Análise

Dissertação crítica sobre frustrações interpessoais

Guilherme Vieira
CRÔNICAS
2 min readDec 15, 2017

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Gregório andava pelas ruas.
Cabelos batendo nos olhos, calça jeans velha, camisa velha, sapatos surrados. Era, ao todo, velho, a não ser pela juventude, que ainda se agarrava ao esqueleto saudosista da osteoporose que nunca teve.

Gregório fumava as vezes, sentia-se intimidado pelo cheiro forte que impregnava seus cabelos, tinha medo de seu pai o descobrir fumante, apesar de gostar bastante da covarde sensação de ter um patético progresso em direção ao túmulo.

Gregório era pacífico, passivo, frouxo, era um sonhador tolo. Achava mesmo que um dia as coisas iriam se resolver, ele iria sorrir, a moça iria o amar, ele arranjaria um emprego.Atarefava ao seu futuro, deveres que não conseguia cumprir no presente, mas o próprio não tinha mudado em nada, o tempo era somente uma desculpa para descansar os braços que não eram para estarem cansados.

Gregório chorava, ou queria chorar, mas ninguém se importava, ele chorava muito, já tinha virado rotina. Os amigos de Gregório, então, faziam piada, “Não caiu na cova ainda?” Riam todos, inclusive o próprio. Andava sempre com os fones no ouvido, “E se um dia quiserem saber quem eu sou? Seria uma tragédia”, pensava ele. Escutava Oasis, Pink Floyd, The Doors, fazia da música seu som ambiente, tinha medo de realmente ter que escutar seus gritos internos, ou até mesmo os sussurros no canto da cabeça, justamente aqueles que tentavam falar a verdade que esse já tinha pensado, mas não tocado.

Escrevia poesias, se orgulhava das tentativas risórias de ser artista, achava que ia conseguir, finalmente, ser alguém admirado. Escrevia pensamentos rápidos, moldados, sintéticos, nada era natural, apesar de esse fingir tão bem que eram, que, as vezes, até ele mesmo acreditava. Fazia faculdade, mas não cursava nada. Entrava aula, saia de aula, pegava bolsa, deixava a bolsa, e assim seguia o dia, enviando currículos em branco, sentando nos cantos de janela, olhando pro céu como se aquilo o fizesse poético.

No fundo, Gregório queria ser verso, daqueles que se passa rápido e não se nota, mas que, sem ele, há um vazio inexplicável na obra; queria ele ser baixista, mas tocar numa banda; queria ele viver, não existir. Gregório era, no fundo, somente mais um morto, daqueles frescos, que ainda não putrefaram, e seu maior medo era que um dia o cheiro o denunciasse e esse tivesse que retornar ao caixão.

Gregório era João, Gabriel, Guilherme, era tudo aquilo que seu olho passasse, ainda que esse fosse sempre cego. Gregório é, por fim, ninguém, e continuará o sendo, pois esse sou eu, até nos últimos pontos e nas últimas virgulas, com seu último cigarro do maço, que, um dia, sonho em acabar.

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Guilherme Vieira
CRÔNICAS

Escrevemos o quê não cabe nas diagramações de nossas cordas vocais.