O remate fotográfico

Iris Paiva
CRÔNICAS
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3 min readJan 14, 2017

Fotografar era tudo para ela. A foto representava o ápice da vida, o maior espetáculo pessoal daquele que viria a ser fotografado. Suas sessões fotográficas tornavam-se cada vez mais intensas e traumáticas. A tensão provocada entre ambos, fotógrafa e modelo, servia não apenas para aprimorar sua arte, como também uma forma de autodescobrimento. Rara eram as críticas negativas que sua obra recebia, nesses casos, porém, eram retiradas rapidamente da imprensa, e suas exposições tornavam-se maiores. O ápice de sua vida, no entanto, sequer estava próximo. Sentia que lhe faltava algo, a necessidade de uma última imagem cuja revelação da morte estivesse presente.

A quimera da máquina fotográfica que rouba a alma daqueles que se permitiam ser fotografados sempre a encantou. Em suas pesquisas nunca encontrara uma imagem que revelasse esse momento, essa utopia tão religiosa. Assim teve início seu projeto, encontrar a solução para esse devaneio tornou-se seu objetivo para continuar. No processo de um ano, deparou-se com inúmeras falhas e desapontamentos. Momentos sempre dolorosos, programados por ela ou não, mas que ainda não lhe proporcionaram o esperado. Coragem para o último caminho sempre tivera, contudo, por um sadismo barato, preferiu percorrer os outros atrás de uma ínfima esperança do resultado. Não conseguiu.

O teto de seu local de trabalho já estava preenchido com cabos de aço, nove ao total, fortes o suficiente para aguentar um touro. Desejava aproveitar-se do instante o máximo que lhe fosse permitido, induzir a imagem ao seu cume e transmitir o último olhar a uma câmera. O que mais importavam eram os olhos.

Questionava-se constantemente acerca do que transmitiriam. O passado do modelo desconhecido? O desespero? Suas lembranças mais imundas? Os pedidos de perdão a todos que não conseguiu dar? Nada? Esperança? Afinal, o que o último olhar encontraria?

Conseguiu sedar o modelo assim que entrara em seu estúdio. Carregou-o, com a ajuda de uma escada, até os cabos de aço no teto e o pendurou completamente nu. A constante dor do repuxo da pele, que se rasgava, não permitiu o sedativo durar o quanto se espera em dias comuns. Seus sentidos misturavam-se entre a dor do sangue, o prazer da boca que o acariciava. Demorou para que notasse as lentes da câmera logo à sua frente.

Ela estava sentada na escada, logo abaixo de sua virilha, com mãos e boca rodeadas de vermelho e branco. A sequência constante de cliques o desenrolava quase em um filme, um stop motion que permitiria à artista encontrar o auge. Não dava a mínima para a sujeira abaixo dela com poças de quase todas as substâncias possíveis a um homem excretar. Misturavam-se exalando um odor peculiar. As forças do arquétipo se dissipavam, a dor ultrapassava o prazer e, finalmente, em um pequeno estalo de sensatez, recordara que nunca havia vivenciado tamanho gozo.

Ao fotógrafo tornou-se necessário ter vários moldes de um mesmo momento, escolher a melhor é tão cansativo quanto o ato fotográfico. Seu trabalho, portanto, estava apenas no início: determinar o momento em que a câmera capta para si a alma do homem.

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Written by Iris Paiva

Professora de história que escreve sobre assuntos diversos nas horas vagas.