Férias com filhos: a maternidade e a casa da Serra da Mantiqueira

Carolina Darcie
CRÔNICAS
Published in
3 min readJan 5, 2017

De repente, nasce um bebê. Nesse momento, você passa a ser uma não-pessoa: você se tornou a mãe de alguém. No meu caso, como mãe de três meninas, tenho a existência triplamente negada. O que quero, gosto, sou, penso, sinto está em quarto plano. Talvez seja temporário, talvez não. Mas só consigo me achar uma maluca. Se encontrasse comigo na rua, atravessava. Aquela ali, a maluca cheia de criança pendurada. Aquela que abdicou do silêncio da sala. Do chão limpo. Da roupa sem vômitos, do salto, do batom. Aquela ali, que escolheu cuidar de não uma, mas três novas pessoas. A moça que envelhece de chinelos na rua, cabelo despenteado que lavou com sabonete hoje cedo bem rápido, enquanto um bebê tentava abrir o box de vidro dando pequenos murros.

Em algum lugar meu mora a esperança de que tenha alguma lição de vida oculta nessa maluquice toda. Fico esperando essa iluminação chegar, aquela que vai me mostrar o valor real da vida, que é limpar meleca. Não, quero dizer, que ter filhos é muito bom. Ainda não alcancei o zen of mothering. Estou mais pra italiana com pau de macarrão na mão, engordando os filhos com molho vermelho e manjericão - que eles cuidadosamente retiram com a colher e depositam na mesinha amarela e pequena, onde fazem as várias refeições diárias que preparo.

Eu sou uma pessoa cética, não desprezo a biologia. Ela me diz que ter filho é instinto. Preservação de espécie. O resto inventamos para justificar todo o trabalho que dão. Todo esse questionamento bem-humorado e meio desesperado que sempre faço sobre a maternidade pode fazer parecer que odeio minhas filhas, mas o tom é outro. Gosto delas. Só todo o resto que engloba a maternidade é que eu detesto. Minha casa sempre imunda. As contas pra pagar triplicadas. Minhas roupas grudando. Meu cabelo caindo. Eu com cara de brava, metade do dia. O marido e o relacionamento que deu origem à essa bagunça está em algum lugar ali, atrás dos montes de roupa pra lavar, compras pra fazer, forte mas nem tão firme. Tão cansado como eu, o peso da responsabilidade de ser pai de tantas pesando nos ombros. O riso que era fácil, se torna um pouco tenso. Teremos como pagar a escola? Acabou o sabão. Vou levar o lixo. Chegou o condomínio. Nós dois, ex-amantes animados, agora meio perdidos nas pequenezas da vida familiar, escondidos ali esperando uma brecha para poder rolar um encontro de dez minutos na semana, aguardando com a paciência de quem sabe que não há muito a fazer, a não ser esperar que cresçam um pouco.

E, entre bicicletas, fraldas e chapéus, vamos envelhecendo. Tenho certeza que um dia me tornarei aquelas mães choronas de saudade dos velhos tempos, enquanto escrevo minhas histórias lá na casinha da Serra da Mantiqueira, aquela, que eu sonho morar agora, enquanto os filhos estão todos de férias em casa e eu, com eles, ficando um pouco mais maluca a cada dia.

--

--