A crônica que não escrevi sozinho

Metido a Cronista
CRÔNICAS
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5 min readApr 16, 2018
Jamie Street, Unsplash

Este texto não foi escrito por mim. Não só por mim, pelo menos. Esta semana fui surpreendido por uma mensagem no Whatsapp que não esperava receber. Me pegou de surpresa, no meio da agência onde trabalho. Era de um amigo, do interior de Goiás. Crescemos juntos. Estudávamos juntos. Amávamos videogame e desenhos japoneses. Mas a vida acabou nos levando por caminhos diversos.

Receber essa mensagem me emocionou em um nível que não tenho palavras pra descrever. E olha que sou escritor. Comecei a chorar no meio da agência e fui me esconder emocionado no banheiro. De tão comovido, resolvi compartilhá-la com o mundo. Porque receber esse tipo de feedback é o que me faz parar a vida, abrir o peito e escrever tudo que eu sempre escrevo por aqui. E para mostrar, pra quem ainda aí está preso no armário, que a vida é muito mais colorida aqui fora. Eu mesmo nem lembro mais como é estar lá dentro.

Esta mensagem é um sinal de que o melhor a fazer nessa vida é sermos nós mesmos. Quem te amar, vai continuar lá.

A mensagem:

"Fala, João!
Beleza, cara!?

Mano, já tem um tempo que eu queria falar com você… mas a vida foi levando a gente pra caminhos distantes e acabamos nos afastando. Quando eu comecei a ler suas crônicas, no entanto, foi como se eu fosse aos poucos me reaproximando.

Fico me lembrando de como éramos próximos! Cara, você estava ali na categoria dos meus melhores amigos. E eu sempre tive sorte, porque sempre tive grandes amigos em grupos muito distintos. Mas você era sim um dos melhores. Eu era de dentro da sua casa… Lembra de um roteiro de Cavaleiros do Zodíaco que fizemos juntos? E muitas vezes me pergunto qual foi a curva exata que nos afastou…

Hoje, lendo seus textos, fico cheio de uma felicidade simples e sincera. Fico sinceramente feliz porque sinto que você se encontrou. Se aceitou. Vejo que você está muito feliz com essa nova versão de você. Parabéns! Pela coragem e por todo o processo… sei que no fundo foi uma barra, mas foi gratificante no final.

Mas eu quero te dizer que, pra mim, não há duas pessoas. Suas crônicas me colocam em contato com o João Vicente do colégio. Só que um João Vicente mais maduro! É como se eu pudesse te ver falando. É como se eu estivesse diante de você. Sei que parece contraditório, porque quem te vê hoje, realmente pensa que é outra pessoa. Mas eu sei que há só um de VOCÊ. E eu sempre soube QUEM você é. Acho que é isso o que mais quero te dizer hoje. Que minha amizade continua a mesma, porque o que você aceitou hoje não é diferente do que eu sempre via em você. Do que eu, no fundo, sabia de você. E mesmo vendo e sabendo, aceitei como um de meus melhores amigos, sinceramente. Nunca houve nada em você, que 'deslegitimasse' nossa amizade.

Não tenho o mesmo esmero ao escrever… mas espero que tenha entendido! Isso é pra falar que ainda sou o mesmo também! Só mais maduro… E o mesmo amigo seu! Parabéns por ser essa versão mais completa e sincera. Precisando, estamos aí!

Abraço!"

Minha resposta:

"Não sei nem por onde começar a responder essa tua mensagem. A primeira coisa que te digo é que estou com lágrimas nos olhos ao te escrever de volta. Te garanto que não foi fácil esse processo de me aceitar. Mas de uns tempos pra cá, especialmente com os textos que tenho escrito, tudo se tornou mais fácil e natural. E que felicidade saber que você os lê.

Nesse processo, eu acabei sim me afastando de algumas pessoas pra ficar mais próximo de quem supostamente eram meus 'iguais'. Para me proteger. Para tentar me entender aos poucos. Mas se tem uma coisa que eu descobri ao longo dos últimos anos é que não existe isso de iguais. Somos todos diferentemente iguais. Humanos. Cheios de falhas. Hoje eu estou tão bem resolvido comigo mesmo que afirmo em alto e bom som que não mudaria absolutamente nada em mim. Nada. Ser gay faz parte da minha identidade.

E por falar em identidade, você fez parte dessa construção. Por ter sido um dos meus melhores amigos nesse caminho que segui. E realmente não sei qual foi a curva que me levou pra um lado e te levou pro outro, mas sempre que lembro de você e daquela época é com muito carinho por tudo. Por ter sido sempre incrível comigo. Porque quem era próximo de mim sempre soube o que eu era. Provavelmente até antes de mim. Antes de que fosse possível eu olhar no espelho e me aceitar como eu sou.

Você foi um desses caras.
E essa mensagem só me mostra como continua sendo um desses caras.

Estou longe fisicamente, mas fico feliz sempre de ouvir notícias suas. De como conseguiu realizar seu sonho de ser médico. Que se casou com uma menina linda e que está muito feliz. Aparecendo no Instagram do colégio que estudávamos como um dos cases de sucesso da escola. Estou longe, mas estou sempre daqui torcendo.

Eu acabei de voltar de Goiás, mas faço questão que na próxima vez que eu for, a gente sente pra jantar e colocar a conversa em dia. Sua mensagem alegrou meu dia e é sempre bom receber esse tipo de apoio de gente que esteve comigo desde o princípio.

Você sabe que isso é raro e foi um dos poucos amigos daquela época que fez isso por mim.
Aliás, pensando bem, talvez tenha sido o único.

Por isso não posso dizer nada além de obrigado. Continuo o mesmo da época da escola (talvez um pouco mais forte e mais barbado hahaha — e sim, mais maduro), mas o mesmo. E isso significa que você continua sendo uma das pessoas mais queridas que já caminhou comigo nessa estrada chamada vida.

❤"

Pedro Henrique, obrigado por esse abraço que atravessou três estados brasileiros e chegou até a mim aqui em São Paulo. Dedico esta crônica a você, velho amigo :)

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