Ideologia de género — evidências científicas e raízes filosóficas (2/3)

Joel Oliveira
Crist’óCentro
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14 min readMay 13, 2019

No artigo anterior desta série, exploramos os conceitos relacionados com a ideologia de género, e mergulhamos nos meandros da controvérsia que está no centro da mesma. Voltamo-nos agora para as evidências científicas, tentando explorar a forma como a ciência apoia ou refuta a ideologia.

III. EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS

Se os governos passam leis que refletem esta ideologia, se as associações de profissionais de saúde alteram as suas categorias, se os médicos dirigem pré-adolescentes para tratamentos hormonais que determinam o seu futuro, deve haver um apoio decisivo de evidências científicas indiscutíveis.

Do que estaremos então à procura, em termos de evidências científicas?

Se a ideologia de género vê o sexo como algo que é inteiramente construído socialmente, e o género como algo que pode ser escolhido e alterado de acordo com aquilo que cada indivíduo sente, então a pergunta chave é:

Há ou não há traços biológicos que determinem características cerebrais e psicológicas diferentes para homens e mulheres?

Se houver diferenças biológicas objetivas que dêem aos homens e mulheres uma psicologia diferente e que seja inata, toda esta ideologia cai por terra, porque aí teremos de ver o sexo não como algo que é apenas construído, mas como algo que nasce com a pessoa e é um factor incontornável no desenvolvimento da sua identidade.

Obviamente, essa influência da dimensão biológica não significa que não haja espaço para uma dimensão social na construção da identidade do indivíduo; mas havendo uma dimensão biológica nessa mesma construção, então terá de ser sempre levada em conta e não ignorada como os adeptos da ideologia de género se esforçam por fazer.

a) Diferenças genéticas

Sabemos que há diferenças genéticas entre homens e mulheres (o sexo de um indivíduo é determinado por um par de cromossomas (cromossomas sexuais). As fêmeas normalmente possuem o mesmo tipo de cromossomas sexuais (XX), e por isso designado por sexo homogamético. Os machos são o sexo heterogamético, contendo dois tipos distintos de cromossomas sexuais, um X e outro cromossoma Y.

Segundo a investigação mais recente, existem pelo menos 6500 diferenças genéticas entre homens e mulheres e é no mínimo arrojado afirmar que estas diferenças não têm qualquer influência no desenvolvimento da identidade e psicologia dos sexos — e como pergunta Colin Wright, biólogo evolucionista, “porque é que as forças biológicas que moldam toda a vida na terra devem ser exclusivamente suspensas para os seres humanos”?

Claramente, aquilo que sabemos atualmente sobre a genética humana, já é suficiente para saber que nunca poderemos falar com rigor de “mudar de sexo”: um homem será sempre um homem, e uma mulher será sempre uma mulher, independentemente de todas as operações de cosmética que se possam fazer.

Mas vamos explorar as evidências no nível cerebral e psicológico para perceber até que ponto as diferenças genéticas moldam a identidade, e olhar para um exemplo bastante citado nesta discussão: a Noruega.

b) Diferenças entre os sexos — o caso norueguês

Um documentário realizado na Noruega por Harald Eia, sociólogo e comediante norueguês, começa por apresentar dados impressionantes.

Nesse país, que tem estado consistentemente no topo do ranking mundial em questões de igualdade de género, e onde há muito que foi aberto o caminho para que as pessoas escolham livremente qualquer profissão, 90% dos enfermeiros são mulheres e 90% dos engenheiros são homens.

É o chamado paradoxo norueguês da igualdade de género, em que o governo procura por todos os meios incentivar uma distribuição igualitária dos sexos pelas profissões, e falha redondamente, seguindo os números as mesmas tendências desde os anos 80.

No documentário com o título sugestivo de “Lavagem ao cérebro”, Kristin Mile (4:15), que chefiou a Comissão para a Igualdade de Oportunidades, exclui a discriminação no mercado de trabalho como possível factor explicativo para os desconcertantes dados, e a ex ministra norueguesa da Cultura e das Crianças e Igualdade, Anniken Huitfeldt refere o facto de que as raparigas têm melhores resultados em todas as disciplinas menos a Educação Física (4:42), o que exclui algum pendor discriminatório no sistema de ensino.

Mas Catherine Egeland, diretora de Investigação no Instituto de Estudos do Trabalho (7:10) e Joergen Lorenzten (8:05) do Centro de Estudos Interdisciplinares de Género da Universidade de Oslo, referem liminarmente que os estudos que apontam diferenças no cérebro entre homens e mulheres estão ultrapassados 7:10–10:05.

A conclusão geral dos investigadores de género é que são somente as expectativas sociais, mesmo num país como a Noruega, que moldam os interesses das crianças desde tenra idade, resultando daí as diferenças observadas.

No entanto, há estudos que apontam noutra direção. Seguem-se alguns exemplos.

b) Diferenças entre os sexos: alguns estudos

Os também noruegueses Steven Sjoberg e Camilla Schreiner 5:15–6:22 — a partir de uma investigação com amostra recolhida em 40 países, chegaram à conclusão que quanto mais moderno e igualitário o país, maiores as diferenças nos interesses entre os sexos.-

De facto, muitos investigadores não só não estão tão certos de que as diferenças nos interesses entre sexos sejam meras construções sociais, como apresentam mesmo estudos que indicam uma forte componente biológica.

O psicólogo e professor dos EUA, Richard Lippa, numa investigação sobre interesses profissionais que envolveu 200 000 pessoas em 53 países e em vários continentes, chega à conclusão que há diferenças transversais às culturas entre homens e mulheres relativamente aos interesses profissionais: de uma forma geral, os homens interessam-se mais por trabalhar com coisas ou sistemas, como nas áreas de mecânica ou engenharia, e as mulheres interessam-se mais em trabalhar com pessoas, em áreas como enfermagem e educação (14:52).

Como conclui o Dr Lippa, quando há diferenças consistentes entre inúmeras culturas, isso é um sinal claro de que há um factor biológico importante.

No entanto, para se ter a certeza de que realmente essa consistência nas diferenças aponta claramente para a biologia, e não se trata de uma extraordinária coincidência, é necessário perceber quão precoces são as diferenças.

Para averiguar precisamente isso, Simon Baron-Cohen, professor de Psiquiatria no Trinity College, em Cambridge, realizou uma investigação com crianças recém-nascidas (20:24), cujos resultados documentou também num livro.

Mostrando objetos mecânicos e rostos a 100 bebés com um dia de vida, e observando as suas reações, concluiu que mais meninos olhavam mais tempo para os objetos mecânicos e mais meninas olhavam mais tempo para as caras.

Como refere o investigador, não há brinquedos nem preconceitos culturais impostos previamente. São crianças com um dia de vida, e todas as diferenças observadas mostram um factor biológico claro que começa ainda na vida intra-uterina.

A produção de hormonas, em particular, refere o investigador, parece ter um efeito profundo no desenvolvimento do cérebro: os homens, por exemplo, produzem duas vezes mais testosterona do que as mulheres. A investigação mostra que quanto mais altos os níveis de testosterona, mais tardio é, por exemplo, o desenvolvimento da linguagem, menor é o contacto visual, a capacidade para a empatia, e maior é o interesse por sistemas e mecânica.

Finalmente, Anne Campbell (25:35), psicóloga evolucionista da Universidade de Durham em Inglaterra, refere aquilo que poderia — e deveria — ser óbvio: dada a função reprodutiva das mulheres, nada mais natural do ponto de vista evolutivo do que haver um mecanismo psicológico que torne essas tarefas particularmente prazerosas para as mulheres.

Elevada propensão para a empatia, e a tendência para evitar situações de confronto físico, procurar a inclusão social e ser agradável para o grupo, entre outras, seriam características favorecedoras de condições que permitiriam às mulheres levar a cabo, com sucesso, a sua função reprodutiva e de deixar descendência.

A questão que Campbell coloca é também óbvia: se existem diferenças físicas como seios, e vagina nas mulheres, testículos e pénis nos homens, onde é que essas diferenças se originam e o que as coordena?

Mais uma vez, a resposta é óbvia: o cérebro humano, diferente entre os sexos, tal como as diferenças que coordena e alimenta.

De facto as evidências de diferenças entre cérebros de homens e mulheres potenciadas pelas hormonas são esmagadoras, e os estudos estão disponíveis para quem se der ao trabalho de consultar com um mínimo de honestidade intelectual. Este, de dois investigadores da Rockefeller University em Nova Iorque, refere em particular os efeitos no cérebro dos estrogénios, com influência no humor, função cognitiva, regulação da pressão arterial, coordenação motora, dor e sensibilidade aos opióides.

c) Diferenças entre os sexos: conclusões

No fim do documentário e apesar de todas as evidências, temos a cereja no topo do bolo, pela boca de Catherine Egeland, que diz o seguinte:

Eu penso que as ciências sociais devem contestar o pensamento que vê as diferenças entre os seres humanos como biológicas.

Prestemos atenção à singular expressão “contestar o pensamento”. Mas não será a tarefa das ciências, sejam sociais ou não, seguir as evidências até onde elas conduzirem?

Claramente não; e isto mostra-nos que a ideologia vem antes das conclusões científicas e nem sequer há abertura para seguir as evidências até onde elas poderiam conduzir.

Mais: abundam os relatos que mostram que quando algum cientista demonstra interesse em explorar esta questão das diferenças biológicas, imediatamente é acusado de querer justificar abusos aos direitos das mulheres e pessoas LGBT+.

Ora, esta pretensa submissão das conclusões científicas à ideologia é nada menos do que a antítese da ciência. E na raiz desta visão das ciências sociais como apenas um instrumento ideológico para rebater o pensamento da biologia, está a assunção de que as diferenças significam obrigatoriamente inferiorização.

Como diz Angela Saini, cientista e feminista, no seu livro intitulado “Inferior”, onde acusa a ciência de estar minada de inferiorização das mulheres durante toda a sua história:

Este é o ponto de interrogação que paira sobre nós, a levantar a possibilidade de que as mulheres estão destinadas a nunca atingir a paridade com os homens porque os seus corpos e mentes simplesmente não são capazes de tal.

Vemos então que, como esta autora assume logo à partida uma ligação entre diferenças biológicas e inferiorização/superiorização.

É verdade que as diferenças biológicas podem ser usadas para justificar a opressão das mulheres, mas não tem de ser assim: esta ligação não existe obrigatoriamente, existe por má fé de quem se vale dela para apoiar as suas filosofias, práticas, ou políticas discriminatórias.

Por isso podemos e devemos dizer sem medo que as mulheres são, em muitas situações e contextos, vítimas de opressão, e que é preciso combater injustiças.

Segundo dados das Nações Unidas:

  • Pelo menos 200 milhões de mulheres e raparigas em 30 países foram submetidas a mutilação genital feminina;
  • Em 18 países, os maridos podem legalmente impedir que suas esposas trabalhem;
  • Em 39 países, filhas e filhos não têm direitos de herança iguais;
  • 49 países não têm leis que protejam as mulheres da violência doméstica.

Estas situações devem fazer-nos pensar e lutar por um mundo mais justo para ambos os sexos. Mas para isso não é necessário, como querem os adeptos da ideologia de género, eliminar as diferenças biológicas óbvias entre os sexos.

A diferenciação não tem de conduzir à inferiorização; se quisermos dizer que conduz, temos de dizer que a própria diversidade é uma coisa má e que produz discriminação.

Ora se a diversidade para nós é um valor ou uma bandeira (como é claramente para a generalidade dos movimentos que lutam pela igualdade de género), então temos de celebrar as diferenças e não querer eliminá-las.

Independentemente de tudo isso, devemos estar abertos para as evidências científicas nos levarem mesmo até onde porventura possamos julgar contraproducente para as nossas convicções ideológicas

d) Conclusão

Porque é que não examinámos aqui estudos a focar a dimensão cultural das diferenças entre géneros? Porque nenhum investigador nega o peso cultural das diferenças; são alguns investigadores das ciências sociais adeptos da ideologia de género que negam liminarmente a dimensão biológica, não considerando sequer relevante estudar as possíveis diferenças biológicas.

Isto mostra-nos claramente, como vimos, que a ideologia vem antes das conclusões científicas, e nem sequer há abertura para seguir as evidências até onde elas poderiam guiar a investigação.

Entretanto, já fomos abordando de forma superficial as raízes filosóficas da ideologia de género. Chegou a hora de as examinarmos com mais profundidade.

IV. DONDE SAIU ESTA IDEIA?

É o momento de percebermos quais os pressupostos filosóficos que estão por trás destas ideias radicais, para o que vamos voltar à definição de ideologia de género proposta pela Dra Michelle Cretella, do American College of Pediatricians (ACP).*

A ideologia de género é um sistema de crenças que afirma que o sexo é uma construção social. A ideologia de género ensina que cada pessoa tem algo chamado “identidade de género” no cérebro, que pode ou não ser o mesmo que o seu sexo biológico. O seu princípio base é que essa “identidade de género” é mais real do que a realidade biológica material do sexo de uma pessoa. Michelle Cretella, MD, (presidente do American College of Pediatricians)

Nesta definição encontramos duas ideias chave que nos indicam as filosofias que estão na base da ideologia de género:

  1. A ideia de que o sexo é uma construção social
  2. A ideia de que a “identidade de género” é mais real do que a biologia, e de que a segunda deve submeter-se à primeira

Estas ideias apontam-nos para as raízes filosóficas da ideologia de género.

a) Ideologia de género: raízes filosóficas

Na afirmação de que o sexo é uma construção social e não uma realidade biológica objetiva, estão implícitas duas filosofias.

O construtivismo social relativista

Por um lado, temos esta linha construtivista social relativista que diz que não havendo uma autoridade suprema, nem uma verdade absoluta, tudo é construído culturalmente e portanto subjetivo (incluindo a própria identidade).

Segundo esta perspetiva radical, a realidade não tem uma essência objetiva, o que há é múltiplas interpretações ou construções da realidade, todas elas igualmente válidas.

Poucos são os teóricos que assumem esta posição construtivista radical, mas é exatamente esta filosofia que vemos posta em prática nas ideias que estão na base da ideologia de género.

O ser humano deve então construir a sua própria identidade de género, sem referência a qualquer entidade superior, neste caso a biologia: por isso a identidade de género é vista como mais “real” do que a realidade material biológica do sexo.

Como diz Andrew Fellows no seu ensaio intitulado A Cultura do Narcisismo:

“Quando o que está do lado de fora deixa de fornecer uma auto-compreensão saudável, resta-nos retirarmo-nos para dentro e tentar construir a nossa própria auto-compreensão.”

No fundo, o que temos aqui é nada mais do que o pós-modernismo colocado em prática de uma forma coerente com as ideias que lhe estão na base.

Havia muito para dizer sobre o pós modernismo, mas vamos ficar com esta definição de Lyotard, o primeiro autor a usar esta expressão:

Simplificando ao extremo, eu definiria pós modernismo como incredulidade relativamente às meta-narrativas — Jean François Lyotard, A condição pós-moderna

Significa que já que há um número incontável de maneiras pelas quais o mundo pode ser interpretado e percebido, então nenhuma forma de interpretação, é superior — não há nenhuma meta-narrativa ou interpretação definitiva da realidade, todas são igualmente válidas.

Por isso é que o pós modernismo vive bem com contradições, e não nos devem espantar as profundas irracionalidades da ideologia de género.

Por exemplo, podemos perguntar: se não há diferenças entre homens e mulheres, então como se pode falar numa identidade de género feminina em pessoas que são biologicamente homens, ou masculina em pessoas que são biologicamente mulheres? Como se identifica essa identidade?

Resposta: recorrendo aos estereótipos de género que a ideologia diz querer destruir em primeiro lugar. Percebe-se que uma mulher é um homem se ela quiser usar roupas de homem e quiser ter um pénis — um pénis que é, no fundo, também uma construção social, segundo esta filosofia.

É por isso que os movimentos feministas (que promoveram a ideologia de género em primeiro lugar) estão a insurgir-se contra o ativismo transgénero: este alimenta-se dos estereótipos de género e transforma homens com pénis em mulheres — mulheres que depois suplantam as “outras” mulheres em provas desportivas como a do Campeonato Mundial de Track Cycling, por exemplo, que resultou na primeira “mulher” [homem biológico] transgénero campeã(o) mundial numa prova desportiva.

É preciso dizer que o feminismo radical está a provar do seu próprio remédio. Este alimenta-se da ideia de que o sexo é uma construção social e que não há diferenças psicológicas entre homens e mulheres, por isso os movimentos feministas radicais também deveriam apoiar esta ideia de que um transgénero com pénis é uma mulher se for essa a sua identificação de género.

O que os movimentos feministas não querem é lidar com as consequências práticas da sua própria filosofia, que mina completamente a essência do que significa ser mulher.

Outro grupo que fica também numa posição muito desconfortável são os homossexuais: um homem que é atraído por outros homens e que se interessa por coisas tipicamente femininas, não será na realidade um transgénero?

Essa sombra pairará sempre sobre os homossexuais se esta ideologia for verdadeira, e, nesse sentido, o transgenerismo ameaça claramente a homossexualidade enquanto conceito: um homem não é objetivamente homem — tudo isso são construções sociais e estereótipos.

Todas estas contradições são reais, mas o pós-modernismo consegue acomodar todas elas: não há verdades absolutas, e todas as interpretações da realidade valem o mesmo.

Mas não é o pós-modernismo a única filosofia na base da ideologia de género; há outra filosofia que podemos detetar subjacente às ideias que compõem esta ideologia.

O marxismo

Para Marx a desigualdade económica era a raíz de todos os males, e a utopia que idealizou preconizava uma sociedade sem desigualdades, sem sistema de classes, sem propriedade privada, sem direitos individuais (que Marx achava que se resumiam a proteger o direito dos proprietários de propriedade de se apegarem à mesma), e também sem estado (que ele apelidava de “comissão para administrar os assuntos da burguesia”).

Por conseguinte, no marxismo, a história pode ser vista como uma batalha entre oprimidos — a classe trabalhadora ou proletariado — e os opressores — a burguesia que detinha a riqueza e os meios de produção.

Lemos no Manifesto do Partido Comunista, escrito por Marx e Engels:

A história de toda a sociedade até aqui é a história de lutas de classes.

Segundo a cosmovisão marxista, se apenas conseguirmos ajustar a sociedade de forma a eliminar as injustiças sociais, é possível acabar com o sofrimento humano.

Para alcançar esse objetivo, Marx via — e encorajava — apenas um meio: a revolução pela classe trabalhadora, que levaria ao estágio final da história, o comunismo — que, escreveu Marx, “é a solução para o enigma da história e conhece-se a si mesmo como essa solução.”

Ora no aprofundamento desta dialética entre oprimidos e opressores, Marx e Engels, seu colaborador de uma vida, chegam àquilo que consideram a raíz de toda a opressão.

Engels escreve:

O primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classes coincide com a opressão do sexo feminino pelo masculino.

E Marx acrescenta:

“A família moderna contém, em germe, não apenas a escravidão (servitus) como também a servidão, pois, desde o começo, está relacionada com os serviços da agricultura. Encerra, em miniatura, todos os antagonismos que se desenvolvem, mais adiante, na sociedade e em seu Estado.”

Começamos a vislumbrar a influência marxista na cultura que dá origem à ideologia de género: aliadas ao motor do construtivismo radical pós-modernista que vê as construções humanas das identidades de género como mais reais do que a biologia, as ideias marxistas vêm dar o combustível necessário para que a ideologia se transforme em revolução — não uma revolução militar pela força, mas uma revolução cultural que começa nas mentes das pessoas e muda a cultura de baixo para cima. Por isso falamos de marxismo cultural.

Quem são então os opressores e os oprimidos na ideologia de género?

Apesar de começar pelos homens que oprimem as mulheres, passando pela religião que é vista como não mais do que um instrumento para perpetuar os dogmas da opressão — e estes elementos são diretamente importadas do marxismo — a ideologia de género leva a revolução a um novo nível, sendo a biologia, que traz a ideia de que a opressão é natural, também um instrumento de opressão, e portanto um alvo a abater.

Um Deus criador é o inimigo, mas na sociedade pós-cristã ocidental Deus já está morto; a religião continua a ser vista como uma ameaça, mas agora, uma ciência que aponta para uma realidade objetiva criada e mantida por leis da natureza, é também um alvo a abater na construção livre da identidade do ser humano.

Em conclusão, vemos que a ideologia do género tem na base duas filosofias que deveriam ser incompatíveis. Como diz Jordan Peterson:

Os pós-modernistas deveriam ser tão céticos em relação ao marxismo quanto a qualquer outro sistema de crenças canónico.

Mas de facto, na prática, não são. Antes, aliam-se contra um inimigo comum: o cristianismo.

A cosmovisão judaico cristã é, por causa dos valores que lhe estão na base, o pior inimigo deste neo-marxismo pós moderno, e também, por inerência, da ideologia de género. Iremos explorar o que a cosmovisão cristã tem a dizer sobre este tema no próximo texto desta série.

* É importante referir que O ACP é uma associação de pediatras que se separou da American Academy of Pediatrics (AAC) — ou Academia Americana de Pediatras em 2002 por causa do apoio deste organismo à adoção por casais homossexuais.

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