Não há futuro, só desesperança
De uns tempos para cá, distopias deixaram de ser um exagero catastrófico e passaram a assombrar a humanidade como uma possibilidade real, uma profecia de deixar Nostradamus e o apóstolo João catárticos em meio aos rumos de uma humanidade presa em um trem descarrilhado e sem freio.
O Apocalipse deixou de ser o mais assustador dos cenários mundanos e seu clichê do fim dos tempos não se aplica aqui pela proibição ferrenha do agnosticismo teísta e indeciso do escriba, monitorado a todo instante pelos algoritmos das redes sociais e assustado com aqueles que pouco se importam com isso e quase expõem as entranhas em busca de um reflexo narcisista nas telas dos notebooks e celulares.
Em meio à variedade infinita de informações disponíveis na internet, o esquecimento de fatos históricos que assolaram o mundo no século passado e em tantos outros faz do fascismo um morto-vivo com o braço para fora de uma tumba fétida, com um uivo ecoando por todos os continentes.
A intolerância já atinge níveis alarmantes nas proximidades de um russo bem visto por parte da esquerda e da direita a se digladiarem, enquanto quem pensa ou age diferente já começa a sofrer consequências assustadoras.
Ansiando por uma brincadeira de batalha naval em um tabuleiro no qual pessoas morrem também por armas químicas, ele acena com outro lunático de cabelos alaranjados pregando um repulsivo anti-intelecto e já começa a criar um inimigo invisível numa religião distante como se um grupo a representasse por completo, de forma igual à que fizera um crápula de bigode carregando um rastro de destruição e corpos há uns 80 anos.
Sente um cheirinho de esgoto a céu aberto rondando os oceanos cada vez mais poluídos que banham o planeta?
Ele fede ainda mais se o Google servir não apenas para a busca de amenidades, mas para notícias repetitivas sobre uma miséria sem fim naquele mesmo continente grande e condenado de sempre.
A destruição da vida humana, animal e ambiental segue a mesma em meio a discursos de PIB, FMI, ONU, e IDH com a mesma impotência de um cachorro com um livro aberto à sua frente.
Se um marciano desavisado cair com sua nave pelos lados tupiniquins, ele vai encontrar um simulacro de espaço no noticiário político, no qual o vácuo é de representatividade por todos os lados, buscando alguma mudança para melhor daquilo que nunca esteve tão bom.
Tal alienígena vai perceber que um ou outro nome surge como salvador da pátria — e acreditar em ETs é mera questão de crença, em heróis é imbecilidade ou falta de um mínimo conhecimento histórico — em meio a delações, investigações, prisões e assassinatos de reputações nunca ilibadas.
Entre gestores e barbudos, mitos e carecas, surgem novas embalagens para antigos interesses de fingir mudanças para deixar tudo da forma como está hoje. Reestruturar toda a base de nosso sistema com uma reforma política não é pauta para os santos e endeusados, movidos a benesses dos cargos eletivos inadmissíveis para um projeto de nação minimamente organizada.
Com os mesmos discursos fáceis e rasos como uma piscina de plástico, os já conhecidos discursos de ódio que inspiraram obras literárias e cinematográficas vão arregimentando seus discípulos por aqui e por ali.
Nosso amigo alienígena entenderia que o crescimento desse vácuo dá chances reais a seu preenchimento pelo autoritarismo de psicopatas e um maior afundamento do poço que não dá pé, com desemprego e retirada de direitos povoando os noticiários enquanto permanecemos catárticos diante dos meios de comunicação.
E não custa lembrar que esses mesmos veículos que nos informam todos os dias são demonizados quando expõem verdades inconvenientes às nossas crenças e reverenciados quando ressaltam nossas teses sem mestrado. A isso deram o nome de pós-verdade e ela cresce dia após dia. Se é mentira ou não, pouco importa quando se diz o que se quer ouvir.
Informação e desinformação se fundiram como irmãos siameses e não há cirurgia possível quando a ignorância e o ódio são as matérias-primas dessa clínica clandestina.
Nosso amigo alien já teve ter fugido em seu OVNI na velocidade máxima possível. O espaço sideral é menos assustador.
Qualquer semelhança com 1984 e Admirável Mundo Novo já não é mera coincidência. Ficção e realidade se fundem de modo a tornar tudo ainda mais complexo do que a manipulação de massas se propõe a executar.
Quando surgiu Black Mirror, seus espectadores se viram assustadíssimos diante daquele aviso em forma de choque de realidade, para depois voltar às suas vidinhas comuns de indignação seletiva e virtual sentados em suas poltronas recriminando aqueles que vão às ruas tentando um mínimo de mudança comum, sem relação com aquela matéria de escola.
A obra-prima Não verás país nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão, já não apavora tanto quanto um futuro que flerta entre o sombrio e o inexistente, enquanto textos como este servem como um desafogo inócuo ou um grito abafado em meio à balbúrdia de uma horda eficiente.
Tal desesperança é a maturidade do pessimismo e não busca uma atenção como seu irmão mais novo por vezes faz para suprir a carência. Da forma como as coisas estão e se projetam, todo otimismo perante o mundo em permanente derretimento a caminho do ralo não passa de uma ilusão quixotesca para atender a indústria da felicidade encampada por livros de autoajuda, nos quais cada frase não passa de mera repetição da linha anterior.
Já não basta simplesmente se apegar à fé sem ação ou terceirizar a signos, demônios e outros subterfúgios todo o mal provocado pelo homem, suas invenções paradoxais e um progresso moedor de vidas sem função humanista movido a ganância e estupidez infinita.
Diante dessa distopia real, resta se apegar ao niilismo. Ele parece ser o único refúgio contra uma alienação completa ou um enlouquecimento incurável.