Menos especial do que pareço

Nem todo cadeirante é um exemplo a se seguir 

Fatine Oliveira
CRÔNICAS

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Certo dia me disseram “você não aceita ser cadeirante, por isso reclama tanto das coisas”. Naquele momento cheguei a concordar com a pessoa, me incomodava sim levar os dias sobre rodas, mas ninguém poderia me condenar por isso. Não há pecado em desejar ter forças pra abraçar pessoas queridas ou poder levantar e esticar as pernas depois de tantas horas sentada. Pelo menos, não conseguia achar mal algum nisso.

Mas dias, receio anos, passados e essa frase veio me visitar em forma de lembranças marotas, dessas vindas pra revirar o presente e mudar nossa visão. Contudo, não vieram sozinhas, uniram-se às palavras de alguém do outro lado do mundo, porém tão aqui quanto meus conterrâneos. O nome dela é Stella Young, jornalista e comediante que palestrou para o TED sobre o hábito da sociedade em transformar pessoas com deficiência em “inspiração pornô”. Em apenas alguns minutos ela conseguiu expor algo preso em mim há anos, além de esclarecer de uma vez por todas essa questão de aceitação que tantos insistem em me cobrar.

Ao contrário do que pensam, eu me aceito como cadeirante. Aliás, essa é uma condição que vai além de ser ou não aceita, ela simplesmente é. Sou assim e pronto. Não dá pra deixar de ser. Aprendi ao longo da minha breve vida a lidar e adaptar minhas ações pra conseguir fazer pequenas coisas sozinha. Trocar de roupa, tomar banho, usar o banheiro exigem mais detalhes do que podem imaginar. E eles eu aprendi e ensino quando as pessoas vão me ajudar.

O que não consigo aceitar é a diferença que insistem em empurrar diariamente na minha garganta. Não dá pra aceitar uma sociedade que trata como alienígena todo cadeirante que sai de casa. Vocês imaginam o quão constrangedor é ser observado o tempo todo como se fosse um corpo estranho ali. Por mais que seja difícil de acreditar, não sou diferente de você. Sinto, penso, desejo, choro, rio, fofoco, faço piada, xingo, falo palavrão, canto, danço (pouquíssimo, mas remexo as costelas) enfim, tudo aquilo que você faz, nós também fazemos. Sabe porquê? Porque somos humanos.

Se somos iguais, qual atributo me torna especial? Nenhum. Sou menos especial do que pareço.

As pessoas nos colocaram especiais por não lamentar nosso sofrimento. Ora essas, deveríamos então viver depressivos? Passivos trancados em casa? Não me considero exemplo por ser cadeirante, sou apenas uma pessoa que optou viver ao invés de aceitar resignada o destino escolhido pra mim.

Acredite, sou deficiente física e mulher, ou seja, tenho opressões demais pra permitir mais outra. Como eu existem tantos outros e um único desejo: ser respeitado pelo que somos. Nada além disso.

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Fatine Oliveira
CRÔNICAS

Publicitária e escritora (por atrevimento mesmo). Entre palavras e rabiscos vou deixando minha marca nessa vida. Ou seria a vida que marca minhas palavras?