Diário de um analisando #7: Obsessivamente

mark cardoso
CRÔNICAS
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2 min readOct 25, 2017

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Abrimos a seção comigo a falar sobre ter ouvido, no almoço de hoje, experiências de amigos com Constelação Familiar e a semi-decisão de ir a uma palestra, na próxima sexta-feira, sobre esse método terapêutico alemão.

— Ando me sentindo meio que tendo chegado ao final de uma fase do videogame, mas como se o portal para a próxima fase ainda não tivesse sido aberto. E aí, me sinto andando em círculos, no processo analítico.
— …
— E aí, eu e meu desejo de controle, já tô procurando formas de "abrir esse portal", saindo em busca de alternativas que possam trazer novidades, né?
Ela faz um gesto sutil, como quem diz "ainda bem que você sabe".
— A alma é sábia. Se ela ainda não se revelou, é porque não é a hora.
(…)
— Você é um interessado na alma…
— Quando me perguntavam por que eu decidi fazer Veterinária, eu dizia que era porque sempre gostei de entender como as coisas funcionam. Posso ter ido longe demais, hahaha :)
Ela ‘muda’ de assunto, olhando para a estante: — Já leu Machado? Acho que você ia gostar de ler O Alienista. Leva — e me dá, em mão, uma versão HQ do conto machadiano.

Quando vejo, estamos falando sobre descobertas sexuais e primeiras experiências masturbatórias, aos 12 anos. Após meu falatório…
— É. Não era um voyeur
— Não. Veja bem... eu gosto muito de protagonizar as coisas. Até mesmo a três.
A analista sorri.

Sigo falando de lembranças do passado familiar, como é típico às sessões psicanalíticas e, já no fim, resvalo no assunto 'exame de qualificação do mestrado'. Comento que estou mais tranquilo, mas já olhando a dona angústia sentada ali no canto da sala.

— Tô me sentindo o próprio clichê de mestrando por pensar assim: "tá tudo na minha cabeça. Só falta eu sentar e escrever".
Ela sorri.
— Mas eu me conheço. Vou passar por esse momento de angústia e ali pelas três semanas para o prazo final, vou produzir enlouquecidamente e vai dar tudo certo. Quer dizer… espero que seja diferente, porque ando mesmo tentando deixar de procrastinar tanto.
Ela segue sorrindo.
— É… eu adoro viver sob pressão — digo, me levantando da poltrona.
Já me encaminhando à porta, ela dispara:
— Ah, mas o Obsessivo só funciona assim.
— HAHAHAHA!
— Até sábado — ela se despede com aquele sorrisinho discreto de sempre.
— Até, hahahaha.

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mark cardoso
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“As mais belas historias têm começo, medo e sim” ~ literatura, branding, psicanálise e palavras. Autor de "Posta-Restante": www.postarestante.com.br