www.unsplash.com

O conto da mulher bem sucedida

Mayara Lobato
CRÔNICAS
Published in
4 min readDec 31, 2016

--

Maria era muito jovem quando ensinaram para ela que era importante estudar para ser alguém na vida. Principalmente, para que “não dependesse de homem”. Foi justamente essa frase que Maria ouviu.

Estude para ter um bom trabalho e pagar suas contas. Assim, você não precisará de ninguém.

Conforme Maria foi estudando, conseguindo boas notas e avançando na educação formal — ensino médio, faculdade, mestrado — Maria foi entendendo o que significaria ser bem sucedida.

Primeiramente, diploma. Terminar a faculdade era o mínimo esperado. Mas também não deveria ser qualquer faculdade. Tinha que ser federal. Se fosse particular, tinha que ter nome. Ah, e claro, não podia ser qualquer curso. medicina era o curso ideal. Seguido obviamente por direito, administração, etc… Enfim, os cursos “que dão dinheiro”.

Maria não levou a sério esse papo e defendeu que ela podia ser uma mulher bem sucedida em qualquer curso, desde que ela se dedicasse bastante e trabalhasse duro. E então ela encarou uma graduação em Ciências Sociais.

Após terminar a faculdade, seria bem sucedida aquela que já tivesse um bom emprego. Ou seja: em uma grande empresa, com um salário relativamente alto. Maria achou que podia postergar e resolveu continuar estudando. Foi aí que entrou no mestrado.

Maria se achava muito importante, pois acreditava que fazer mestrado aos 22 anos era um baita indicador de “fui bem sucedida”. Maria era feliz, mas como a bolsa não era muito alta, parecia que ela ainda não tinha atingido a meta tão esperada.

Quando terminou o mestrado, percebeu que não queria continuar a carreira acadêmica. Tinha a sensação de que nunca seria bem sucedida. Parecia que nunca tinha artigos escritos, participações em congressos e certificados suficientes. Conhecia pessoas que já tinham pós-doutorado e que já buscavam o pós do pós, pois o que já tinham não era o suficiente. Queriam mais. Queriam ser bem sucedidas.

Maria foi então trabalhar em uma empresa grande. Dessas com muitos funcionários, carteira assinada e 4 reuniões por dia. Ela achou então que enfim poderia ouvir no Natal da família que era bem sucedida. Maria corria de uma reunião para outra, sofria quando o táxi não parava e andava de terninho no centro da cidade com seus cartões de visita e o moleskine em sua bolsa.

Os anos se passaram e Maria não teve quase nenhum aumento e nem tinha sido promovida. E ela tinha aprendido que para ser bem sucedida precisava ganhar bem e ser chefe. Tinha que ter equipe, verificar o ponto dos funcionários e dar instruções. “Faça isso, faça aquilo”, opa, mais um aumento = mulher bem sucedida.

Maria se desiludiu, cansou, entregou as pontas e foi viver um amor. Pediu licença do emprego, mudou de cidade e foi morar junto com o noivo. Ficou alguns meses desempregada e não conseguia pagar as contas da casa. A poupança quebrava um galho para as suas despesas pessoais, mas na real mesmo não conseguia ajudar em despesas como aluguel e condomínio.

E Maria se lembrava do que tinha ouvido a sua vida toda: estude bastante, trabalhe duro, para que seja independente e não precise de ninguém. Ora, onde foi que ela errou?

Então ela conseguiu um emprego. Uma startup super bacana e que ela um dia sonhou em trabalhar. Mas o salário era inferior ao antigo emprego. Era preciso dar um passo atrás, recuar, se quisesse de fato trabalhar lá. E Maria aceitou. Cortou gastos, pegou plantões a mais e foi se virando.

Maria tem 28 anos, não consegue se bancar sozinha, ganha um salário semelhante ao que ganhava há 6 anos e não é chefe de ninguém.

Parece que Maria sempre procurou algo mais. Seu emprego nunca era tão bom, seu salário nunca era suficiente, seu corpo nunca era perfeito… Ficava sempre aquela sensação de que precisava de mais.

Maria seria o retrato completo da derrota, porque pelo que ensinaram a ela, ela não foi bem sucedida. Maria não é independente. Maria não é chefe. Maria não tem contracheque gordo. Gostaria de ter, claro… Não nega que isso seja importante. E também não é hipócrita.

Só que Maria é feliz. Muito feliz.

É claro que ela quer ganhar mais e ajudar nas despesas da casa, crescer profissionalmente… Mas o que parece é que várias histórias podem ter um “final” feliz sem um salário de R$8.000,00 na conta todo mês e alguns funcionários para te puxarem o saco.

Maria entendeu que chegar em casa feliz, com a sensação de um bom trabalho realizado, que pudesse de fato ajudar as pessoas, significava ser bem sucedida. Um amor pra compartilhar uma cerveja gelada no fim do dia, uma série esparramados no sofá após um jantar simples de arroz, frango e salada.

Nem luxo, nem lixo. Apenas saúde, amor e paz.

A meta, na verdade, era ser feliz.

Não era o diploma, não era o currículo extenso e nem o contracheque. Tinha algo mais por trás de tudo isso. É claro que Maria não se arrepende dos cursos que fez, das horas de trabalho… Mas agora ela entende que isso não era uma meta a ser atingida. Eram apenas etapas de um percurso.

Não que ambição não fosse importante. Mas tinha muito mais por trás da medalha após a linha de chegada.

E Maria agora entendeu o sentido mais profundo dos versos de Antonio Machado:

Caminhante, são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar.

Sim, esse é um texto extremamente pessoal e reflexivo para mim. E ele contém uma opinião muito forte minha sobre a vida, que venho construindo nos últimos meses.

Mas adoraria ouvir outros pontos de vista! Você se identifica com a história da Maria? Odiaria ser a Maria? Compartilhe aí com a gente!

--

--

Mayara Lobato
CRÔNICAS

Antropóloga, Gestora de Projetos, Pesquisadora e Outros. ✉mayaralobato@hotmail.com