A coragem de ser quem somos

Camille
CRÔNICAS
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3 min readNov 24, 2016

Desde quando me entendo por gente, sou limitada. Quando ainda menina, aprendi que não podia sentar de pernas abertas (“que deselegante!”) e, mais tarde, como moça de família, era impensável que meu namorado dormisse na minha casa (“não há necessidade!”). Mais que detalhes como esses — que entram em mérito de criação, etc, e não é meu objetivo questionar aqui — , aprendi que falar alto é feio, rir alto é necessariamente um grito para chamar atenção e que esse meu jeitinho impaciente não fazia bem a ninguém.

Cabia a mim sentar com as pernas para o lado, manter a postura impecável e dizer “estou satisfeita” em vez de “estou cheia”. Aprendi que tenho que ser paciente, ouvir tudo o que falam e discordar com elegância. Sou mais nova, estou errada. Sou mulher, estou errada. Uma vez, numa gincana de autoconhecimento, ligaram para cinco conhecidos meus perguntando quais eram minhas qualidades. Todos falaram “educada”. Parece que sim. E isso é ótimo, certo?

Mais ou menos. O problema é que prefiro sentar de pernas cruzadas ou deixá-las esticadas, acho confortável. Quando me empolgo, meu tom de voz vai levantando e nada me desanima mais que um “shh, fala baixo”. Sou toda abraços, conto sobre partes importantes da minha vida para quem me passa segurança e quer ouvir, e vivo com o pé atrás com as pessoas — mesmo quando tô de braços e coração abertos, querendo que ela entre. Falo que estou cheia quando estou mais que satisfeita. Peço licença, mas admito que de vez em quando minha impaciência me faz dar uns empurrões.

É claro que existe hora e lugar para tudo. É claro que não vou chegar gritando em um evento formal, por exemplo. Mas um dos momentos que mais me senti em casa foi quando cheguei numa festa na qual conhecia pouquíssimas pessoas, e nenhuma delas eu conhecia bem, e ouvi um “que bom que você conseguiu vir!”, com direito a um sorriso sincero e uma bela olhada nos olhos. Os melhores momentos da vida são livres de medidas.

Ontem, conversando com um amigo, comecei a listar as coisas que queria mudar. Falei sobre o quanto eu queria me doar menos, me entregar menos e sentir menos. Falei sobre como eu queria ser menos transparente, mais paciente e não chorar por qualquer coisa. Tinha acabado de ouvir de uma amiga que eu era meiguinha demais, enquanto outra brigava comigo porque eu estava sendo muito grosseira.

Estávamos num daqueles momentos de honestidade pura, sabe? Quando a gente fala das coisas que nos envergonham e nos deixam cismados e não somos julgados por nada disso. Quando o “está tudo bem” vem em forma de um sorriso e um abraço. Ele ouviu tudo, olhando para a frente, esperando meu tempo de ajeitar as palavras num tom que desse para entender. E respondeu:

— Mas se você mudar tudo isso, não vai ser você.

Nas entrelinhas do momento estava um “você é assim, aceita e abraça isso e vai ser feliz, garota”. E por mais que seja óbvio, precisei de uns momentos para entender que eu nunca vou ser perfeita, seja nos olhos de quem for. E que, de verdade, está tudo bem. Em segundos (ou foram minutos?), minha cabeça desatou mil e um nós que eu vinha dando há pelo menos duas semanas. Naquele momento, com aquela pessoa, essa frase foi exatamente o que eu precisava ouvir.

Foi aí que descobri que existe um conforto incrível em saber que alguém gosta de você exatamente do jeito que você é. Não apesar dos seus defeitos, mas, talvez, por causa deles.

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Camille
CRÔNICAS

dentre outras coisas, uma pessoa lidando com transtorno de ansiedade generalizada e depressão.