Medo de grávidas

Leandro Marçal
CRÔNICAS
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3 min readMay 17, 2018
Meu medo de fazer besteira é inexplicável, mas é real. Foto: Vix.

Ouvi uma respiração cansada, pensei no calor infernal do lado de fora da agência climatizada. O banco confortável me iludia e não percebi estar há mais de uma hora ali, esperando minha vez de pagar uns boletos e fazer um depósito urgente. Quando olhei para o lado, uma grávida segurava sua senha e me cumprimentou com o sorriso de quem já se acostumara ao peso de carregar uma vida prestes a ver o mundo.

Tive medo. Não tanto quanto o de quando me vejo coagido a deslizar em boias de parques aquáticos ou me refrescar em piscinas. As grandes concentrações de água me fazem duvidar da evolução e acreditar que o ser humano sempre foi um bicho da terra firme.

O pânico também não foi o mesmo dos dias em que subo muitos andares e o dono do apartamento me faz olhar a linda vista da cidade. Por não ter asas, sei que devo me manter o mais baixo possível e qualquer princípio de grande altura exibe um filme dos piores momentos da minha vida em velocidade recorde.

Quando uma grávida se posiciona perto de mim, penso na possibilidade da bolsa estourar. Teria que colocar em prática todo o aprendizado de filmes e séries. Temo fazer algo errado ao trazer uma nova vida ao mundo. Não seria um herói com reportagem de cinco minutos no jornal do almoço, tampouco estaria nas histórias da família desconhecida como o homem que ajudou no parto em pleno banco: passaria o resto dos dias com a consciência pesada por um movimento errado que jogou nove meses de expectativa no luto eterno.

Pode até ser muita paranoia, mas também fico receoso de trocar ideias aprofundadas com quem espera um rebento vir ao mundo para o alívio da coluna. A hipersensibilidade da gravidez me faz imaginar um cenário em que, ao falar da beleza do dia, ela lembre que há pessoas passando fome ao redor do mundo e só eu, um monstro, poderia estar feliz sabendo disso. A moça cairia no choro e eu seria o vilão da história, evidentemente. Afinal, é crime imperdoável levar às lágrimas quem carrega o futuro da nação no útero.

As pernas não chegam a tremer, mas fico paralisado com o temor de qualquer movimento errado me fazer tropeçar e um esbarrão causar uma lesão séria. Eu não me perdoaria. Ninguém me perdoaria.

Depois de dez minutos, ela me mostrou a senha que sim, era aquela no painel. Percebi que não estava muito bem, fiz questão de ajudá-la a chegar ao balcão de atendimento. Obrigado, de nada. Que boa ação do dia que nada, não fiz mais que minha obrigação.

Quando ia embora, faltavam uns bons dez clientes à minha frente. Ela se aproximou e me presenteou com um chocolate. O meu preferido.

- Sabe como é, né? Sinto muita fome, tem sempre um reserva na bolsa. Muito obrigada, viu moço?

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Leandro Marçal
CRÔNICAS

Um escritor careca e ansioso. Autor de “De Letra: o futebol é só um detalhe” e “No caminho do nada”. Cronista no Tirei da Gaveta (www.tireidagaveta.com.br).