EMPRESAS DE BRANDING E DESIGN

Um estudo dos Perdidos no Apocalipse para a revista Criative-se sobre o mundo das marcas.

Mauricio Bottini
Criative-se
11 min readApr 20, 2020

--

Esta é uma publicação coletiva desenvolvida na disciplina de Criatividade e Inovação dos cursos de Design, Jornalismo e Publicidade e Propaganda (Faculdade Satc) com base nos estudos sobre Indústria Criativa. Esse texto abordará a área de Branding e Design, seus impactos na cadeia da economia criativa, curiosidades e cases. A equipe editorial que compões este material é composta por Bruno da Silva Demboski, Daniel de Souza Machado, Gabriel Abel Ortolan, Maurício Cachoeira de Moraes Bottini, Mikaelle Macedo, Monise Possamai da Silva, Raiane de Brito da Silva e Willian Gomes da Rosa. Uma ótima leitura!

De onde veio o “Brand”?

Ao ser traduzida para o português, “Brand” quer dizer “marca”. Hoje, ao interpretá-la, a primeira coisa que vem à mente são os nomes e os símbolos que as empresas utilizam para serem reconhecidas e diferenciadas da concorrência. E certamente, não está errado.

No entanto, nem sempre esse conceito entende-se dessa forma. Essa afirmação nunca passaria na cabeça de uma pessoa que viveu na Idade Média, por exemplo. A entenderia mais como o próprio verbo “marcar”, no sentido literal. Imagine que, naquela época, você teria um rebanho de bois e vacas. Nas proximidades haveria um outro dono que também obtinha uma quantidade semelhante de animais. De repente, um dos seus, resolve pastar em território na qual fosse misturado com o gado da vizinhança. Isso geraria uma confusão, já que, embora o animal confundido tivesse cores e manchas reconhecíveis para justificá-lo como seu, isso não era o suficiente para defendê-lo legalmente como sua propriedade.

Portanto, para que não houvesse mais esse tipo de problema, a única saída seria marcá-lo de alguma maneira. E foi o que aconteceu, apesar de que, infelizmente, a solução criada para isso não foi as das mais gentis para com o pobre animal. O método consistia em aplicar ferro quente contra o seu corpo tempo suficiente para que deixasse uma marca. O ato, foi um dos primeiros que posteriormente deu origem a palavra brand como é popularmente conhecida nos dias de hoje.

Imagem que representa um dos primeiros usos da palavra “Brand”

Confusões e desentendimentos semelhantes se fizeram presente no cotidiano das pessoas. Isso contribuiu para que o uso das marcas entrasse cada vez mais em uso. Além de evitar problemas de “plágio”, a partir dela, era possível atestar a origem do produto, assegurando confiança ao comprador, já que, na maioria das vezes produtor não o vendia diretamente.

O termo é novo, mas o conceito é antigo

Você consegue pensar na primeira grande marca do mundo? Talvez as que venham à cabeça são as que estamos acostumados a ver propagandas muito antigas, como Ford, Coca Cola ou Marlboro, mas na verdade a primeira grande marca, teoricamente, é pelo menos mil anos mais antiga que essas. Ela se chama Roma.

Claro, não existiam reuniões de brainstorm entre os marketeiros do império para discutir quais seriam as próximas campanhas publicitárias de Júlio César, obviamente nem os marketeiros existiam. Mas, de que forma você consegue manter um império com mais de 50 milhões de habitantes de pé por mais de 1000 anos? Com um conceito de cidade que conquistava até seus inimigos, uma comunicação visual inconfundível e uma política pública que fazia seu povo se sentir privilegiado por ser romano, ou seja: muito branding, antes mesmo de a palavra existir.

Branding à moda antiga

Agora, ao pensar sobre o século XX, nos encontramos em uma época onde negócios eram muito mais simples do que são hoje, a grande maioria das empresas eram locais. O proprietário trabalhava no estabelecimento e tinha contato com todos os seus consumidores diretamente: conhecia suas preferências de produtos, os atendia pessoalmente, e por isso acabava criando a personalidade da sua marca aos moldes do seu carisma.

Com o passar dos anos, grandes empresas surgiram e a tecnologia, aos poucos, facilitou o contato a distância, possibilitando o aumento da demanda. Com isso menos o produtor tinha contato direto com seus clientes e dessa forma, marcas deixaram de possuir a personalidade característica de seus donos e, em alguns casos, até mesmo nenhuma.

A internet permitiu que empresas conseguissem chamar atenção e, através disso, atrair um número enorme de pessoas. Fato esse que aumenta a concorrência a cada dia. Com a enorme quantidade de novas marcas no mercado, as empresas viram novamente a necessidade de se diferenciarem umas das outras através de suas ideias.

Gráfico que representa os níveis de personalidade das marcas ao decorrer dos anos

Nessa busca pela personalidade, corporações tentam encontrar uma conexão mais sentimental com seus consumidores. Essa necessidade tornou o branding uma das principais ferramentas no gerenciamento de uma marca nos dias de hoje, definindo cada marca em seus respectivos arquétipos e as personificando.

Branding e a Indústria Criativa

Para ser conhecida nos dias atuais, é essencial que a empresa seja original. Ela precisa transmitir sua personalidade e autenticidade de forma consistente e, nesse sentido, ser capaz de gerar valor à si mesma. Conseguir estabelecer uma conexão emocional com o consumidor permite despertar lembranças e um sentimento único de “essa marca me entende”. Não adianta a empresa falar para o consumidor que seu produto se destaca da concorrência, é necessário que os usuários tenham essa mesma percepção. Nesse cenário, a indústria criativa vai além de produtos, serviços e tecnologia, inclui também processos, modelos de negócios e gestão.

“Na crise, inovar para sobreviver. Na recuperação, inovar para crescer. No futuro, inovar para existir.”(FIRJAN, 2019)

Cresce a cada dia o reconhecimento da criatividade e o papel dos setores criativos no desenvolvimento da competitividade econômica de um país. A indústria criativa é valiosa economicamente e também funciona como consolidadora e fornecedora de valores intangíveis. O profissional de Branding será responsável por garantir que toda comunicação, verbal ou visual se convertam para o mesmo conceito.

O Branding associado a criatividade e inovação, faz com que uma marca se torne presente na vida das pessoas, cria um laço familiar, comunica de forma coerente sua identidade e autenticidade. E para isso é preciso entender os desejos e comportamentos do seu consumidor, gerar experiências diferenciadas e, principalmente, comunicar nos canais em que o seu público está presente.

O cenário brasileiro

Se branding é um assunto novo para o mundo inteiro, para o Brasil ele é ainda mais recente. Há apenas 13 anos atrás a designer brasileira Ana Couto trouxe esse conceito de seus estudos nos Estados Unidos e fundou a Ana Counto Branding & Design, um dos primeiros escritórios especializados em branding no Brasil. Hoje, mesmo possuindo grandes escritórios como o da própria Ana Couto e a Tátil Design, ambos responsáveis pelas comunicações de empresas importantes no cenário nacional, inclusive de muitos cases abordados nesse artigo, como Skol, Natura, e Magalu, diversas organizações renegam a importância do branding e design em suas estratégias, e continuam vendo principalmente o design como uma ferramenta sem tanta importância para o sucesso da marca.

Segundo a Insights 2020, 80% das marcas mais valiosas do Brasil concordam que o propósito da marca deve direcionar todas as ações da empresa, enquanto apenas 32% das marcas menos valiosas concordam. Portanto, vemos que ainda existe uma grande resistência das empresas ao branding e design, e isso fica ainda maior nas menores empresas.

Por isso, nosso país ainda tem uma longa estrada pela frente em busca de uma conscientização de todos em relação a importância do gerenciamento de marcas eficaz e com propósito. Porém, os primeiros passos nessa estrada já foram dados e já apresentam alguns indicadores no mercado nacional que comprovam o impacto que essa metodologia teve no nosso cenário

O poder do Branding

Um dos maiores exemplos de como essas questões são imprescindíveis, é o caso Uber. A companhia revolucionou o meio de transporte em todo o mundo, desempenhando hoje um papel bastante notável na Indústria Criativa. Apenas porque se permitiram sensibilizar o suficiente para entender do que as pessoas precisavam. Bastou pouco tempo para que fosse internacionalmente adotada. No Brasil, em um ano, a empresa contou com mais de 50 mil parceiros, totalizando hoje mais de 500 mil em todo o território nacional.

Logo da Uber, 2020

No cenário atual, como já dito, não adianta apenas existir. As marcas precisam se mostrar ativas, permanecerem atualizadas caso almejam relevância. Nesse caso, a Uber mais uma vez se torna um exemplo. Diversas vezes a marca se envolveu em causas que não faziam parte dos objetivos principais de serviços de transporte. Mas mesmo assim o faz.

Campanhas da Uber

Essas atitudes permitem que as pessoas se indentifiquem e se sintam parte daquilo que estão consumindo. Mais do que nunca as pessoas valorizam toda uma experiência com a marca, que passa, inclusive, pelas crenças, princípios e atitudes praticados.

Nesse sentido, de maneira exemplificada, o Branding transforma a marca em uma pessoa. A mentalidade, o astral, a forma que se veste, o jeito de falar e se comportar. Todas essas características são essenciais para torná-la única e desejável.

“Brand é o que as pessoas falam sobre você, quando você não está na sala” — Jeff Bezos.

No entanto, nem tudo são flores

Em muitos casos, marcas precisam utilizar-se do branding e do design para repensarem suas estratégias e escaparem de uma crise. Criatividade e ousadia dos realizadores nesses casos pode significar a diferença entre a empresa aumentar muito o seu valor ou acabar tendo que fechar as portas. Temos alguns casos muito notáveis de situações como essas aqui no Brasil. Empresas muito conhecidas que conseguiram se destacar da concorrência e “vencer a corrida” pelo gosto da maior fatia do público.

Esses são alguns exemplos brasileiros:

Havaianas

Os anúncios televisivos veiculados pela Havaianas são alvos frequentes de estudos publicitários. Na maioria das peças, uma celebridade conhecida passa por situações inusitadas que deixam no ar o valor dado às sandálias Havaianas. A ideia é deixar claro o que diz o slogan: todo mundo usa.

Publicidade Havaianas: Todo mundo usa

Contudo, a fama das sandálias não foi sempre assim. Até o início da década de 90, a empresa tinha como consumidores pessoas com baixo poder aquisitivo. Com o crescimento da pirataria, gerando preços insuperáveis, a Havaianas começou a ser deixada de lado pela clientela com menor poder de investimento. Por outro lado, a marca sabia que não podia tentar atingir as pessoas de classe mais alta, já que o produto estava completamente atrelado ao público que tinha como alvo.

Linha Top Havaians, 1994

Com a necessidade de reconquistar os clientes perdidos e atingir um mercado diferente, iniciou-se o processo de rebranding. Em 1994, a Havaianas lançou a linha Top, que contava com mais de 40 modelos com diversas variadas opções de cores.

Até o momento, a variedade oferecida pela empresa era quase nula. O preço também foi multiplicado, assim como o investimento em comerciais televisivos em horário nobre, com a participação constante de famosos. Como resultado, a empresa conseguiu mudar a percepção do público mais rico, que associava o chinelo às celebridades que o calçavam. Além da nova audiência, a relevância ganhada pelas sandálias Havaianas reconquistou grande parte dos clientes que foram perdidos para a pirataria ou para a concorrência.

SKOL

Como a maioria das marcas de cerveja que fizeram sucesso nos anos 90/00, a Skol tinha um padrão publicitário que buscava relacionar a marca aos momentos de diversão da vida. Acontece que, para passar essa mensagem, a cervejaria insistia em utilizar em seus anúncios modelos femininas exibindo corpos seminus. A estratégia, diga-se de passagem, fazia sucesso com o público-alvo da empresa, formado em sua maioria por homens.

Acontece que, com a ascensão de movimentos feministas e a conscientização do público geral, peças publicitárias com o foco na objetificação do corpo feminino passaram a ser muito mal vistas. Além disso, a cervejaria notou a necessidade de se comunicar também com o público feminino. Com essas duas percepções em mente, a Skol lançou em 2017, no dia internacional da mulher, uma campanha de rebranding. Em suas redes sociais, a empresa postou uma mensagem iniciada com a seguinte frase: “Já faz alguns anos que algumas imagens do passado não nos representam mais”.

Publicidade da Skol: Reposter

Deixando claro o desejo de mudar a própria abordagem, que hoje é considerada machista, o marketing da companhia não hesitou em, literalmente, revisar campanhas veiculadas em outros tempos. Para tal, seis ilustradoras foram convidadas para reconstruir pôsteres e anúncios antigos. Para consolidar a mensagem, foi lançado o Slogan “Redondo é sair do seu passado”. O rebranding inclui ainda, novas embalagens, um logo simplificado e até o lançamento de novos produtos.

Campanha Reposter da Skol

Natura

A Natura não decidiu realizar o rebranding para superar dificuldades. Mas, ainda assim, o que aconteceu foi uma avaliação interna, executada por meio de pesquisas com consumidores, consultores e revendedoras. A ideia era unir as riquezas naturais do país com a sensação de leveza e saúde despertada pelos seus produtos.

A logo abandonou o verde tradicional pesado para assumir uma imagem leve e colorida, não apenas para se adaptar aos formatos modernos, mas também para transmitir suavidade e movimento. A tradicional flor que se apoia na letra T ganhou cores mais quentes e um design que dá a impressão de que está flutuando. Esses elementos foram estrategicamente pensados para transmitir leveza, modernidade e a impressão de que a empresa está sempre em movimento.

Publicidade Natura: Novo Ekos

A partir do novo logotipo, a Natura atualizou o visual de cartazes, catálogos, sites e embalagens. Essas últimas foram modificadas de forma gradual, com o objetivo de facilitar a aceitação da audiência. Ainda assim, uma pesquisa realizada com consultores, consumidores e revendedoras revelou que a marca não seguia as atuais tendências do mercado, nem mesmo as propostas da companhia. A empresa, então, tentou resgatar os propósitos dos seus fundadores (humanismo, equilíbrio, transparência e criatividade) e conferir um foco maior aos ingredientes brasileiros.

Para evitar rejeições entre os consumidores mais fiéis, a companhia também providenciou uma campanha para preparar as consultoras e garantir que a nova identidade fosse inserida da maneira mais natural possível. Pouco a pouco as embalagens foram sendo substituídas e novos produtos lançados no mercado, até que toda a mudança fosse implementada plenamente.

O fruto gerado

Em um mundo onde as informações e inovações tecnológicas ocorrem a todo instante, é um desafio para todas as empresas se permanecerem sempre atualizadas. Para isso, pensar fora da caixa não é o bastante. Esse seria apenas o primeiro passo de um longo trabalho para se manter em pé.

Com bases nas necessidades e oportunidades encontradas, novas reflexões serão geradas até o produto chegar ao consumidor. Afinal, não trata-se apenas de tranformar matéria-prima em produto, mas criar uma solução criativa. Criativadede é o caminho para o futuro.

“Mesmo na Indústria Clássica, o futuro é Criativo!” (FIRJAN, 2019)

--

--