Caleidoscópio
Ela passou o dia carregando-se em caquinhos. Levava em suas mãos, com cuidado, os pedaços quebrados dela. Fragmentos perfeitos do passado de quem, um dia, inteira foi, mas agora, despedaçada, guardava-se em minúsculas frações.
Por isso, talvez, sentindo falta do outrora sido, fechava as mãos recheadas com seus bocados, acomodando-as perto do peito. Vez ou outra, espiava, para contar quantas era. Não queria se perder.
Era quando imaginava-se mosaico, na pele dessa outra, ainda futura e desconhecida. Não recuperaria a unidade, separada em cacos que estava, mas ligar-se-ia por goma em fio, reformulando-se na argamassa das finas cicatrizes. Qual ela, dela brotará?
Fechava os olhos percorrendo com o dedo, entre ladrilhos coloridos, o caminho pensado dos grudes secos. Sentiria aspereza? Ou suavidade? Refazia todo o traço, até o ponto de encontro, quando quem fora se transformava em quem seria.
E foi assim que, à resposta ainda desconhecida, pressentiu certo recompor. Abriu as mãos ao peito, olhou para sua preciosa quinquilharia e sorriu. Ela entendeu: com as mãos cheias de si, o que dela for refeito saberá reconhecer-se no reflexo quebrado de um caleidoscópio bonito.