Grêmio estudantil de escola privada desconstruída discute os rumos do Sarau

Victor Hugo Liporage
CRÔNICAS
Published in
4 min readMay 21, 2018

— Ei, gente!

A sala do grêmio estudantil está lotada de adolescentes. O recinto tem as paredes cheias de cartazes de movimentos identitários, adesivos com sóis e rostos de deputados e veradores cool, pixações com letras do rapper Criolo e letras de música em inglês que o autor não sabe dizer se são de bandas indie ou um Augusto Cury em inglês.

Quem grita é Mariana, que se veste como uma Janis Joplin sem sucesso.

O burburinho fica cada vez mais alto. Mariana suspira e decide estalar os dedos de ambas as mãos repetidamente.

Laura percebe os estalos, para de conversar e decide acompanhar a amiga.

Felipe, do outro lado, um misto de vendedor de artesanato do calçadão de Ipanema com argentino viajante, acompanha as meninas.

Pouco a pouco, o barulho diminui e é substituído por estalos de dedos.

— Obrigada! — Os estalos cessam, — a gente precisa decidir a comissão pro sarau. Quem se candidata?

Filippo, um jovem de cabelos longos e oleosos, levanta a mão. Laura também. Junto deles, Francisco, que fotografa paisagem e sonha em ser cineasta.

— Beleza, temos 3. Mas falta um.

As pessoas da sala se entreolham mas ninguém se candidata. Mariana procura alguém pela sala.

— Ana, você não quer?

Ana abre o olho surpresa. É a única pessoa negra do recinto e adora um brechó de senhoras de idade. Está costurando a manga de uma camisa.

— Por que eu?

Mariana dá de ombros e arquea as sobrancelhas, despretensiosa.

— Ah, acho que seria importante.

— Cara, tô com um monte de peça pra fazer lá em casa e ainda tenho que estudar pro ENEM. Não sei se dá pra mim.

Ana ajuda a mãe, que é figurinista de peças teatrais de difícil entendimento mas aclamadas pela crítica.

— Tá. Vamos começar com isso mesmo, eu ajudo vocês — diz Mariana — Filippo, o que você sugere?

— Olha, eu tenho uns amigos que tão com uma banda massa de rock progressivo. Conheço um grupo muito maneiro que tá lançando um projeto de EP, bem conceitual, saca? Mas o show deles é muito engraçado. Se vestem com bóias de flamingo, tartaruga, jacaré…

— Bóias? — pergunta Fábio, que é filiado a UJS.

— Sim, de piscina — responde Filippo.

— Caramba! Que conceitual — ironiza Fábio.

— Tem alguma sugestão melhor?

— A gente podia fazer batalha de poesia, chamar o Marechal…

— Marechal não é aquele que falou que se masturba pra Anitta? — pergunta Larissa, uma menina que troca a cor do cabelo mais que o Felipe Neto.

Um burburinho ameaça crescer mas Mariana rapidamente intervém, levantando o braço esquerdo bem alto e dando um grito.

— Ei, gente!

O grupo olha pra Mariana em silêncio.

— Fábio, é isso que acontece quando alguém propõe uma intervenção e não levanta a mão.

—Não respeita a democracia e ainda ouve rapper machista. Isso é tão anos 90. Era de se esperar de quem vota em Babá… — comenta Laura ajeitando seu saião indiano.

— Vai se fuder, Laura! Você não sabe da história dele!

— Ou, não levanta a voz pra ela não, hein! — intervém Giovana, uma jovem que raspa o cabelo mas não as axilas.

— Foco, gente! — diz Mariana.

Laura levanta a mão. Mariana a concede a palavra.

— Então, eu tenho uma sugestão. Acho que as atividades lúdicas são fundamentais num espaço escolar, então queria propôr oficinas de artesanato, confecção de bambolês, pequenas peças de tricô…

— Boa! Podia rolar também uma oficina de sustentabilidade. A hortinha do pátio tá muito sucateada… — diz Luna, que toma um chá de erva cidreira em sua caneca do Rick e Morty. É uma jovem geek.

— Gente, mas eu acho que vocês tão esquecendo que vai ser à noite, e que sempre tem show. As pessoas pagam ingresso pra curtir a festa, não pra plantar coisas — comenta Francisco, ajeitando seu cabelo cacheado num coque.

— Mas isso é um absurdo, cara — protesta Laura. — Que sarau é esse que não tem variedade cultural?

— Então se for assim deixa eu passar minhas vídeo artes no projetor e na parede! — replica Francisco.

— A gente não quer que o pessoal durma de vez, Francisco — comenta Ana, sem tirar os olhos de sua costura.

Francisco a olha com desdém. Larissa levanta a mão. Mariana aponta pra ela concedendo a palavra.

— Gente, olha só. Vocês tão aí falando de variedade cultural e não sei o quê, mas no final a única variedade vai ser no sabor dos brownies que vão vender, porque é sempre a mesma coisa: 5 bandas de rock, outra inspirada nos Los Hermanos e uma gótica.

— Inclusive eu vi aquele cara que era igualzinho o Marcelo Camelo e tocou ano passado pegando uma mina de 13 anos numa resenha ano passado— comenta Felipe.

— Stop síndrome de Caetano Veloso 2018 — diz Giovana, fazendo símbolo de hashtag com as mãos.

— Que resenha? — pergunta Filippo.

— Aquela na tua cobertura mermo — diz Laura.

Filippo gargalha.

— Caraca, aquele dia deu mó merda! Teve uma mina que dropou ácido, ficou olhando pra praia da sacada e dizendo que era piscina, que dava pra pular.

O sinal toca.

— Que aula é agora? — pergunta Mariana.

— A minha é de biologia, posso ficar — diz Larissa.

— Mas tu não queria medicina? Vai matar logo biologia? — pergunta Fábio.

— À noite estudo isso no pré vest.

— Eu tenho aula de fotografia, preciso partir — anuncia Filippo.

— Prioridades, né — comenta Francisco — mas o que ele tá ensinando eu já sei.

As pessoas começam a sair da sala aos poucos.

— Merda… Vamos nos reunir aqui de novo, mesmo horário e amanhã, gente!

O burburinho cresce de novo e Mariana levanta a voz.

— Alguém fez a ata?!

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