O mundo mágico da gringa.
Pensa no som do trem chegando na plataforma vazia. Agora pensa no som de uma pipoca de cinema sendo mastigada. Agora no som de um teclado sendo atingido por dedos datilógrafos. A gente tem memória auditiva. Eu lembro até do som da voz de pessoas. Aquele cara que me disse sim pro primeiro emprego, aquele que me deu um fora, aquela moça do caixa que disse que eu não podia ter aberto o saco de bolacha antes de passar o código. O som do saco de bolacha abrindo no mercado. O som da bolacha na boca. Lembro do miado da Pretinha, do aspirador de pó na sala, do caminhão do lixo chegando. Me dava calafrios. E a internet discada então. Vixe.
Sabe quando dizem “Eu nunca vi a Torre Eiffel”? Eu não vivi pra ouvir um fulaninho dizer que nunca ouviu a montanha russa do parque da Disney.
Cá pra nós, seja honesto, a audição é um sentido meio esquecido por nós. A gente reconhece a importância, claro, mas no dia a dia não dá bola, ainda mais pra criar memórias ou expectativa. Você tem vontade de ver um filme, não de ouvir. Tem vontade de tocar seu bicho de estimação, não ouvir o rabo batendo na mesinha da sala. Na faculdade de Rádio e TV, nem dez por cento dos alunos escolheram rádio porque atestavam que a imagem era mais desafiadora que o som. É?
Desde que cheguei aqui nos States eu (complete com o sentido desejado) muita coisa nova. Nunca tinha visto a neve antes. Nem ouvido. Nem tocado. Nem cheirado. Nem comido. Mas o que mais me encanta os sentidos é o som da neve mesmo. É de um descer baixinho e constante, como se você tivesse sendo atacado por micro bolas de canhão numa guerra favoravelmente perdida. A neve é bonita, mas soa linda. É confortante, apesar da friaca por dentro do casaco, e preenche o ambiente num ritmo continuo e gostosinho que dá vontade de acompanhar, de ser daquele jeito também. Dá paz.
A imagem da bandeira balançando no mastro é frequente na mídia, mas você sabe qual o som dela em ventania? Ruim. É um som pungente e cortante que te irrita e te expulsa. Como era a função de muitas bandeiras na história.
E do carro passando em cristais de gelo? Gostoso, mas perigoso, como uma porção de outras coisas no mundo.
E do aquecedor que liga, te irrita pelo barulho, mas te aquece pelo tato e te traz um final feliz?
Ultimamente tenho assimilado que ouvir é ótimo. Ouvir o que o coleguinha/ o outro / o polo oposto / o semelhante / o tímido / o imutável / o professor de mestrado tem a dizer de bom ou não de bom me trouxe novidades tão impressionantes quanto o som da neve. Não importa o idioma, a temperatura, a localização no mapa. Abre esse orelhão pro mundo que tem muita onda por aí ainda não captada.