Decalcomania, René Magritte

Ao esquecermos uma memória lembramos que um dia a tivemos?

Benjamin Cícero
CRÔNICAS
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2 min readJun 6, 2018

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Fumaças cristalinas semiexistenciais são tudo que lembro dum momento mágico que tive aos quartoze anos de idade.

Talvez uma foto me relembre como foi e eu não precise mais contar com minha memória enevoada. É, se isso acontecer, penso logo: “ha, memória, te venci, não preciso de você!”, mas em seguida esqueço o som daquela mágica cena também.

Talvez eu tenha salvado na memória uma música para lembrar o que tocava. Sim, e logo penso de novo: “ha, dessa vez eu te peguei”. Mas, então, esqueço o toque de quem estava presente por lá e quão arrepiado meus pelos ficaram em um instante.

Talvez eu seja mais ligeiro e não deixe tal pessoa escapar, assim não preciso da falha memória humana. E dessa vez ganho, não é? Mas, então esqueço o gosto daquela manhã verde e do café quente que tomei somente naquele dia.

Talvez após muito planejar eu guarde as receitas e escritas sobre como reviver tal dia e tal comida. “Agora foi”, penso. E então esqueço onde pus aquelas escrituras.

Talvez, não, talvez eu crie planos, eu lembro para ti e tu lembras para mim, assim enganamos tal memória avoada e não terá ela como nos derrotar. Sim, isto será perfecto.

mas daí fica td mais rápido e esqueço como falar daquela forma que eu tava falando e agr tá tudo diferente do que eu acreditava quando as coisas ainda eram dql jeito.

E assim permanece o reinado da mísera memória que tenho.

Talvez não, talvez eu não tenha que a derrotar, afinal. Talvez tal memória faça de propósito. Talvez eu não conseguisse superar o passado se tivesse quaisquer controles sobre o que eu lembro ou deixo de lembrar. Talvez meu cérebro saiba que não vale a pena ficar lá trás. Sim, talvez ele seja um gênio do autoconhecimento e do budismo (era esta a religião que pregava isto?).

Ou talvez minha mente saiba que a vida nunca mais será boa como foi naquele tempo e lida com isso fazendo-me esquecer estes momentos para que suas lembranças não me doam.

Ou talvez… não, talvez meu cérebro não lembre porque nunca aconteceu. Talvez eu tenha inventado tudo, não é? Talvez, assim como este texto, minha existência é completamente criação minha.

Ou talvez eu esteja exagerando, talvez a verdade seja muito mais simples, talvez as memórias só sumam porque o tempo passa; e se o tempo passa, o passado some, não é?

Afinal, quem sabe a verdade? Pois eu não lembro se sei.

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Benjamin Cícero
CRÔNICAS

Há no mundo dois tipos de pessoas: as que gostam de viver e as que repudiam. Eu gosto de fingir que sou um quando sou o outro.