No interior do carro, nos emaranhávamos em nó indesatável.
Já havíamos desistido, porém. Em acordo, tínhamos resolvido que melhor seria não continuarmos juntos.
O imbróglio; nos víamos quase todos os dias, trabalhávamos perto.
Estava indo embora, dando partida no veículo, quando ela me viu e gritou para que esperasse. Precisava me contar algo. Falou, e era de fato tema importante. Mas em poucos minutos, o diálogo nos levara àquele enlace. O que era pra ser simples conversa virou um alvoroço de mãos e bocas.
E no meio de tudo, disparou, intervalando nossos beijos: “Meu Deus! Que isso? Nunca senti isso antes. Isso não é normal. Que loucura! Que isso? De onde vem essa coisa? A gente não consegue ficar separado, se desgrudar. Olha só! Estamos no meio da rua, em plena tarde, está cheio de gente passando. E nós aqui. Só fui falar uma coisa com você. E olha isso. O que é isso? Nunca senti isso com alguém. Nunca senti isso na vida.”
Dei assunto, e uso variado à minha boca, alternando, em cadência: sua boca, sua língua, seus lábios, seu pescoço, seu colo, seu pescoço, sua orelha, sua bochecha, seu queixo, seu lábio inferior, sua boca, sussurrando, em pausas: “É? Verdade? Nunca teve um homem pra te deixar assim? Pra te fazer sentir desse jeito? Com isso tudo em você? Essa coisa louca? Esse sentimento que não dá para frear? Que não se quer frear? Alguém de quem não consegue ficar separado, desgrudado? Essa coisa que traz a gente de novo a isto aqui? Que faz a gente repetir a cena? Nunca sentiu isso com alguém? Nunca sentiu isso na vida?”
Com o tempo, concluímos o que já havíamos concluído, mas desta vez estava concluso mesmo. Paramos de nos ver.
“Nunca senti isso na vida.” Ambiguidade. Vício de linguagem. Só depois entendi que ela falava pela pelve; eu escutava com o peito; e nossas cabeças se calavam.
Infelizes discursos, com suas palavras ambíguas. Signos, repletos de significados e significantes. Desafortunado é o intérprete desavisado.
