Tendência 2020: Niksen e o poder do “não fazer nada”

Jairo Arruda
Criativo Pensativo
Published in
8 min readFeb 18, 2020

Um artigo sobre comportamento e movimentos de resistência a cultura da produtividade na “era burnout”.

Imagens from the Pexels | Art by Jairo Arruda

Estamos exaustos. Queremos muitas coisas, mas quando alcançamos não aproveitamos por justamente estarmos ocupados. E viva os memes.

2016 me aproximei da pesquisa e da escrita. Slow Design e a customização foram objetos de estudo no temido TCC, com o objetivo de resgatar a personalidade dos produtos.

Na pesquisa observou-se que em função do capitalismo e da Revolução Industrial, os processos artesanais foram substituídos pela produção em série e os produtos passaram a carregar caraterísticas homogêneas. A singularidade foi sacrificada.

A homogeneização e o consumismo tem ocasionado produtos obsoletos. Entretanto, a sustentabilidade para esses modelos são questionáveis. Surge então, novos movimentos focados no decrescimento econômico, promovendo uma desaceleração no ritmo da vida, do consumo e no pensar.

Exemplo disso é o movimento Slow. Houve também o hygge, o conceito dinamarquês que explorava o pensamento do ficar em casa e transformar o lar em um templo. Depois, o lagom, com a mentalidade sueca de abordar a vida “tudo com moderação”.

Entretanto, todos eles entrelaçam-se no resgate da cultura do bem-estar. Desacelerar é o novo status. E nesse mundo contraditório, vivem os Millennials.

Enquanto de um lado a cultura do trabalho exige produtividade, glorifica a ocupação e sobrecarrega cada profissional, de outro lado uma tendência se fortalece em 2020: Niksen.

O assunto que está prestes a ser visto em qualquer lugar, segundo a Time.

O que é Niksen?

É um conceito de estilo de vida holandês. “Não fazer nada” é o significado literal da palavra, ou “fazer algo sem utilidade e aproveitar o ócio”.

Niksen vem como um termo e um estilo de vida que trata de reduzir o estresse e a ansiedade. Fazer nada “não é uma desculpa para não trabalhar, e sim para dedicar mais tempo ao relaxamento” —conforme a matéria da [Viva a Longevidade]

Praticar niksen pode ser tão simples como realizar uma caminhada, ouvir música ou observar a paisagem — “contanto que seja sem propósito”, ao invés de realizar para conseguir algo em troca, como defende Carolien Hamming — diretora administrativa do CSR Centrum (um centro de treinamento na Holanda que ajuda os clientes a gerenciar o estresse e se recuperar do desgaste).

Por que o movimento Niksen ganha força?

Hoje, um número crescente de pessoas está se sentindo estressado, ansioso e oprimido em meio a nossa cultura. Burnout foi reconhecida pela OMS (Organização Mundial da Saúde) oficialmente como uma síndrome com sintomas que incluem exaustão, cinismo e eficácia profissional reduzida.

Além do medo de perder (FOMO), e a dificuldade de relaxar no meio de tanta informação, a alegria em ficar de fora das redes sociais e desligar se torna uma opção (JOMO).

Se você busca compreender melhor essas duas siglas, indico assistir esse vídeo— FOMO x JOMO. Seja feliz fazendo o que você está fazendo agora.

Nesse contexto, descobrir as maneiras de relaxar que se encaixam melhor com você é descobrir a ‘arte de viver’. “Devemos ter momentos de relaxamento, e o relaxamento pode ser combinado com atividades fáceis e semi-automáticas, como tricô”, diz Veenhoven — um sociólogo holandês e autoridade mundial no estudo científico da felicidade.

Por que é importante desconectar e adotar niksen em nossas vidas?

De um modo geral, nossa cultura não promove ficar parado, e isso pode ter consequências abrangentes para nossa saúde mental, bem-estar, produtividade e outras áreas de nossas vidas. A tecnologia não facilita as coisas ou pior, muitas vezes potencializa a ansiedade. Criar um movimento, dar um nome para isso é a forma "cool" de criar um diálogo sobre o que estamos vivendo.

Nos tornamos “escravos com smartphone”. Projetos e alternativas tecnológicas são lançadas para nos libertar, como é o caso do Light Phone em 2018.

Light Phone e o Light Phone 2 recebendo uma ligação.

Entretanto Rodrigo Ghedin escreve, “o Light Phone 2 é legal, mas você não precisa dele para fazer as pazes com o smartphone”, precisamos aprender a usar a tecnologia com propósito e não como nosso passa tempo.

_Niksen ajuda a recuperar nossa memória

Estamos perdendo essa capacidade. Abraçar a ociosidade, desconectar ao invés de estar ocupado o tempo todo é uma capacidade que precisamos ensinar para nosso cérebro. Guardar datas, lembrar os nomes das pessoas é um desafio no momento que vivemos a dependência tecnológica.

Enjoy Now

Google tem percebido a ansiedade digital e desenvolveu alguns apps para estimular nosso controle com a tecnologia.

We Flip, é um app para utilizar em grupo. Depois de todos terem o app instalado, os telefones são virados e inicia-se o desafio para ver quem aguenta mais tempo sem o usar o celular.

Não existe um prêmio, mas torna-se interessante ver quem resiste mais tempo. Curiosamente as visualizações sem desbloqueio também são contabilizadas. Você testaria esse aplicativo?

_ Niksen aumenta nossa criatividade e a inovação

À medida que a capacidade de desconectar se torna cada vez mais um símbolo de status, permitir que o cérebro e a mente vaguem não apenas ajuda a reduzir o estresse, mas também aumenta a criatividade e a inovação.

A pesquisa Does Being Bored Make Us More Creative? de Sandi Mann descobriu que sonhar acordado — “literalmente nos torna mais criativos, melhora nossa capacidade de solução de problemas, e a criar melhores conexões dos pensamentos”. Ociosidade é o caminho.

Praticar o niksen é ter a capacidade de desligar completamente do mundo que nos rodeia e até de nós próprios.

Marcas e alguns criadores que estão atentos a essa realidade

Os consumidores estão cansados. As campanhas de marketing precisam se ressignificar como o case da D2C Burrow — marca de sofá que lançou o slogan “o sofá de luxo para a vida real”, criando vídeos baseados em personas e com arte onde comemoravam não fazer nada. “Não ter planos é o meu plano”.

Campanha publicitária da Burrow — Adweek

É hora de mudar a marca do desperdício de tempo. Criar conteúdos relevantes que conectem com o propósito das pessoas e não com foco direto em venda de produtos.

Ambientes calmos nas lojas. Espaços tranquilos e que tragam bem-estar é uma oportunidade e antídoto para o consumismo.

A estética explora o minimalismo e o natural imperfeito, ou simplesmente algo feito com tranquilidade e calma.

Um case é a Mineral — uma marca de saúde e bem-estar que desenvolve fórmulas que contem canabinoides e outras plantas resultando em produtos para melhorar a qualidade de vida. Suas fotos, a embalagem, a comunicação possuem uma limpeza e acuidade visual.

Os óleos são indicados para quem sofrem de ansiedade e inflamação durante a noite, produtos para restaurar e melhorar o sono profundo.

No viés de ajudar nossa geração a aproveitar a vida cotidiana, surge a Pattern — um conjunto de marcas estruturadas por cinco valores principais: Responsabilidade, Equidade, Aceitação, Curiosidade e Hospitalidade.

Pattern é uma família de marcas projetadas para ajudá-lo a aproveitar a vida diária.

A missão é trazer de volta o simples prazer de fazer algo:

Criamos marcas intencionais que o inspiram a aprender, experimentar e se divertir. Vemos rotinas como cozinhar, organizar ou cuidar de nossos espaços como oportunidades diárias para criar mais prazer e evitar o estresse.

Além disso, a responsabilidade social de cada Pattern Brands é traduzida como Give One, ou seja, cada marca compromete 1% da receita para organizações locais ou a comunidade onde estão inseridas. “Há sempre uma equipe envolvida nessas ações. Seja através de ações diretas, suporte estratégico ou trabalho voluntário aliado à criatividade”, diz o fundador - July Yang.

Até agora duas marcas compreendem o grupo: Equal Parts e Open Spaces.

A primeira marca, a Equal Parts — cozinhar com peças iguais, explora as melhores ferramentas para cozinheiros ocupados. Utiliza-se de tecnologia de aquecimento rápido. Cozinhe com menos óleo em seu revestimento cerâmico e limpe mais rápido as surperfícies escorregadias e antiaderentes. Tudo isso com o propósito de sobrar tempo para a atividade do preparar a comida.

Ter um lugar reservado para uma atividade que você ama aumenta a probabilidade de você fazer isso. Esse é o propósito da Open Spaces — uma marca de organização doméstica fundada com a missão de eliminar a bagunça e criar espaço para você desfrutar a vida.

Espaço para desconectar, ou seja, ter um lugar reservado e que incentiva isso é o que a marca defende e que incentiva a você fazer isso. —

Esses são alguns exemplos de produtos e muitos outros poderiam ser compartilhados. Vale ressaltar que tendência, comportamentos e novos conceitos surgem para fomentar um mercado. Lembre-se disso.

Dessa forma, traço minha conclusão.

Não podemos negar que existe uma grande contradição, que nossa humanidade vive exausta e que nosso corpo não está preparado para tanto ativismo. Trilhamos um caminho insustentável, tanto econômico, quanto emocional. Nisso, os holandeses tem muito para nos ensinar. Niksen tem importantes conceitos que esquecemos muitas vezes. Precisamos experimentar o poder de não fazer nada, mudar nossos hábitos e repensar nossas rotinas.

Por outro lado, Niksen é mais uma tendência. Movimentos vem e vão. Filosofias surgem. Não coloque sua esperança em algo transitório. Reflita, se hoje vivemos ocupados e sobrecarregados, tudo isso é reflexo dos valores que cultivamos e de glorificarmos as coisas erradas.

Trocamos a riqueza do tempo e a capacidade de desconectar por dinheiro, realizações. Glorificamos o ter e crucificamos nosso ser.

Talvez niksen soe estranho, mas que possa levar a reflexão. Experimente isso em casa.

Gostaria de saber sua opinião. Ficou interessado nessa tendência?

Acredita que é possível desconectar e praticar niksen?

REFERÊNCIAS:

Time — What is the Hygge?

Thrive Global — Como abraçar o valor holandês de “Niksen” pode ajudar a aumentar nossa felicidade. (conteúdo aqui, em inglês).

The New York Times — The Case for Doing Nothing

Huffpost Brasil — Ócio faz bem? Conheça o conceito holandês sobre não fazer absolutamente nada

Viva a longevidade — 3 dicas para aproveitar o “niksen”, a arte de não fazer nada

Manual do Usuário — O Light Phone 2 é legal, mas você não precisa dele para fazer as pazes com o smartphone

pplware — É hora de se desligar do telefone e a Google criou 5 apps para o ajudar

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Jairo Arruda
Criativo Pensativo

Cristão | Designer | Leitor e Amante de Gelatina — Escritor de Cartas e defino o mundo com uma cor: Amarelo.