"E aí? Bora abalar?!"

Diário de um analisando #8: Apolíneo e Dionisíaco

mark cardoso
CRÔNICAS
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3 min readNov 11, 2017

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Sutilmente agitado e já prevendo o incômodo que seria ter aquela sessão de sábado com barulho de obras no prédio comercial, me sento e digo, quando ela menciona o barulho, que pelo menos ele poderá ser útil se aquela for uma sessão mais silenciosa: “poderá preencher o vazio.” Ela parece sorrir por educação.

A sessão se pauta por um episódio cotidiano acontecido na calçada de casa; por uma lembrança leve do casamento que se foi; por flashes caóticos dos sonhos da noite anterior; por ruminações do conceito de "inveja narcísica"; por semelhanças comportamentais e (hahaha) neuróticas com o melhor amigo…

— Mas é isso: você vai sempre se meter em confusão — PAH! Ela dispara em sua primeira intervenção, depois de vários minutos de sessão.
— É O QUÊ?! Hahahahaha! — e ela me acompanha na risada. Acompanhar é modo de dizer: eu nunca a ouvi emitir som ao rir. — Realmente, não posso discordar. "Olha, tem um status quo ali no cantinho… já quero ir lá quebrar!", hahaha.
— Essa sua rebeldia criativa… Tem muito de Apolo em você, mas tem muito mais de Dionísio aí dentro. Essa vontade de viver… eu vejo o Sátiro em você.
— É. É quando a autoestima (Apolo) está mais em dia que eu me permito brincar do que eu bem entender (Dionísio) nas situações da vida.
— …
— Vida tranquila demais não tem muita graça — emendo. — É dos pequenos caos que a criação se faz e a emoção se dá.

Depois de divagar um pouco e me calar para digerir aquela parte da análise, eu quebro o silêncio, falando baixinho:
— É… a gente pensa demais…
De olhos fechados, a analista parece consentir com um meneio de cabeça e diz:
— Me parece que, na vida, pensar foi o seu melhor brinquedo.
Contundente.

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— E a expectativa, como tá? — resolve me fazer uma de suas raríssimas perguntas.
— Expectativa, pra mim, tem a ver com controle. Se o lado de lá está sob controle e eu estou aguardando pra ver o que vai ser do lado de cá, do meu lado… a expectativa e a ansiedade ficam bem suavizadas. É como se eu subisse a um palco para apresentar uma peça sem roteiro, estando muito confortável com isso; é como se, da coxia, eu até já previsse algumas falas e interações com os demais atores, mas quisesse é ver no que ia dar, tranquilamente, com o abrir das cortinas. E muitas vezes, é aqui que mora um pouco do meu sadismo-satírico.

"Em contraste, a existência do Dionisíaco constantemente procura afirmar a vida. Seja em prazer ou dor, sofrimento ou a alegria, a inebriante folia de Dionísio tem para a vida em si superar a doença Socrática e perpetuar o crescimento e o florescimento visceral da força da vida." (fonte)

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mark cardoso
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“As mais belas historias têm começo, medo e sim” ~ literatura, branding, psicanálise e palavras. Autor de "Posta-Restante": www.postarestante.com.br