Acidente indiplomático

mark cardoso
CRÔNICAS
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3 min readNov 28, 2017

De repente, estou dentro de um grupo de mensagens. Uma amiga de SP me apresenta para sua amiga, recém-mudada para NYC, pra estudar na Parsons. Protocolo encerrado e simpatias trocadas, tentamos marcar um café ou drinks nos próximos dias.
Acaba que, de repente, sou convidado para beber em Nolita, com ela e uma outra amiga. Finalizo o jantar no SoHo e sigo pra lá.
Para desespero de Melanie Klein, o lugar se chama “Mother’s Ruin”, na meiúca do East Village. Noventa por cento do bar são locais. O resto, são elas, semi-yankees, e eu, forasteiro.
Papo vai, papo vem, três pints de Ipa pra cada depois, me fizeram ler seus mapas astrais no que já se encaminhava para ser uma divertida noite de sexta-feira.

A Parsons girl precisava estudar no dia seguinte e já começava a se ajeitar para ir embora. Pena… eu tinha ficado interessado. Mas mestranda… sei como é. A sua amiga, yankee-brasiliense, começa a me provocar para estendermos a noite num microbar com karaoke, algumas quadras dali. O nome: “Baby Grand” (ou Piano de Cauda). Ela é uma sagitariana tipicamente desgarrada e MUITO engraçada.
Na porta, procurando pelo seu green card para apresentá-lo à hostess, a filha dos “donos” do FMI dispara:
— Tá preparado? É um karaoke! Agora a gente vai se tornar muito íntimo.
Eu gargalho. Just do it.
O casting do local é bem interessante. O repertório deles é divertido e até bem executado pelos corajosos. Quando toca Jason Mraz, a gente acompanha.
— Cantando isso pra mim, sounds like a move. E não chega tão perto, que seus dentes são perfeitos demais.
Sorrio encabulado e orgulhoso. Ela é bonita, interessante, vivida e, well, sedutora.

De uma hora pra outra, estamos no minúsculo palco. De uma hora pra outra, estamos cantando ‘Wherever You Will Go’, The Calling. De uma outra pra hora (!), o bar inteiro acompanha a dupla de brasileiros ébrios.

1:39am. Aplausos. Voltamos para o balcão, para mais uma ipa. Os olhos se demoram no cruzamento, desta vez. Ela vem... Eu vou!
…Great kisser, indeed — digo, ao pé do ouvido.
Great kisser as well.
Alguns hookups mais tarde, o repertório já se encaminha para velharias americanas. Brinco com seu poderio ‘global’ de mexer comigo. Ela entende errado e parece achar que eu tava falando que ela só tá onde está por conta dos pais. Ela agressiva e brinca (?) que todos ali estão legalmente no país, menos eu: assim… com todas as letras. Digo que não sabia que visto B1/B2 tinha se tornado ilegal. Fico puto. Não consigo nomear se racismo, classismo ou mais uma piada de bêbado mal colocada pelo outro ou mal interpretada pelo eu; não a suposta ofensa, mas o discurso. Anyhow, a noite acaba ali, pra mim. Não consigo voltar de onde aquela frase me fez ir parar.
What?! Have yourself a great night… — sorrio. Pego meu casaco na chapelaria improvisada e chamo meu uber da calçada. Ela segue no balcão. Ela é habitué do local. Ela ficará bem.

2:57am, 4ºC… e os corações também podem ficar gelados.

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mark cardoso
CRÔNICAS

“As mais belas historias têm começo, medo e sim” ~ literatura, branding, psicanálise e palavras. Autor de "Posta-Restante": www.postarestante.com.br