Antropoceno
Todo ato que tenho é natureza.
Meu plástico cancerígeno é meu mel de abelha; minhas bactérias e vírus, as pulgas da mais inédita praga que sou; meu desequilíbrio ambiental é do mesmo tipo que houve quando os primeiros dinossauros começaram a engolir seus antecessores mais precários; minhas cidades sujas, não mais do que meus próprios cupinzeiros, somente tão mais danosos, tão mais difíceis de se fazer e manter; os defeitos agressivos de minha espécie são só nossos abstraídos caninos de leão, retirados da boca para se aprofundarem nos âmagos da alma; meus cheirosos odores, escondendo os fedores dos meus suores enquanto corroem camadas de ar, apenas a menos inofensiva versão dos perfumes das flores; minhas guerras, somente os novos conflitos entre mamíferos de grande porte na luta por suas indefesas gazelas, caças feitas escassas pelos fetiches destrutivos que excitam minhas genitálias do mesmo jeito que as mais simples carícias fizeram outrora pelos bonobos; meus gritos políticos, os novos ganidos das hienas; minhas palavras autorreferentes, urros um cadinho diferentes.
Meu mundo fui eu quem fiz:
tornei lobos meus mais frágeis pugs; sem mim, não haveriam mais meus gatinhos; nem meus porquinhos; nem minhas vacas; minhas galinhas; minhas baratas; minhas pombinhas; meus ratos e ratazanas; nem minhas bananas. Nenhum destes estaria aqui se não fosse por minha causa. Se eu fosse embora, todos os que amo ou odeio iriam junto comigo para a cova.
Sou criança criadora que se cria como própria criatura.
Sou só pobre e bruto animal destituído de melhores meios, tão escravizado que sou por meus instintos, tão incônscio de alternativas. Nenhum formigueiro nunca contribuiu para um futuro sem formigas; nenhum outro animal jamais tornou-se seu próprio predador. Faltava à natureza explorar seus mais sombrios aspectos, agora encarnados dentro de nossos tão naturais e, ainda assim, tão perturbados crânios. Nenhuma floresta é mais selvagem do que nossas mentes. Nenhum tumor é mais caótico às células que compõem seus sistemas do que os feitos de nossas pessoas são para as nossas sociedades. Dinossauros tiveram mudanças climáticas e asteroides para reduzi-los a lagartixas e galinhas. Para se reduzirem, humanos não precisam de nada mais além de humanos. Quer mito mais sustentável do que ser seu próprio vilão? Isso sim que é autossuficiência.