Eu vou desdizer aquilo tudo que eu lhe disse antes

Lincoln Ferdinand
CRÔNICAS
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6 min readJan 28, 2017

Sobre ser uma metamorfose ambulante!

Descrição da imagem: Raul Seixas pensativo, com olhar perdido e acariciando a barba.

Eu não sei em qual exato momento passei a assumir isso como um dos lemas essenciais da minha vida, mas sei que não tive sempre esse pensamento. Foi algo construído. Talvez eu nem pensasse sobre isso antes, e com o tempo fui percebendo que as palavras “movimento” e “transformação” significavam algo pra mim. Elas eram refletidas nas minhas ações, atitudes, pensamentos e ideias.

Só pra dar um exemplo, no finalzinho de 2016 eu cortei o cabelo depois de passar um ano e meio deixando crescer. Tava do tipo de amarrar e tudo mais. Antes disso eu tinha experimentando o cabelo grande apenas na adolescência e, depois de cortado, falei que nunca mais usaria daquele jeito.

Meu eu de 12 anos atrás não poderia prever que uma das minhas versões futuras estaria disposto a experimentar novamente. Deixei até maior do que já tinha sido qualquer outra época. Nesse tempo eu usei boné, chapéu, diadema, fiz coque, amarrava em cima, embaixo, de lado, raspei nas laterais e fiz tudo que quis fazer.

Por incrível que pareça, ter usado cabelo grande me ensinou muito sobre machismo, heteronormatividade, capacidade de mudança e outras coisas que podem até vir a ser discutidas em outros textos (e que não fui capaz de aprender quando mais novo). Mas uma lição que quero ressaltar aqui, e que talvez eu não tenha aprendido nessa ocasião, mas apenas confirmado, é a da não necessidade de afirmar “nunca farei” com tanta força e certeza.

Muitas vezes ficamos presos às nossas convicções do presente e não nos damos conta que vamos mudar. Acreditamos que aquela é nossa versão definitiva. Engano dos mais tolos. Mudar é uma das belezas da vida, estar em movimento, buscar crescimento. Se a mudança vai ser para uma versão melhor, isso depende de como conduzimos esse processo. Só vamos conduzir bem quando abrirmos a cabeça para refletir sobre isso. Precisamos viver em constante avaliação de nós mesmos.

Embora eu não tenha gostado muito da experiência do cabelo grande (apesar de ter curtido o estilo), hoje eu não faria mais a mesma afirmação que fiz na minha adolescência, de que nunca mais deixaria crescer. Mesmo considerando mínima a possibilidade de voltar a acontecer, não a elimino. Não sei como estarei pensando lá na frente. Pode ser que meu eu do futuro não se incomode tanto com o que me fez abandonar os cabelos hoje.

Permitir-se mudar vai lhe ensinar muito, pode ter certeza. As pessoas chegavam pra mim com as mais variadas frases e perguntas de confusão por não estarem sabendo lidar com o meu cabelo crescendo e se transformando em algo que elas não estavam acostumadas.

Descrição da imagem: foto minha com os cabelos amarrados lá em cima e com a mão tapando os olhos, expressando incômodo pelas frases ao lado.

- E esse cabelo, menino?

- Oxe, por que tá deixando o cabelo crescer?

- Nam, corta isso que já tá bom!

- Ô cabelo feio, já pode voltar ao normal, viu?

Normal? Como assim voltar ao normal? O que é o normal?

O normal pode muito bem deixar de ser. O que não é, pode vir a ser um dia. Teve gente que me conheceu de cabelo grande e estranhou muito quando eu cortei. Para eles o normal era outro.

O lance do cabelo foi só uma ilustração do que quero falar, mas você pode identificar em várias áreas da sua vida. Seja na banda que você deixou de ser fã e colecionar fotos, e até descobriu que as músicas nem fazem tanto seu estilo assim. Seja naquela ideia que você defendia com unhas e dentes e que alguém, um dia, foi convincente o suficiente para fazer você perceber que ela não fazia tanto sentido mesmo. Ou naquele hábito que era a sua cara, as pessoas lembravam de você com aquilo, e não está mais na sua rotina.

Não há vergonha nisso, amigos. Penso que devemos ter cuidado ao viver uma vida estática na qual não experimentamos nada de diferente e nos amarramos aos padrões que um dia foram estabelecidos e com os quais nos acostumamos. Não falo só de movimento de costumes e ações. O mais importante é se movimentar nas ideias, no pensamento. Questionar o que você acredita ser verdadeiro, refletir sobre o tempo vivido, duvidar do que achamos ser indiscutível. Essa movimentação irá lhe fazer mudar elementos do seu comportamento.

Não estou dizendo que pratico isso com excelência e que sou o rei das mudanças. Na verdade eu me esforço e estou sempre tentando olhar por esse lado. Há coisas bem difíceis de mudar, pensamentos consolidados há muito tempo, discursos repetidos e repetidos que passam despercebidos no crivo da análise. Pode até ser que daqui a um tempo eu discorde de algo que escrevi aqui, quem sabe?

O que não pode acontecer é ter vergonha de mudar. De admitir pensar de outra forma agora. Parece algo óbvio e bem batido, mas devemos aprender a encarar bem os julgamentos das pessoas, pois isso sempre vai acontecer. Não se importe se sua imagem não é mais a mesma para os outros. Importe-se em construir sua melhor versão para o momento que você esta vivendo.

Descrição da imagem: homem segurando o próprio rosto na mão e posicionando para olhar para si mesmo. Do buraco que ficou na cabeça (que está sem o rosto) saem fios, como também por trás do seu rosto, que está na palma da sua mão. (imagem retirada do pixabay)

Se você estudava para concurso público e almejava a estabilidade proporcionada, e de repente se viu abrindo uma empresa e adorando aquela vida com riscos e da incerteza do que vem no mês seguinte, não tem problema. Se você morria de medo só de pensar na ideia de ser professor e hoje está concluindo o doutorado ansioso para pegar alguma turma, também não tem problema.

Claro que toda mudança que prejudique você e as pessoas ao seu redor não é legal. Que tudo seja feito com análise, reflexão e responsabilidade. E um bom equilíbrio entre razão e emoção!

- Ué, você não era o cara que não levava desaforo pra casa? Que não deixava ninguém olhar torto pra você? Amoleceu foi?”

- Pois é, andei repensando algumas atitudes. Percebi umas coisas que não valiam a pena e deixei de lado algumas posturas. Estou melhor assim!

Também acontece de não descobrirmos algo que podemos gostar e ser muito importante para a nossa construção pelo simples fato de não termos tentado nada novo ou diferente. Vamos nos permitir! Parados não chegamos a lugar nenhum. As boas descobertas só aparecem quando a gente se movimenta.

Tem muito assunto que pode derivar desse texto e a conversa seria longa, mas podemos deixar para os próximos. E você pode deixar seu comentário e discordar de mim, concordar, acrescentar, contar alguma experiência, fique à vontade.

E aproveitando a deixa, gostaria de desdizer uma coisa que eu disse em outro texto, mas na tentativa de melhorar e produzir com mais qualidade por aqui. Uma das minhas metas para 2017 foi a de escrever um texto por semana, com o objetivo de destravar e voltar a produzir conteúdo na internet. Estou conseguindo, e não há nenhuma semana que eu não tenha vontade de escrever. Tá, eu sei que estamos apenas no fim do primeiro mês e que estou na empolgação do começo, mas vamos lá.

Quero redefinir essa meta para um texto a cada 15 dias. Percebi que embora eu tenha ideia para desenvolver, uma semana é muito pouco para pensar, refletir, estudar, observar mais, escrever e reescrever, e fazer texto com uma qualidade melhor. Tem assunto que precisa de mais tempo para ser mastigado. Então, a experiência que tive nesse mês de Janeiro me mostrou que seria mais sensato reorganizar a produção e publicar a cada 15 dias. Pode ser que seja pouco também, mas por enquanto é isso. Vamos ver se muda algo e seguir vivendo, aprendendo e nos transformando!

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Lincoln Ferdinand
CRÔNICAS

Constantemente dizendo o contrário do que eu disse antes. Pode me perturbar em lincolnferdinand@gmail.com