Física

& as leis de Newton

Melíflua
CRÔNICAS

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Às vezes a gente se acostuma.

A não ter tudo que quer, a não enxergar o horizonte, a nunca ver as estrelas, a levar esbarrões no ônibus, a chorar escondido, a esquecer as chaves em cima da mesa, a cochilar no transporte público, a perder canetas, pen drives, amores; a gente se acostuma a ficar cansado, a respirar com dificuldade, a gripar no inverno, a desmaiar no verão, a não terminar provas, a perguntas sem respostas, a respostas sem sentido, a fazer tudo corrido, a correr sem direção; e ainda nos acostumamos a tomar chuva, a sentir frio, a passar o dia com as meias molhadas, a contar os minutos para as dezoito horas, a sentir tédio, a suspirar bem fundo, a estalar o pescoço, a alongar as costas, a tomar mais café do que deveria, a xingar o computador e sua tralha periférica; a gente se acostuma a tanta coisa e se acostuma a se acostumar que nada mais nos surpreende; nem mesmo o fator surpresa antagonista do nosso cotidiano nos acolhe, cada coisa se transforma em matéria-prima para reações apáticas e insípidas e a vida se transforma em um arrastar de pés com pantufas de pelúcia num chão de taco de madeira.

Na escola aprendemos as leis de Newton: a inércia, a dinâmica, a ação e reação. E embora sejam chamados de ciências exatas, os cálculos são muito mais abstratos quando postos numa folha de papel do que quando agem disformes sobre nossas vidas. A gente estuda, decora, aprende, reproduz todas as letras e números nas provas, mas ainda se pergunta o motivo de tudo isso. “Bolas de boliche sobre pistas infinitas”, “empurrar caminhões de brinquedo x caminhões de verdade” — quando? como? pra quê? E ainda que os nossos professores nos tivessem dito a verdade, esses resultados não nos servem a nada; sentimos a influência de todas essas leis e princípios apenas quando são invisíveis, quando não sabemos seus valores, quando nos acostumamos com o ruído de suas pantufas no chão de nossas casas.

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