Cueca da sorte

Leandro Marçal
CRÔNICAS
Published in
3 min readSep 14, 2017
Há quem pague caro por cuecas que não dão sorte nem azar. Foto: Pandlr.

Mesmo sem acreditar ou contar com a sorte, uso as mesmas cuecas quando saio para ocasiões especiais. Há até um ranking mental com as de ouro, prata e bronze para usar naquele dia da entrevista de emprego, na festa esperada ou outro evento. Foi quando me vestia depois de uma troca de fluidos pós-balada que um elogio à primeira das roupas me fez atentar mais a elas. Penso que usando uma dessas três, nada vai dar errado.

Cueca é uma palavra engraçada por natureza: começa com nome de orifício, termina com interjeição de nojo. Talvez por esse exotismo natural da protetora das partes baixas é que haja quem prefira não vesti-las. Quando na mesa do bar algum amigo confessa ter abolido seu uso, questiono sobre meditação e autocontrole, pois não há como disfarçar a barraca armada se não houver um intermediário antes da bermuda ou calça.

É sempre estranho pensar durante uma reunião ao redor de uma mesa, com todos engravatados e cheirando a perfumes caros, que os homens e mulheres ali presentes gastaram horrores apenas para cobrir genitálias. Também é maluco saber que ao andar pelas ruas para comprar pão ou ir à missa, cruzamos com um monte de “coisas” balançando para lá e para cá, escondidos atrás de cuecas da sorte ou do azar, calcinhas do acaso ou sutiãs escolhidos a dedo.

Pois pense em quantas pessoas você já viu peladas em toda sua vida. Pode ter sido na hora do banho, da intimidade ou dos flagras indesejados. É possível conversar friamente e com imparcialidade com quem já nos brindou (ou não) com as partes flácidas (ou não) diante de nossos olhos? Ou tudo muda e no um assunto qualquer como o tempo lá fora é apenas um disfarce para nos fazer esquecer da visão do que Adão e Eva escondiam com uma folha pequena (ou não)?

Tolo devaneio: lembro que sempre acho uma insanidade pagar fortunas por roupas. No fundo, são todas iguais com o intuito de esconder aquilo que temos vergonha de mostrar nas ruas puritanas. Mais de três dígitos no cartão de “é débito ou crédito?” para uma vestimenta só pela marca da moda, apenas com o intuito de convencer quem flertamos a tirar essas mesmas roupas e deixá-las jogadas ao chão por alguns bons instantes. Estranho demais.

Voltando às cuecas e ainda vestindo a minha, sempre que passo numa dessas lojas de varejo para renovar meu estoque, fico indignado com o alto preço desses pacotes com três ou seis unidades. Se quando ganhamos um deles como presente de aniversário achamos um desaforo, por que não vamos às ruas protestar contra o alto preço dessa e de outras roupas íntimas? Pensam mesmo ser à toa a quantidade de senhorinhas aposentadas vendendo cuecas mais baratas de casa em casa, por um precinho camarada e podendo pagar no dia 15 do mês que vem? Acredito mais em obviedades fantasiadas de coincidência e nomeadas por toscas teorias da conspiração do que em sorte.

Aliás, sorte mesmo quem tem é esse monte de gente ganhando muita grana em consultorias e palestras sobre como arrumar gavetas de cuecas. Mais até do que as lojas de varejo com os pacotinhos com três ou seis delas. Procure vídeos no YouTube, há até livros ensinando essa tarefa que qualquer macaco bem treinado é capaz de fazer. Isso é fácil, mesmo para os machões que se recusam a lavar louças em casa e gostam de se impor pela força, acredite!

E eu pensando que o ranking das minhas cuecas de ouro, prata e bronze me ajudaria na entrevista de emprego ou no flerte ao fim da noite de sábado. Cuecas podem não dar sorte a ninguém, sejam elas vermelhas, pretas ou brancas. Mas dão dinheiro, de todas as cores.

--

--

Leandro Marçal
CRÔNICAS

Um escritor careca e ansioso. Autor de “De Letra: o futebol é só um detalhe” e “No caminho do nada”. Cronista no Tirei da Gaveta (www.tireidagaveta.com.br).