Cambistas, Malandros e Cacique de Ramos

Três adolescentes foram retirados da roda de samba. Os desenrolos e corrupções no subúrbio do Rio

Victor Hugo Liporage
CRÔNICAS
5 min readDec 19, 2016

--

Tá difícil ser estudante em 2016

— Quem disse que tu vai vender na minha área, menó?

Bebeto já tava pistola. Ao lado dele, Luiz Carlos desenrolava.

— Coé, irmão. A gente só não quer sair no prejuízo. Porra, compramos pela internet, só não ficamos lá dentro porque os cara eram menor.— disse, apontando pra Bebeto e Sete Sereno

O cambista olhou de rabo de olho, cheio de abuso. Ele tinha uma barbixa breguíssima: um filhetinho de pelo no queixo. Bizarro.

— Tu quer quanto?

— 30 em cada. — Sete Sereno sugeriu.

— 30?! Hããããããã…

— Então faz 60 nos três, irmão. Qual foi. Só pra gente não sair no prejuízo.

Luiz Carlos seguia persistente no desenrolo.

— Deixa eu ver isso aí.

O cambista pegou os três ingressos pra olhar.

— Essa porra é cortesia, rapá! Aqui, ó. — mostrou no papel. Tava escrito “cortesia” e “entrada só até 18 horas” em dois dos ingressos.

— Porra… Bora lá — Sete Sereno puxou o bonde.

Luiz Carlos chegou na porta e falou diretamente com o segurança do Cacique de Ramos.

— Meu bom, tem como trocar esse ingresso que tu deu, não? O maluco ali falou que só vale até 18 horas.

— Vale a noite toda.

— A noite toda, pode falar pra ele lá. — dois seguranças de terninho falaram juntos.

Deixa eu te situar: Luiz, Sete e Bebeto tinham entrado no Cacique pra curtir Aquela Roda de Samba™, batido foto e os caralho, mas tavam tudo com roupa de escola, porque era plena quarta feira e os moleques tinham aula até as 17h, horário de início da roda. Pagaram 30 conto (cada um) pra ver Bira Presidente e Anderson Leonardo. Um segurança viu os moleque zanzando e batendo foto e pediu identidade. Sete Sereno e Bebeto são de menor. Foram convidados a se retirar. Luiz Carlos foi junto, né.

Antes que eu me esqueça, detalhe importante: o segurança até foi gentil. Devolveu os ingressos e falou “vende aí na porta”. Ainda avisou pros outros seguranças do lado de fora “ó, deixa os moleques venderem ali”, mas os seguranças falaram “só do muro pra lá”.

E adivinha quem fica do muro pra lá?

Eles mermo.

Os barbixa brega.

Os cambistas.

— Irmão, o amigo ali falou que vale a noite toda.

Barbixa Brega olhou com aquela cara de nojo dele. Nesse meio tempo, Sete Sereno obsevou que ele não tinha queixo, mas ficou quieto. Não ia abusar.

— Dou 40 nessa porra.

Pra quê.

O outro cambista ouviu e começou a provocar.

— Coé, vai dar 40 nessa merda pra menozada?

— Porra, mas tem uma inteira.

À essa altura, já era. O Barbixa ficou com seu ego ferido. Ego de macho é uma merda. Ele podia até comprar por 39, mas 40 ele não daria.

— Dou 35 na porra toda.

— Não, pô. 35, não. Vamô vender aqui — disse o Bebeto.

Pausa. Imagina o faraoste. Um de frente pro outro. Musiquinha. Olho no olho:

— Ou, qual foi. — Barbixa provocou.

— Qual foi? — Bebeto retrucou.

— Qual foi.

— Qual foi?

— Quem disse que tu vai vender na minha área?

— Tua área o quê.

— Minha área, sim, porra — o cambista já aumentou a voz.

Bebeto, no auge dos seus 16 anos, ficou nervoso.

— Não vai vender porra nenhuma — e depois, falou baixinho — a gente paga os polícia, porra.

Bebeto perdeu.

— Aí, Luiz Carlos. Vai de 35 mermo. A gente come um lanche no Subway — sugeriu o Sete.

Luiz fechou negócio.

O problema, filho, é que naquela parte de Olaria, pertinho do Alemão, o Subway não chegou.

Passaram no cachorro quente. “Quanto tá dois, tia?. “ 14”. “14?!”. “É sete cada um”. “Pô, valeu, tia. Desculpa aí”.

Depois de uns cinco minutos na marquise da farmácia pra não pegar chuva, Bebeto sugeriu.

— Bora ficar lá na porta pra tentar ouvir.

— Aí, faz cara de triste!

— Ih, pode crer, faz cara de triste pros cara.

Ficaram na porta ao lado dos seguranças. Dava pra ouvir um pouco. Mas a cara de triste tava ensaiadinha; uma beleza.

— Ó, mudou, hein — comentou Sete.

— Já não é mais aquele pandeirista merda— comentou Bebeto, dando risadinha.

— Já não é, já não é…

Bebeto toca cavaquinho nas horas vagas. Sete Sereno é o rei do violão e às vezes arrisca no cavaco. Os caras conhecem.

Passaram uns 10 minutos na porta. Nesse ínterim, Luiz Carlos comentou:

— Pensa em toda vez que fomos 71 nas nossas vidas.

Os outros dois se puseram a pensar.

— Pagamos tudo hoje — completou Luiz, apontando pra dentro do Cacique.

— Caralho! — Sete abriu um olhão.

Os menor de idade ficaram tristes.

— Deve ter sido aquela volta que eu dei no cachorro quente do Lobão!

Ironicamente, começou a tocar “Malandro” lá dentro. Bebeto foi cantar enquanto Luiz Carlos batia na palma da mão.

De longe, os três observaram o segurança de terninho passar por eles e ir em direção ao Cambista Barbixa Brega

— Alá, os cara são fechado.

Cambista e segurança foram conversar no canto.

Logo depois, chegou um táxi. Três caras de jeans e camisa pólo saíram. O trio cumprimentou os outros cambistas, Do Lado de Lá do Muro. Passado os cumprimentos, abriram uma cerveja.

— Vocês deram mole. Precisava ter vindo com roupa de escola? — comentou o segurança da porta — Tá pegando a visão que tô te passando?

— Pô, mas domingo pode entrar, né? — perguntou Sete.

— Domingo é mais tranquilo, mas a gente fica de olho.

— Venderam só por 35? — deu uma risadinha o outro segurança.

Os três moleques passaram mais um tempo na porta, ouvindo o samba e calados. Cheios de fome. O segurança fez sinal de longe e um dos camisa pólo viu. Os três camisa pólo vieram cumprimentar os seguranças.

Já dizia Bezerra:

“Malandro é malandro e mané é mané, podes crer que é”.

Gostou? Clica no coraçãozinho aqui em baixo e bate um papinho no comentário. Também tem outra crônica bolada, do homem que vende pombo no ano novo pra macumba.

--

--