Cambistas, Malandros e Cacique de Ramos
Três adolescentes foram retirados da roda de samba. Os desenrolos e corrupções no subúrbio do Rio
— Quem disse que tu vai vender na minha área, menó?
Bebeto já tava pistola. Ao lado dele, Luiz Carlos desenrolava.
— Coé, irmão. A gente só não quer sair no prejuízo. Porra, compramos pela internet, só não ficamos lá dentro porque os cara eram menor.— disse, apontando pra Bebeto e Sete Sereno
O cambista olhou de rabo de olho, cheio de abuso. Ele tinha uma barbixa breguíssima: um filhetinho de pelo no queixo. Bizarro.
— Tu quer quanto?
— 30 em cada. — Sete Sereno sugeriu.
— 30?! Hããããããã…
— Então faz 60 nos três, irmão. Qual foi. Só pra gente não sair no prejuízo.
Luiz Carlos seguia persistente no desenrolo.
— Deixa eu ver isso aí.
O cambista pegou os três ingressos pra olhar.
— Essa porra é cortesia, rapá! Aqui, ó. — mostrou no papel. Tava escrito “cortesia” e “entrada só até 18 horas” em dois dos ingressos.
— Porra… Bora lá — Sete Sereno puxou o bonde.
Luiz Carlos chegou na porta e falou diretamente com o segurança do Cacique de Ramos.
— Meu bom, tem como trocar esse ingresso que tu deu, não? O maluco ali falou que só vale até 18 horas.
— Vale a noite toda.
— A noite toda, pode falar pra ele lá. — dois seguranças de terninho falaram juntos.
Deixa eu te situar: Luiz, Sete e Bebeto tinham entrado no Cacique pra curtir Aquela Roda de Samba™, batido foto e os caralho, mas tavam tudo com roupa de escola, porque era plena quarta feira e os moleques tinham aula até as 17h, horário de início da roda. Pagaram 30 conto (cada um) pra ver Bira Presidente e Anderson Leonardo. Um segurança viu os moleque zanzando e batendo foto e pediu identidade. Sete Sereno e Bebeto são de menor. Foram convidados a se retirar. Luiz Carlos foi junto, né.
Antes que eu me esqueça, detalhe importante: o segurança até foi gentil. Devolveu os ingressos e falou “vende aí na porta”. Ainda avisou pros outros seguranças do lado de fora “ó, deixa os moleques venderem ali”, mas os seguranças falaram “só do muro pra lá”.
E adivinha quem fica do muro pra lá?
Eles mermo.
Os barbixa brega.
Os cambistas.
— Irmão, o amigo ali falou que vale a noite toda.
Barbixa Brega olhou com aquela cara de nojo dele. Nesse meio tempo, Sete Sereno obsevou que ele não tinha queixo, mas ficou quieto. Não ia abusar.
— Dou 40 nessa porra.
Pra quê.
O outro cambista ouviu e começou a provocar.
— Coé, vai dar 40 nessa merda pra menozada?
— Porra, mas tem uma inteira.
À essa altura, já era. O Barbixa ficou com seu ego ferido. Ego de macho é uma merda. Ele podia até comprar por 39, mas 40 ele não daria.
— Dou 35 na porra toda.
— Não, pô. 35, não. Vamô vender aqui — disse o Bebeto.
Pausa. Imagina o faraoste. Um de frente pro outro. Musiquinha. Olho no olho:
— Ou, qual foi. — Barbixa provocou.
— Qual foi? — Bebeto retrucou.
— Qual foi.
— Qual foi?
— Quem disse que tu vai vender na minha área?
— Tua área o quê.
— Minha área, sim, porra — o cambista já aumentou a voz.
Bebeto, no auge dos seus 16 anos, ficou nervoso.
— Não vai vender porra nenhuma — e depois, falou baixinho — a gente paga os polícia, porra.
Bebeto perdeu.
— Aí, Luiz Carlos. Vai de 35 mermo. A gente come um lanche no Subway — sugeriu o Sete.
Luiz fechou negócio.
O problema, filho, é que naquela parte de Olaria, pertinho do Alemão, o Subway não chegou.
Passaram no cachorro quente. “Quanto tá dois, tia?. “ 14”. “14?!”. “É sete cada um”. “Pô, valeu, tia. Desculpa aí”.
Depois de uns cinco minutos na marquise da farmácia pra não pegar chuva, Bebeto sugeriu.
— Bora ficar lá na porta pra tentar ouvir.
— Aí, faz cara de triste!
— Ih, pode crer, faz cara de triste pros cara.
Ficaram na porta ao lado dos seguranças. Dava pra ouvir um pouco. Mas a cara de triste tava ensaiadinha; uma beleza.
— Ó, mudou, hein — comentou Sete.
— Já não é mais aquele pandeirista merda— comentou Bebeto, dando risadinha.
— Já não é, já não é…
Bebeto toca cavaquinho nas horas vagas. Sete Sereno é o rei do violão e às vezes arrisca no cavaco. Os caras conhecem.
Passaram uns 10 minutos na porta. Nesse ínterim, Luiz Carlos comentou:
— Pensa em toda vez que fomos 71 nas nossas vidas.
Os outros dois se puseram a pensar.
— Pagamos tudo hoje — completou Luiz, apontando pra dentro do Cacique.
— Caralho! — Sete abriu um olhão.
Os menor de idade ficaram tristes.
— Deve ter sido aquela volta que eu dei no cachorro quente do Lobão!
Ironicamente, começou a tocar “Malandro” lá dentro. Bebeto foi cantar enquanto Luiz Carlos batia na palma da mão.
De longe, os três observaram o segurança de terninho passar por eles e ir em direção ao Cambista Barbixa Brega
— Alá, os cara são fechado.
Cambista e segurança foram conversar no canto.
Logo depois, chegou um táxi. Três caras de jeans e camisa pólo saíram. O trio cumprimentou os outros cambistas, Do Lado de Lá do Muro. Passado os cumprimentos, abriram uma cerveja.
— Vocês deram mole. Precisava ter vindo com roupa de escola? — comentou o segurança da porta — Tá pegando a visão que tô te passando?
— Pô, mas domingo pode entrar, né? — perguntou Sete.
— Domingo é mais tranquilo, mas a gente fica de olho.
— Venderam só por 35? — deu uma risadinha o outro segurança.
Os três moleques passaram mais um tempo na porta, ouvindo o samba e calados. Cheios de fome. O segurança fez sinal de longe e um dos camisa pólo viu. Os três camisa pólo vieram cumprimentar os seguranças.
Já dizia Bezerra:
“Malandro é malandro e mané é mané, podes crer que é”.
Gostou? Clica no coraçãozinho aqui em baixo e bate um papinho no comentário. Também tem outra crônica bolada, do homem que vende pombo no ano novo pra macumba.