Boca

Leandro Marçal
CRÔNICAS
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2 min readMar 30, 2017
A boca tem vocação natural para beleza e sedução. Foto: O Buteco da Net.

Esqueça roupas curtas e íntimas, corpos tonificados por horas perdidas em academias, rostos maquiados ou qualquer outra tentativa de sensualização por meios artificiais ou amostras grátis de charme com segundas intenções.

Nada supera o poder de sedução da boca.

E nem falo dos momentos catárticos em que elas vão de encontro às terminações nervosas e íntimas de onde a pele frágil se converte em prazer.

É o sutil toque entre os lábios diante de um assunto qualquer que nos hipnotiza e impede que nos concentremos nos olhos de alguém. Ou quando o inferior é finalizado em uma dobra para baixo, dando a impressão de que tocará um desavisado queixo e que nos faz perguntarmos à nossa imaginação o quão entorpecente deve ser tocá-lo em busca de um simulacro de céu na atividade que leva religiosos para o inferno do prazer.

Nem mesmo os olhos sedutores a nos fitarem de baixo para cima podem exercer efeito tão surrealista, desses que fertilizam ainda mais nossa imaginação, quanto aquela que é capaz de nos arrepiar ao tocar nossos ouvidos e também de nos enojar quando perdigotos e palavras de ódio saem dela, feito um vômito pós-embriaguez.

Ela ainda nos brinda com a maior das reações humanas: o sorriso. O único momento em que não haverá preocupação com as rugas ou beleza facial é quando nos entregamos às gargalhadas, aos amarelados ou disfarçados sorrisos. E é ela quem nos brinda novamente com esse privilégio exclusivo dos seres com polegar opositor.

Pequenas, grandes, bicudas, marcantes, rachadas, vermelhas feito batom, brancas de palidez, negras e desenhadas.

Não há ser humano com um mínimo de caráter que nunca tenha se deparado com um momento de viagem mental ao admirar uma boca. Mesmo que em alguns momentos haja perdigotos, babas no canto, ou sapinhos que nos façam desviar o olhar hipócrita de quem também tem os infinitos momentos de imperfeição.

Diferentemente do nariz, da orelha e do pé, a boca tem vocação para a beleza, ainda que maldosos façam comparações esdrúxulas e jocosas com aqueles que têm na excentricidade de um avantajado ou minúsculo tamanho bocal a maior característica nos traços faciais.

Deve ser, inclusive, por esse encanto automático abaixo do nariz que os beijos sejam tão indispensáveis quanto o oxigênio para nossos pulmões. Até seu desenho adquire contornos de delicadeza incomparável quando retratada por pintores.

Porque se o Criador nos fez à Sua imagem e semelhança, a boca é um autorretrato divino.

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Crônicas para instigar. Contos para envolver. Ficção para entreter.

Leandro Marçal
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Written by Leandro Marçal

Um escritor careca e ansioso. Autor de “De Letra: o futebol é só um detalhe” e “No caminho do nada”. Cronista no Tirei da Gaveta (www.tireidagaveta.com.br).