A falsa liberdade dos silêncios

Camille
CRÔNICAS
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2 min readNov 30, 2016

Desconfio que só somos verdadeiramente livres na infância. Quando ainda não aprendemos todas as regras sociais e estamos muito bem sendo quem somos sem reservas. Quando crianças, demonstramos tudo: se estamos felizes, tristes, chateados, irritados, insatisfeitos, satisfeitos. Nossas mentiras são tão ruins que todo mundo as saca na hora. Nossos sorrisos são tão sinceros que contagiam todos ao nosso redor. E nossos berros são tão irritantes que tiram qualquer um do sério.

Mas aí crescemos. Não sei quando exatamente as coisas começam a desandar. Talvez quando a menina entende que seu corpo é diferente do corpo do menino e isso muda tudo. Talvez quando tentamos ser quem somos, mas começamos a ser limitados por causa do nosso gênero, da nossa cor e da nossa classe social. Sei que, a partir desse momento, quando ainda estamos começando a descobrir e formar nossa identidade, algumas coisas se tornam muito relevantes.

Não é mais possível falar abertamente sobre o que você sente ou vive: ninguém quer saber, ninguém se importa, todo mundo se cansa. Se for ruim, alguém comemora com um risinho, diz que foi merecido. Se for bom, questionam se você merece, se não deveria ser outra pessoa sentindo (e vivendo) determinada coisa. Se você viaja, estão mais preocupados em como você conseguiu o dinheiro do que se você está se divertindo ou não. Desaprendemos a ser empáticos e fortalecer as relações por meio de sorrisos, abraços e consideração. Desaprendemos a habilidade de ficar feliz pelo outro e a vontade de fazer o outro feliz.

Parece besteira, mas estamos tão limitados que o que mais tem por aí é gente falando que sentimento não se demonstra, porque se demonstrar demais — e claro que esse demais nunca é o mesmo para duas pessoas — é carência, e de carência a gente foge. Estamos tão fragilizados que não compartilhamos nossas conquistas e sorrisos e tristezas com medo do que outras pessoas vão pensar ou fazer, se vão usar o que falamos contra nós mesmos, naquele momento em que menos esperamos.

Não nos permitimos chorar. Passamos os dias fazendo piadas autodepreciativas porque não queremos dar a chance de outras pessoas fazerem isso primeiro. Recusamos a ideia de pedir ajuda. Achamos que ser forte é estar por cima, olhando para baixo. Confundimos isso com segurança. Mas estamos mesmo seguros?

Queremos ser aceitos por ser quem somos, mas apontamos o dedo e julgamos quem não segue os nossos padrões do que é certo e errado. Não ouvimos, porque estamos gritando para sermos ouvidos, mas tudo em silêncio, para ninguém notar.

E o pior é que seguimos assim. Com um sorriso falso, uma postura fingida e o coração pesado por tudo que escondeu ao longo dos anos. Só que, pra mim, assim não está bom. Nem um pouco bom. E para você?

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Camille
CRÔNICAS

dentre outras coisas, uma pessoa lidando com transtorno de ansiedade generalizada e depressão.