Hábitos

Anderson Carvalho
CRÔNICAS
Published in
3 min readApr 30, 2018

Com o que se parece uma vida boa?

Alguns diriam confortos e prazeres, outros diriam produtividade, aqueles que surfam na crista da onda do século XXI diriam viajar. Um que outro, de um modo acabrunhado, meio sem jeito, diriam que se parece com a liberdade.

Ah! que gosto doce tem a liberdade quando em nossa imaginação! Quando analisada mais de perto ela lembra muito mais um prato de comida requentada no microondas por tempo insuficiente, as bordas quentíssimas e o centro gelado.

Longe de mim afirmar que a liberdade é algo ruim, ser livre é um voo que parece uma queda livre até aprendermos a voar.

Que me perdoem os deterministas, mas a liberdade é cotidiana, rotineira. Não é preciso lutar por ela, apenas aprender a lidar com suas peculiaridades. Somos todos livres para fazer as nossas escolhas, dentro dos limites que o meio nos impõe. Não é isso liberdade suficiente?

Mas ficou para trás o problema da vida boa. Afinal, com o que ela se parece? Inevitavelmente os confortos e prazeres se transformam em tédio e uma ganância infinita por mais prazeres e mais confortos, uma espiral, um parafuso. Os produtivos encontrarão o cansaço e uma certa falta de propósito quando os projetos vão sendo concluídos. Os viajantes, que também não querem ser nômades, acabam vivendo em doses homeopáticas (ou sendo mais claro, nas suas viagens de férias). Aqueles que clamam por liberdade acabam por se encerrar nos hábitos que escolhem — livremente, por si mesmos.

A vida boa é feita com equilíbrio — grita um sabichão. Pois bem, impossível discordar. Porém, só que já viveu em desequilíbrio (talvez a grande maioria da humanidade) sabe o quanto de esforço é necessário para que se viva uma vida equilibrada. Hábitos saudáveis (física e mentalmente saudáveis) são as unidades básicas de construção dessa vida boa e equilibrada.

Então sentamos e planejamos todo o nosso futuro e é tudo tão excelente que chegamos a ficar com saudades dessa pessoa que seremos e dessa vida que levaremos assim que começarmos a colocar em prática todos esses hábitos cuidadosamente escolhidos. Termina a semana e é sexta-feira, saímos para tomar uma cerveja com os amigos e acabamos tomando dezoito e nos lembramos dos nossos hábitos às quatro da manhã em um lugar mal iluminado, com música alta e corpos se esfregando ao som de músicas artificiais e repetitivas. Saímos fugidos dessa realidade.

Sábado acordamos com ressaca e de tão imprestáveis pedimos comida pelo aplicativo e não temos força para quase nada além de assistir um filme, ou melhor, uma série durante todo o dia, afinal precisamos relaxar. No domingo já é domingo mesmo e resolvemos continuar a maratona de entretenimento do sábado. Ficam para lá os estudos, os planos,a alimentação balanceada, a visita a família e todos os outros planos perdem força quando amanhece a segunda-feira e voltamos ao trabalho e a fase de planejamento de uma vida boa.

Isso sem falar nos prejuízos financeiros e relacionamentos doentios que vamos cultivando conforme estamos nessa busca agonizante por prazer imediato, por satisfação instantânea.

A vida boa é equilibrada por hábitos saudáveis. Manter hábitos saudáveis é uma luta diária que não conhece fins de semana nem feriados. O equilíbrio aparece depois de várias quedas.

A vida boa é possível, mas nada fácil.

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