileiras — A Rainha do Ignoto, em 1899.

Franskstein, de Mary Shelley

Em outras palavras, mulheres foram pioneiras de seus gêneros mesmo quando contar histórias não era uma opção dada a elas. Se isso não significa que as mulheres têm toda a capacidade pra estarem de igual pra igual com os homens na literatura, não sei o que mais significa! Hehe… Felizmente, a possibilidade de ser mulher e escrever já é muito mais real hoje em dia. Ainda assim, precisamos lutar todos os dias contra os esteriótipos que nos cercam. Uma mulher pode escrever romance e histórias melosas se quiser, mas não só isso. Uma mulher pode escrever para outras mulheres se quiser, mas não só isso. Uma mulher pode escrever terror, palavrão, cenas gore, pode escrever sobre sexo, sobre beleza, sobre amor, sobre ódio, sobre qualquer coisa. Pode escrever o que quiser, e tem o direito de fazer isso sem ser comparada com homens. Como se “escrever como um homem” fosse um grande trunfo, melhor do que “escrever como mulher” — isso partindo do princípio que existe essa compartimentação no modo de se escrever. Temos um caminho longo pela frente até alcançarmos o equilíbrio também dentro da literatura, e precisamos trilhar esse caminho passo a passo. Precisamos buscar o equilíbrio no número de publicações, o equilíbrio no número de premiações, a liberdade pra escrever sobre temáticas quaisquer, a liberdade de poder escrever sem retaliações. É uma batalha que ainda vai caber a algumas gerações futuras de escritoras, mas fico feliz de estar vivendo parte dessa revolução.

Conselho para um escritor novo desmotivado:

A primeira coisa que eu faço quando estou desmotivada — algo que acontece mais frequentemente do que parece, nem que o surto dure alguns minutos — é falar sobre a minha escrita e os meus projetos com alguém. Se possível, com alguém que também escreva (aliás, entrar em uma comunidade de escritores, física ou virtual, é uma das minhas maiores recomendações a autores iniciantes). É legal conversar com outras pessoas porque a visão de um escritor sobre a própria escrita é muito deturpada. Pode ser deturpada pra cima (quando ele tem certeza de que é o novo Tolkien) ou pra baixo (quando o ele acha que o texto dele é o pior da face da terra). A verdade é que todo texto tem coisas boas e coisas ruins, e às vezes tudo o que você precisa é de alguém que te elogie no que você acertou e te ajude a melhorar aquilo que pode ser melhorado, sem levar nada pro pessoal. Revisitar retornos positivos dos seus textos — de resenhas a mensagens particulares de amigos — também é ótimo pra relembrar que você é capaz de escrever coisas legais. Outro conselho (que parece auto-ajuda barata, mas funciona mesmo!) é lembrar que os maiores escritores da história já foram rejeitados e criticados sem dó nem piedade. Nada é absoluto na literatura, qualidade é uma coisa naturalmente meio subjetiva e muitas vezes as rejeições dentro do mercado editorial pouco tem relação com o texto em si — às vezes é questão de timing, linha editorial, uma série de coisas. Vale dizer que, muitas vezes, o desânimo é só resultado de cansaço e saturação com um projeto. Nessas horas, a melhor solução é dar um tempo, tirar uns dias de descanso, ir ler alguma coisa legal e voltar depois pra retomar o projeto com as forças recuperadas.

Sua reação com a afirmativa: escritor não precisa ler

Putz, depende. Tem muita gente por aí que quer escrever só pra se expressar, pra botar pra fora as caraminholas da cabeça ou pra dividir experiências e pensamentos com familiares e amigos próximos. Nesse caso, eu acho que não faz sentido falar em regras e estudo, muito menos discutir: se o cara se sente escritor e se está feliz com uma carreira nesses moldes, ótimo, não acho importante saber se ele lê, estuda ou treina. Agora, o que eu acho complicado é quando a expectativa dessa hipotética pessoa não corresponde ao esforço que ela dedica a essa coisa maluca que é escrever — esforço este que, sem dúvidas, também inclui ler muito, de forma casual ou de forma dirigida pra entender técnicas, estilos ou boas práticas de grandes autores. Nesse caso, acho que tentaria conversar com essa pessoa pra tentar provar o meu ponto de que ler é um dos únicos caminhos pra interiorizar boa parte do que é necessário pra criar uma boa história e desenvolver uma boa prosa. Ninguém aprende a falar sem antes aprender a ouvir, certo? Se a proposta de discussão fosse bem recebida, ótimo. Se fosse rechaçada, deixaria a pessoa em paz com as suas convicções. Em outros tempos acho que eu discutiria, mas hoje acho que deixaria quieto mesmo. Alguém que nega argumentos bem construídos não está disposto a discutir, muito menos mudar de opinião.

O futuro:

Eu ainda quero explorar bastante o universo da Galeria Creta, mas por enquanto estou focada no romance, um livro único que conta a história do Téo Boaventura, um dos personagens de Lobo de Rua. Meu plano é terminar o romance ainda esse ano e, em 2018, pensar na publicação (não sei por qual caminho ainda). Outra coisa que tenho em mente dentro do projeto da Galeria é um outro romance fix-up contando o passado do Tito. Gostaria de começar a rascunhar as primeiras coisas ainda em 2017, mas tudo vai depender do andamento do romance do Téo. Tenho um projetinho paralelo em que ando pensando bastante, também sobre a Galeria, mas ainda não sei dizer se vou conseguir tocá-lo junto com os projetos principais. Também tenho algumas ideias fora do universo da Galeria com as quais gostaria de trabalhar em 2018 e 2019. Vamos ver, no momento meu maior desejo é acabar o romance mesmo.

Você está andando sozinha na rua e se depara com um lobisomem:

Lobisomem

Minha vontade seria parar, observar, tentar alguma conexão mental com o bicho, talvez fazer alguns registros fotográficos. Mas acho que na hora do ‘vamos ver’ eu sairia correndo mesmo. Isso se o bicho estivesse transformado na noite de lua, né? Se não estivesse — e partindo do princípio que eu tivesse alguma maneira de saber da maldição — eu chamaria o lupino pra comer um lanche de mortadela, tomar uma coca, conversar e usufruir um pouco das histórias maravilhosas que uma pessoa multicentenária certamente teria.

Nada é mais desafiador do que um espaço em branco: Escreva o que lhe vier a mente:

“São Paulo abriga demônios em todos os seus metros quadrados, mas é nos submundos labirínticos da cidade que vive esta entidade ancestral. Usa corpos de homens mortos, cabeças de touros negros e vive do caldo dos tutanos dos desejos humanos. É Minotauro, e não lobo, mas veste orelhas grandes para ouvir melhor: ele escuta o que se fala nas ruas, os beijos nas coberturas dos arranha-céus, as mensagens nas ondas dos rádios e os ecos das lamúrias nas criptas dos cemitérios. Escuta os risos nos parques, os gemidos nos motéis, os xingamentos no trânsito e os lamentos de morte. Escuta as orações nos templos, as conversas ao telefone, as despedidas nos túneis do metrô e os sussurros proferidos na cama, antes de dormir. Mas escuta ainda melhor aquilo que não é dito.” (‘Às Três — Lamentos de Quem Tem Alma’, Benedito Gaia)

Talvez esse trecho faça parte do romance? Talvez!

Links da autora:

Vamos lá:

Jana & Minotauro

Facebook Jana: www.facebook.com/janayna.bianchibruscaginpin

Facebook Galeria: www.facebook.com/galeriacreta

Twitter: @janapbianchi

e-mail: galeriacreta@gmail.com

Lobo de Rua

Amazon: https://www.amazon.com.br/dp/B01MXSN42N/

Apple: https://itunes.apple.com/br/book/lobo-de-rua/id1181444560

Kobo: https://www.kobo.com/br/pt/ebook/lobo-de-rua

Goodreads: www.goodreads.com/book/show/26140652-lobo-de-rua

Skoob: www.skoob.com.br/lobo-de-rua-511344ed530433

Sombras

Amazon: www.amazon.com.br/Sombras-Janayna-Pin-ebook/dp/B01FNI7NMQ

Goodreads: www.goodreads.com/book/show/30125251-sombras

Skoob: www.skoob.com.br/livro/584528ED586177

Obrigado pela disposição (e paciência) :)

Nossa, o que é isso, eu adorei! Me diverti respondendo! Acho que deu pra perceber a empolgação pelo tamanho das respostas… Obrigada pelo convite, pelo espaço… E parabéns pelo projeto! É demais!

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Rodolfo Salles
Cri.ativos

Um imaginador de mundos, um construtor de universos e um escravo da criatividade… ou vai ver fui programado pra acreditar nisso tudo XD