Vocês Ainda Não Viram Nada! 

Não viram mesmo. 

Matheus Massias
2 min readMay 24, 2014

Alain Resnais. Nouvelle Vague. Favoritinho do cinema francês. Morreu recentemente. Sim.

É uma grande perda.

Quando olhamos para trás e vemos Ano Passado em Marienbad e Hiroshima, Meu Amor constatamos não só uma grande voz, mas um conhecedor nato da exploração (áudio)visual do cinema. Resnais não fazia parte da trupe dos Young Turks (ainda bem), e assim pôde desenvolver seu cinema de uma forma peculiar mas, de certa forma, bem contextual. Se as pessoas se preocupam com a narrativa do cinema, uma história com começo-meio-fim, Resnais desvirtua isso com Marienbad, é igual ler Ulysses do James Joyce (que, cá entre nós, não deixa de ter um começo-meio-fim). A câmera de Resnais é um verdadeiro fluxo de consciência (ou a falta dela) na tela. Diferentemente, Hiroshima tem outra pegada, foca na narrativa, mas mesmo assim não peca nos aspectos cinematográficos, sejam eles ficção e documentário, decupagem, atuação de primeira (tem a linda da Emmanule Riva, né), etc., etc., etc.

Em Você Ainda Não Viu Nada! (2012), Resnais brinca e explora os limites do cinema e do teatro, seja na sua forma, seja no seu conteúdo. Se o filme foi gravado digitalmente, hei de observar que o filme digital francês é horrível em suas atribuições digitais no que tange fotografia, comparado ao americano, por exemplo. Enfim, é só uma questão de tecnologia. Resnais se supera mesmo é na abordagem entre duas artes, sua desconstrução e sua ratificação de ajuntamento. Quer dizer, teatro e cinema estão igualmente longe de serem iguais (e diferentes, todavia), mas o modo que o diretor da left bank aborda as duas vertentes é magistral. O filme pode parecer complexo e chato ao mesmo tempo, mas temos que admitir e admirar a subversão de Resnais (um homem de o quê, oitenta e poucos anos, noventa?) no que rege a narração cinematográfica.

Você Ainda Não Viu Nada! conta a história de Orfeu que, na verdade, é a história de um diretor de teatro, que conta a história de Orfeu, e fingindo estar morto, pede para os antigos atores e atrizes de sua peça comparecerem ao seu ritual de testamento. Ambientado numa pomposa residência—que lembra (bastante?) Marienbad—o filme se constrói num vai-e-vem entre presente e passado, Resnais constrói um filme (ou peça) dentro de um filme, a partir do fora e dentro, do atual e do passado, que se mistura de forma quase hermética. Confesso que o filme cansa, mas as atuações e as construções de cenário e quebra de narrativa pelo espaço são absurdas = geniais.

Não adianta falar muito do filme, é melhor ver.

Até porque ainda não vimos nada

Florianópolis, 23 de maio de 2014.

M. B. Massias

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